A Tendência Narcisista Da Sociedade Do Espetáculo



O termo "narcisismo", empregado na psicanálise, foi inspirado na mitologia grega: Narciso era um jovem de beleza incomparável, que desprezava todas as moças que se apaixonavam por ele. Nêmesis, a deusa da vingança, atendeu o desejo de uma das vítimas do desprezo de Narciso: o jovem amaria e não poderia possuir o objeto amado. Um dia, quando foi beber água, Narciso deparou-se com a imagem de sua beleza na superfície de um lago, e apaixonou-se perdidamente por seu próprio reflexo. Todos os dias, Narciso ficava na margem do lago, admirando em êxtase o objeto de seu amor, tentando de todas as formas alcançá-lo. Numa das tentativas de alcançar seu amado, Narciso caiu dentro do lago e morreu afogado. Em seu lugar nasceu uma flor dourada, rodeada de pétalas brancas, que chamaram de narciso.

"Quantas vezes Narciso beijou em vão a água enganosa! Quantas vezes, para abraçar aquilo que via, mergulhou os braços na água, sem conseguir abraçar-se! Uma simples camada de água impedia Narciso de se unir ao seu duplo, cujos lábios escondidos, no entanto, vinham ao encontro dos seus."

Na psiquiatria, essa palavra foi inicialmente utilizada para explicar o comportamento de pessoas que derivam excitação erótica da contemplação, de carícias e afagos em seu próprio corpo. Segundo Freud,

O termo narcisismo deriva da descrição clínica e foi escolhido por Paul Näcke em 1899 para denotar a atitude de uma pessoa que trata seu próprio corpo da mesma forma pela qual o corpo de um objeto sexual é comumente tratado - que o contempla, vale dizer, o afaga e o acaricia até obter satisfação completa através dessas atividades. Desenvolvido até esse grau, o narcisismo passa a significar uma perversão que absorveu a totalidade da vida sexual do indivíduo, exibindo, conseqüentemente, as características que esperamos encontrar no estudo de todas as perversões. (Sobre o Narcisismo: Uma Introdução, 1914)

A teoria psicanalítica classifica o narcisismo em primário, onde o amor-próprio é prioritário e precede o amor ao outro, e secundário, que designa um retorno para a própria pessoa do amor retirado dos objetos. O narcisismo secundário implica a introjeção do objeto e a identificação com o mesmo. É, na realidade, somente após ter interiorizado o amor da mãe, reconhecida na sua alteridade, que a criança poderá secundariamente amar a si mesma tal como a amaram e ainda a amam.

Os indivíduos narcisistas apresentam algumas características: estão sempre mais preocupados com o modo como se apresentam do que com o que realmente sentem; buscam a obtenção de poder e controle a qualquer custo; são sujeitos egoístas, concentrados nos seus próprios interesses; vivem a vida como algo vazio e destituído de significado; não possuem valores humanos ou sentimentos; a riqueza ocupa uma posição mais elevada do que a sabedoria e suas vidas; possuem uma ambição de êxito acima da necessidade de amar e serem amados. Além disso, esses indivíduos apresentam uma auto-referência excessiva, uma tendência à superioridade e exibicionismo, de dependência excessiva da admiração por parte dos outros, de superficialidade emocional e de crises de insegurança que se alternam com sentimentos de grandiosidade.

Os narcisistas separam a consciência de sua base viva ao separarem o ego do corpo (ou self). O self pode ser definido como o aspecto sensível do corpo, que só pode ser vivenciado como sensação. O ego é a consciência do self.

Os sujeitos narcisistas ficam agarrados à própria imagem; são incapazes de distinguir entre uma imagem do que se imaginam ser do que realmente são. Eles se identificam com uma imagem idealizada; assim, a imagem real se perde. Para eles, a auto-imagem real é inaceitável. Há uma diferença entre o self e sua imagem, tal como a pessoa e o reflexo num espelho. Assim, Narciso não estava apaixonado por si mesmo, mas por sua imagem, que assumiu uma identidade independente. Os narcisistas amam a sua imagem, e não o seu verdadeiro self.

Nossa identidade dual consiste na nossa capacidade de formar uma imagem do self e na nossa percepção consciente do self corporal.Numa pessoa saudável, as duas identidades são congruentes. A imagem ajusta-se a realidade do corpo. Como, no narcisismo, a imagem conflita com a realidade corporal, o resultado é a confusão. Os narcisistas evitam a confusão, negando a identidade baseada em seus corpos.

