Educação e sociedade: Maria Lacerda de Moura em Lições de Pedagogia




1- INTRODUÇÃO

Quando nos referimos ao Brasil no início do século XX, estamos tentando situar o leitor a pensar nos conflitos e embates da época. Não foram poucas as transformações sociais ocorridas no Brasil neste período. Primeiramente, o fim do Império e início da República já foi um dos marcos para as mudanças na sociedade brasileira.Destas mudanças podemos enumerá-las algumas como: a expansão do café, das ferrovias, integração dos comércios, surto no crescimento industrial, principalmente no eixo Rio ? São Paulo.
Dando continuidade o período que se estende pela chamada Primeira República, ou das oligarquias e ainda do café-com-leite como muitos historiadores usam, foi o momento de ebulição em relação a urbanização e a instalação de fábricas. E mesmo com a idéia de República, origem do latim que quer dizer "coisa pública" as elites tinha participação principal nos acontecimentos. Preocupados com a questão da nacionalidade dos símbolos, o país iria se tormando cada vez mais patriota.
E com todas as preocupações sociais, como podemos perceber, a industrialização foi um dos fenômenos que mais causou mudanças na sociedade, veremos adiante os motivos. O movimento operário nesta época contribuiu para a reflexão e ação no que diz respeito a alguns problemas da época. Por que o movimento operário teve significativa importância para a educação no Brasil? Essa será uma das questões a serem respondidas no transcorrer deste artigo.
Mas antes, é importante situarmos ainda mais o período em questão mais precisamente sobre a educação. Então, quando nos referimos a educação neste período é importante enfatizarmos o fato desta ter sido apenas para elite. [...] Novas necessidades para a população, o que possibilitou que a escolarização aparecesse como meta almejada pelas famílias que viam nas carreiras burocráticas e intelectuais um caminho mais promissor para seus filhos (GHIRALDELLI, 1994: 16).
Como podemos entender a educação estava restrita a um pequeno grupo da sociedade. As poucas escolas públicas existentes estavam destinadas a atender apenas uma parcela das pessoas. Como percebemos havia a distinção social na educação. Mas, onde estava a grande parcela da sociedade? Podemos tentar responder esta questão da seguinte forma, com a instalação de grandes conglomerados urbanos formou-se uma grande massa de trabalhadores assalariados sento estes crianças, homens e mulheres, trabalhando constantemente nestas fábricas.
O crescimento de operários em fábricas era uma constante no Brasil, foram muitos os imigrantes que chegavam até o nosso país. Na intenção de encontrar uma vida melhor se depararam com fábricas enormes com péssimas condições de vida, com horários de trabalhos exaustivos, salários baixo e muito desrespeito por parte do patronato, principalmente com a mulher.
Podemos perceber numa citação enfática de Margareth Rago em Do cabaré ao lar o fato de como se dava importância a educação da mulher. Principalmente, entre estas se dava uma considerável importância as mulheres operarias, note como essa citação feita por Rago retirada do jornal Amigo do povo fala sobre a mulher.
A educação da mulher trabalhadora aparece como instrumento de luta contra as classes dominantes, contra o poder da Igreja e do Estado, na medida em que ela se conscientize de seus direitos pessoais e ainda, possibilitando a instrução dos próprios filhos, ajude a impedir que sejam depois vítimas do injusto sistema social em que vivemos (RAGO, 1985:97).
Nesta efervescência de acontecimentos o movimento operário recebe a contribuição de muitos anarquistas da época. Entre tantos podemos citar os nomes de Edgar Leuenroth tipógrafo( 1881- 1968), José Oiticica professor(1882-1957), Florentino de Carvalho atuou como professor (1889-1947) e por fim Maria Lacerda de Moura (1887-1945). Estes são alguns dos muitos participantes das práticas anarquistas e da luta operária.
Estes anarquistas buscaram muitos meios para questionar seus problemas na fábrica e na sociedade. Assim, através de Escolas, teatros, poesia, arte, gráficas, jornais, revistas, publicações, sindicatos, associações, agremiações. Não eram apenas cerebrações que os anarquistas faziam, mas também praticavam através destas condições citadas.
Por fim, a escola como foi citada anteriormente foi uma das formas com as quais o movimento operário tentou atuar. A preocupação com a educação que é mediada neste estabelecimento foi alvo de criticas, e propostas de mudanças entre os anarquistas e no movimento operário.
2- A proposta da educação anarquista entre alguns libertários
Para Tentarmos entender o pensamento de Maria Lacerda de Moura sobre a educação é importante nos reportamos um pouco a pensar em alguns clássicos e contemporâneos. Esses influenciaram o pensamento educacional dos libertários no mundo todo. Como já comentamos na introdução deste trabalho percebemos o quanto o movimento operário esteve preocupado com a educação.
Dando continuidade a mesma linha de raciocínio podemos citar brevemente a contribuição de o francês Pierre Joseph Proudhon (1809-1865), o russo Mikhail Alexandrovitch Bakunin (1814 ? 1876), também russo Piotr Kropotikin (1842-1921) e ainda Joham Gaspar Schmidt Max Stirner (1806-1856) e ainda a contribuição do espanhol que influenciou muitos anarquistas Francisco Ferrer Y Guardia ( 1859-1909).
Brevemente tentarei situar a contribuição de cada um deles no campo da educação ou do debate sobre a educação na sociedade. Começando por Pierre Joseph Proudhon, fundou uma escola com o ensino politécnico, a intenção desta escola era a de envolver o indivíduo com a prática do seu aprendizado teórico. Seria preciso que o aluno aprendesse com a cabeça e com as mãos determinadas atividades e por isso deu ênfase a chamada oficina-escola. Para ele educação e a vida operária deveriam caminhar juntas.
Em Mikhail Alexandrovitch Bakunin, nele podemos mencionar a instrução integral, mas antes se faz necessário ressaltarmos o fato de que esta instrução não corresponde ao que escutamos atualmente do governo sobre educação integral. Está última tem a preocupação em manter o aluno por mais tempo em sala de aula.
