Evolução do Poder Familiar ao Longo do Tempo



EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PODER FAMILIAR

1. INTRODUÇÃO

O pátrio poder é um instituto do direito, que marca a vida do homem em toda a sua história, suas origens são tão remotas que transcendem as fronteiras das culturas mais conhecidas e se entroncam na aurora da humanidade mesma. A maioria dos doutrinadores parte do direito romano para começar seus estudos sobre o poder familiar. As características especiais romanas vieram a ser a base das legislações modernas.

2. PÁTRIO PODER NA ROMA ANTIGA

Na Roma antiga o poder familiar era regido pelo pater familias, exercido sobre todas as coisas e componentes do grupo, incluindo os filhos, a esposa, os escravos e as pessoas assemelhadas, e a tudo que fosse considerado pela grande família romana um poder de propriedade.
A família era a unidade de sustentação da sociedade romana e todo o cidadão romano se enquadrava em duas características: ou era considerado sui iuris e não era sujeito ao poder alheio, ou era considerado alieni iuris, e assim era dependente de outro, uma pessoa de direito alheio, logo, era incapaz de direito.
Com relação a este poder centralizado do pater na família romana, era clara característica da autoridade do chefe da família, cujos integrantes da família eram totalmente dependentes do patriarca.
O pater familias tinha vários direitos extremos sobre os filhos, entre eles o ius vitae et necis, que possibilitava o pater matar o próprio filho sem cometer qualquer ofensa à lei, e o ius exponendi, que conferia ao pater a faculdade de abandonar o filho recém nascido, geralmente nos casos de má formação ou defeitos físicos.
Com o passar do tempo, estes direitos extremos, bem como a forma que a família era tratada, foi mudando.

3. ANTIGO DIREITO LUSO BRASILEIRO

Sob influência Romana vigoravam no Brasil as ordenações, leis e decretos promulgados pelos reis de Portugal. Nesta época, conforme disciplinavam as ordenações Filipinas, o pátrio poder se estendia por toda a vida, pois era compreendido como um poder pater familias, mas somente em relação aos filhos legítimos e legitimados.
As características do pátrio poder no antigo direito brasileiro, onde só o pai exercia o pátrio poder, não competindo à mãe senão certos direitos relativos à obediência filial. A maioridade iniciava aos 25 anos de idade, mas não cessava com ela o pátrio poder se o filho continuasse sob a dependência do pai e que o pátrio poder só dizia respeito aos filhos legítimos e legitimados, não alcançando os naturais e os espúrios; o pai podia nomear tutor aos filhos naturais, que eram chamados à sucessão se o pai fosse peão.
Por outro lado, a época do antigo direito luso brasileiro, nas relações patrimoniais do pátrio poder, vigorava que cabia ao pai a propriedade e usufruto do pecúlio profetício dado ao filho em administração, que cabia também ao pai a propriedade, a administração e o usufruto do pecúlio castrense ou quase castrense devidos ao filho, quanto ao pecúlio adventício, o filho tinha a propriedade e o pai, os usos e frutos, enquanto o filho estivesse sob seu poder. Não se submetiam a tais regras os bens em que o filho adquirisse por seu trabalho ou indústria e os bens adventícios extraordinários, como por exemplo, aqueles que o filho adquiria com a condição de lhe pertencerem, desde logo, a propriedade e o usufruto.
Em regra, o pátrio poder era vitalício e exercido exclusivamente pelo pai, só perderia esse direito se ocorresse uma das causas de extinção previstas na época. Mas essa exclusividade paterna, deixou de existir com o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, quando fora concedido às viúvas o pátrio poder sobre seus filhos. Constituindo, assim, um marco da evolução do pátrio poder, pois deixou a exclusividade masculina, ainda que somente quando o homem tivesse morrido. E só perderia esse direito a viúva que viesse a contrair novo casamento.

4. CÓDIGO CIVIL DE 1916

Criado sob a égide da Constituição da República de 1891 ? que assegurava a democracia, a liberdade e a igualdade a todos perante a lei ? em uma sociedade basicamente rural, o primeiro Código Civil brasileiro, instituído pela Lei nº 3.071, de 01 de janeiro de 1916, constituiu a família sob o princípio da unidade de direção.
Assim, somente com o Código Civil brasileiro de 1916 foram revogadas as ordenações, leis e decretos promulgados pelos reis de Portugal. O Brasil, então, passou a ter a sua própria normatização de Direito Civil codificada, que constituía a família sob o princípio da unidade de direção, numa época em que a família era caracterizada como entidade patriarcal, matrimonializada e patrimonializada.
Era clara a discriminação entre o homem e a mulher, pois dizia que divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência.

5. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, trouxe uma revolução no Direito de família, pois com apenas três artigos da Constituição, que são os arts.: 5º, inc. I, art. 226 nos §§ 3º, 4º, 5º e 6º e o art. 227, deixaram de ser recepcionados mais de cem artigos do Código Civil de 1916 e de outras leis esparsas.
Com a mudança da Constituição e a respectiva contemplação do princípio da dignidade da pessoa humana, as relações familiares passaram a ser vistas de acordo com cada integrante da família individualmente, tendo todos eles direitos e deveres nessa relação.
De início, a Constituição Federal já deu tratamento igual ao homem e à mulher, como direito fundamental, em seu art. 5°, inc. I que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição", depois estabeleceu que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher" em seu art. 226, § 5º.
A Constituição também renovou o conceito de família através da união estável como uma espécie de núcleo familiar, e ainda reconheceu a família mono parental, que é aquela composta por apenas um dos pais, no art. 226 §§ 3º e 4º.
A família mereceu atenção especial do Estado com a Carta Constitucional de 1988, ao ter seus contornos alargados para a inclusão de novos modelos de formação de família, uma vez que a família se constitui inegavelmente na base da sociedade.
Com isso, evidente que a Constituição abandonou a visão patriarcalista que havia inspirado a elaboração do Código Civil de 1916, quando o casamento era a única forma de constituição familiar, e nesta imperava a figura do marido, ficando a mulher em situação submissa e inferiorizada, para elevar à mulher a igualdade com o homem e também criar outras formas de constituição familiar.
A Constituição Federal de 1988 também equiparou os filhos, havidos ou não na constância do casamento ou por adoção, dando a eles os mesmos direitos e qualificações, proibindo quaisquer discriminações relativas à filiação, e estando eles também em igualdade com relação ao pátrio poder. E colocando, assim, um ponto final na discriminação, deixando todo e qualquer filho com os mesmos direitos e qualificações.
Por fim, foi muito importante para a consagração da igualdade na família o princípio fundamental da dignidade humana .
Em decorrência desta virada jurídica que a Constituição proporcionou, foram sendo editadas leis especiais para garantir estes direitos constitucionais, como a atualização do texto da Lei nº 6.515/77, relativa à separação judicial e ao divórcio, a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), a normatização do reconhecimento de filhos havidos fora do casamento (Lei nº 8.560/92) e as Leis da união estável (nºs. 8.971/94 e 9.278/96), dando aos companheiros direitos a alimentos, meação e herança.

6. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Em 1990, visando a Proteção da Criança e do Adolescente, veio o legislador, em consonância com os documentos internacionais ? da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, da Declaração Universal dos Direitos das Crianças de 1959, da Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como pacto de San José da Costa Rica de 1969 e da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989 ? a estabelecer a Lei nº 8069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, que entrou em vigor em 13 de julho de 1990, instituindo o princípio da proteção integral dos seres em desenvolvimento no Brasil.
O estatuto representou um modelo mais democrático e muito mais participativo onde o Estado, a família e sociedade trabalham juntos para gerir garantias para as crianças e os adolescentes, saindo da doutrina do menor irregular e implantando a proteção integral da criança e do adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, além de substituir o antigo Código de Menores, trouxe também disposição expressa sobre o poder familiar ainda como pátrio poder, expressão esta substituída em 2009 pela Lei nº 12.010, que passou a considerar o princípio da igualdade entre o homem e a mulher, e a igualdade dos filhos em seu art. 21:
Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Este dispositivo reafirmou o que já era determinado pela Constituição Federal de 1988, igualando as condições do homem e da mulher, e coibindo qualquer tipo de discriminação, privilégios ou distinções entre eles. Além de igualar o homem com a mulher, o Estatuto retirou o pátrio poder da exclusividade da sociedade conjugal, estendendo os seus limites para todo e qualquer pai, mãe e filho indistintamente.
Apesar das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente terem vindo para sanar algumas lacunas deixadas pela Constituição Federal, ainda tinham muitas questões carentes de disciplina legal, pois o Código de 1916, que vigorava na época, era praticamente inconciliável com a Constituição Federal, sendo assim inaplicável.

7. CÓDIGO CIVIL DE 2002

O Código Civil de 2002 entrou em vigor em 12 de janeiro de 2003 e trouxe modificações importantes para o direito de família, em conformidade com a Constituição Federal.
De acordo com a doutrina, foram três princípios fundamentais que inspiraram a criação do Código Civil de 2002, que são os princípios da eticidade, socialidade e operabilidade.
Na parte de direito de família, refletiu-se as alterações que haviam sido promovidas na Constituição de 1988, "cujas regras devem ser interpretadas sob uma nova ótica que aponta para a função social da família, baseada nos princípios da eticidade ,socialidade e operabilidade".
Na sistemática do Código Civil brasileiro, o poder familiar tem as mesmas regras gerais do código anterior, mas com algumas modificações. No Direito de família, o pátrio poder era tratado no primeiro livro da parte especial do Código de 1916; em sua versão original do Código de 2002, era mantida a expressão pátrio poder, que veio a ser alterada para Poder Familiar em uma proposta de Reale ao Senado Federal, com a justificativa que essa expressão denotava a prevalência do homem sobre a pessoa dos filhos.
Passou, então, o Código Civil a tratar do Poder Familiar no livro IV da parte especial, nos arts. 1.630 ao 1.633. Seguido dos direitos e deveres dos pais quanto à pessoa dos filhos normatizadas, no art. 1.634, e terminando com as hipóteses de suspensão e extinção nos arts. 1.635 ao 1.638, e a parte que versava sobre os direitos e deveres dos pais quanto aos bens dos filhos, passou a integrar o direito patrimonial de família, com suas regras estabelecidas nos arts. 1.689 ao 1.693 do CC, onde diz respeito ao usufruto e à administração dos bens de filhos menores.

8. Considerações Finais

Nota-se que o poder familiar evoluiu muito ao longo do tempo, de um poder absoluto do pai para com todos da sua família, para hoje este poder familiar que convivemos onde os pais em conjunto tomam as decisões sempre visando o melhor interesse da criança e do adolescente.

Autor: Leonardo Damasceno Ferreira Pacheco


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