Já na concepção de Bakunin quando ele se refere a educação integral está preocupado com a junção dos aspectos físicos e socias do ser humano. A preocupação aqui não é aumentar conteúdo nem horários e sim pensar o aluno como um todo, com a junção de elementos da vida humana. Ele era contra a educação que temos hoje, em divisões de conhecimentos de classes.
Joham Gaspar Schmidt Max Stirner que contribuiu com duras críticas a igreja, a ciência e a suas influências na educação. De acordo com Stirner o saber surgiu como algo que atribui poder aquele que o detém, é como se lhe atribuísse certa superioridade pelo fato deste ter mais educação que o outro. E o saber pode ser interessante e menos maléfico, quando transformado em vontade. Então, a liberdade e a força do querer transformam a vontade do ser humano com o encontro com a verdade. Pois isso saber e vontade devem caminhar juntos no campo da educação.
Por fim, não poderíamos deixar de mencionar grande contribuição de Francisco Ferrer o qual inspirou o trabalho teórico e prático de muitos anarquistas. Com o pensamento na escola moderna este propôs uma escola baseada numa visão laica, racional e científica. Sua proposta educacional seria a de zelar pela espontaneidade da criança, unir as atividades físicas e manuais. Abolir qualquer forma de recompensa ou castigos, uma educação completa.
Feita esta leitura breve sobre a contribuição de alguns libertários de projeção no campo do anarquismo e mais precisamente de suas contribuições sobre a educação. Podemos ainda mencionar dois libertários que atuaram em escolas no Brasil que tinham como fundamento as idéias de Ferrer. Sendo estes dois Florentino de Carvalho e Adelino Tavares de Pinho, esses dois nomes nos incita a pensar como o movimento operário e a educação estavam juntos.
Estes dois professores de acordo com Jomini levavam seus alunos para participarem das greves. Esta seria uma postura importante, pois começavam-se a interagir e fazer com que estes alunos se envolvesse com as causas operária. Essa iniciativa nos mostra como é possível juntar a educação e a sociedade, o que hoje percebemos como uma realidade distante.
No caso da Educação, este princípio se traduziu na procura em envolver os alunos, os alunos, os pais e a comunidade em geral, na manutenção financeira das instituições escolares. A participação as crianças, no levantamento de fundos para as escolas, era estimulada pelos professores[...] (JOMINI, 1990: 104).
Como percebemos a escola como um meio para o exercício dos alunos na participação da sua própria educação. Quando anteriormente mencionamos os professores que mandavam seus alunos para as lutas sindicais e protestos na intenção de engajá-los na luta operária desde cedo. A intenção é que estes alunos não se mantenham distante dos acontecimentos.
3- Um pouco das considerações de Maria Lacerda de Moura em Lições de Pedagogia
Como já havíamos mencionado Maria Lacerda de Moura teve uma importância significativa na constituição do pensamento social brasileiro, mas que ainda permanece no esquecimento de alguns segmentos acadêmicos. Nós podemos ainda registrar o fato de que dos anos 80 até recentemente tem se tido uma maior preocupação em refletir sobre os libertários.
Quanto a Maria Lacerda de Moura e pela sua ampla luta e trajetória intelectual ainda se tem muito a pesquisar sobre a mesma. Seu percurso intelectual especificamente foi desde 1918 quando publicou a sua primeira obra intitulada como Em torno da Educação. Está foi a única obra que não conseguimos encontrar.
Dos demais livros publicados pela autora estão: Renovação (1919), A fraternidade e a escola (1922), A mulher hodierna e o seu papel na sociedade (1923); A mulher é uma degenerada? (1924), Lições da Pedagogia (1925), Religião do amor e da beleza (1926) De Amundsen a Del Prete (1928), Civilização, tronco de escravos (1931) Amai-vos e não vos multipliqueis (1932)Serviço militar obrigatório para a mulher? Recuso-me? (1933), Han Ryner e o amor no plural (1933), Clero e Fascismo, horda de embrutecedores (1933), Fascismo ? filho dileto da Igreja e do Capital (1933) O Silêncio (1944).
Destes ainda foram muitos os aritgos escritos pela autora na imprensa anarquista como por exemplo o Jornal A plebe (1917-1945) que contemplou muitos dos artigos que autora escrevia. Este jornal tinha muita repercussão tanto nos meios operários como em outros segmentos da sociedade. Mais adiante, faremos menção a alguns momentos do livro Lições de Pedagogia Publicado em 1925 pela autora. Essa obra em especial por se tratar de um dos seus prioritarios para se pensar sobre educação. Podemos nos perguntar: O que é educação para a autora? Quem são os alvos da educação, no seu enteder? Qual a importância da educação?
Estas e outras perguntas podem ser respondida aos poucos quando vamos nos debruçar no seu pensamento educacional.
A educação da sociedade da época era vista por Maria Lacerda de Moura como um processo associado a uma época. A educação se tornava da vez mais fruto de uma formação cultural da sociedade. Os ditames governamentais da época é quem atribuia a educação seus próprios projetos. A visão de Maria Lacerda de Moura seria de uma educação que podesse unir os aspectos físicos e intelectuais do indivíduo.
Qualquer que seja a classe social a que pertença o individuo, elle precisa apprender a amar a natureza, a respeitar os outros indivíduos, a só dizer a verdade, a reprimir paixões grosseiras, as más tendências, a cultivar os sentimentos nobres, a vislumbrar preceitos Moraes a serem observados numa sociedade futura, sempre melhor que a actual: não explorar o próximo, ser útil, solidário com os outros homens, ser uma fonte de amor, de heroísmo, de abnegação, de paciência em vez de respirar irritabilidade e máu homôr e ódio: fazer crescer dentro da alma um nobre ideal de equidade em vez de constituir-se em fonte perenne de egoísmo individual ( MOURA, 1925 p10).

Maria Lacerda de Moura quer alcançar mais precisamente com sua proposta educacional todos, mas percebemos em especial um apelo feito pela autora para que se eduquem as mulheres, pois estas são as mais presentes na família e na vida da criança. Mas, as crianças tinha um tratamento especial no que diz respeito a sua educação para a formação da geração futura.
A obra da educação nem sempre dá resultados por que os educadores se esquecem do respeito á criança para a formação da sua individualidadee bem sempre comprehendem aquillo que exigem dos educandos ou não tem aquellas qualidades que desejam tanto nos outros (Moura, 1925: 44).

A educadora, por fim atribuía grande atenção a educação, inspirada em muitos pensadores como mesmo Platão, seu pensamento é de uma educação que modifique a sociedade. Educar na intenção de preparar os indivíduos para sua atuação na vida. Nada de uma educação para submissão, exploração e obediência, seria por meio da educação que os seres poderiam se libertar.
Os educadores tem na mão o futuro do mundo diz Leibnitz, e é por isso mesmo que o progresso é lento e cheio de intermittencias: a educação nunca foi liberal, os educadores não teem respeitado a individualidade do educando e não toleram a liberdade do homem, o livre pensamento; não teem respeitado a individualidade do educando e não toleram a liberdade do homem, o livre pensamento; não teem em mira a verdade e sim suas paixões, o seu sectarismo, os interesses particulares, as suas concepções philosoficas ás vezes absurdas, além dos dogmas estataes (MOURA, 1925:45).

4- Conclusões

Este artigo tentou caminhar desde a contribuição de alguns libertários sobre a educação. Como foi visto anteriormente pudemos perceber certas similitudes nas propostas educativas de cada autor. Por isso, pensar na educação é sempre importante, pois, a cada dia sempre escutamos especialistas mencionando problemas e metas a serem alcançadas na educação. E este trabalho tenta voltar um pouco para o início do século na intenção de entendermos mais como tudo vinha se configurando.
A contribuição dos clássicos neste trabalho foi mais como uma apreciação breve de algumas influências teóricas no pensamento de Maria Lacerda de Moura. Não podemos dizer que foram apenas estes, uma vez que, está autora caminha por diversos campos de conhecimento como a sociologia, pedagogia, filosofia, antropologia, anatomia, história e entre outros. E de todos estes campos de saberes ela menciona algum pensador. Em lições de Pedagogia mesmo entre tantos ela cita: Jean Jacques Rousseau, Maria Montessori, Platão, Comte, Spencer, Ampere, Bacon.
Seu entendimento não se limita a apenas um ramo do conhecimento como estamos acostumados a pensar. Está ainda é uma das limitações de muitas pesquisas quando se tenta enquadrar ou limitar o pensamento dos libertários. Esse livro o qual travamos um debate representa uma grande contribuição sobre suas expectativas educacionais para a sociedade. A reflexão deste trabalho nos incita a pensar em questões da educação atual, e podemos nos perguntarmos o que mudou na educação?. Espero que este trabalho contribua para aqueles que têm a curiosidade de saber mais sobre a preocupação dos libertários com a educação ou mais precisamente sobre o pensamento de Maria Lacerda de Moura no Brasil

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Autor: Denise Ferreira


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