Dessa forma, o narcisismo não deve ser confundido com a masturbação. Nesse caso, o corpo é reconhecido como o seu self. Numa perversão sexual, vê-se o próprio corpo como objeto sexual – isto é, como outra pessoa. O indivíduo não se identifica com seu corpo; pelo contrário, dissocia-se dele.

Os indivíduos narcisistas eles vêem o corpo como um instrumento da mente, submetido à vontade deles. Eles agem unicamente de acordo com suas imagens, sem sentimentos. Aliás, essa é a característica principal do narcisismo: negação do sentimento.

A própria imagem é a negação dos sentimentos da pessoa. Ao identificar-se com uma imagem grandiosa, a pessoa pode ignorar a dor de sua realidade interior. A imagem é também um modo de assegurar a aceitação por parte dos outros, um modo de seduzi-los e ganhar poder sobre eles.

Por si mesma, a imagem não possui validade. A imagem de superioridade de um narcisista tem tanto significado quanto a imagem de integridade e honestidade de ma pessoa consciente. Por definição, a imagem é a representação de alguma coisa. Assim, não podemos julgar uma imagem a não ser em função de sua relação com a realidade que se propõe representar. Os narcisistas têm uma forte tendência de mentir sem qualquer escrúpulo, distorcendo a realidade para apresentar ao mundo uma imagem "superior".

Os narcisistas agem em função de sua imagem; se a imagem é estabelecida como força dominante na personalidade, a pessoa suprime qualquer sentimento que a contradiga. Uma imagem só pode adquirir essa posição dominante na ausência de sentimentos fortes.

Atualmente, as pessoas dedicam-se a muitas atividades destinadas primordialmente a enaltecer suas imagens. Conquistar poder e ganhar dinheiro, por exemplo, têm muito pouco a ver com os sentimentos ao nível do corpo. A satisfação que proporcionam ao ego emana de seu apoio à imagem da pessoa.

Assim, os narcisistas estão sempre pensando em como as pessoas os vêem e reagem a eles. Eles precisam estar permanentemente no controle, porque a perda do controle suscita o medo de insanidade.

INSANIDADE E NARCISISMO

Ser louco significa ter grande dificuldade em adaptar-se ao mundo tal como ele é. Mas se o mundo em que vivemos, isto é, o mundo da cultura, fosse irreal, então a incapacidade de adaptação não seria loucura. Os narcisistas estão perfeitamente adaptados ao nosso mundo; adotam seus valores, circulam de acordo com seus padrões em constante mudança e sente-se a vontade em sua superficialidade.

A insanidade manifesta por ser aferida pela ausência de contato de uma pessoa com a realidade, usualmente demonstrada por uma desorientação no tempo/espaço. Na medida em que a identidade de uma pessoa se baseia numa imagem, ela não está em contato com a realidade de seu ser. Em todos os outros aspectos, poderá parecer que o indivíduo está orientado para a realidade e em total contato com ela, mas existe em sua personalidade uma fratura que constitui uma tendência para a insanidade. À medida que o grau de narcisismo aumenta, a brecha torna-se cada vez maior, mas ainda se situa abaixo da superfície e pode ser facilmente encoberta. Assim, o espectro do narcisismo pode ser visto, de certa forma, como uma escala de insanidade.

Dorian Gray: o narcisismo na época vitoriana

 
O narcisismo não é algo exclusivo de nosso tempo; ele é o tema do livro "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde. Na obra, Dorian Gray é um jovem aristocrata inglês, dono de uma beleza narcísea, que fascinava todos que o conheciam.

Basil Hallward, um amigo pintor, ofereceu-se para fazer seu retrato. Após se deparar com a própria imagem em uma tela, Dorian se entristece ao compreender que a pintura será eternamente jovem, bela, inocente, enquanto o seu corpo, sua face, sua alma real. Por isso, o jovem deseja profundamente que seu retrato envelheça e que seu corpo permaneça intocado pela ação do tempo.

 
Que coisa profundamente triste, murmurava Dorian, os olhos fixos no retrato. Sim, profundamente triste!... Eu ficarei velho, aniquilado, hediondo!... E esta pintura continuará sempre fresca. Nunca será vista mais velha do que hoje, neste dia de junho... Ah! Se fosse possível mudar os destinos; se fosse eu quem devesse conservar-me novo e se essa pintura pudesse envelhecer! Por isto eu daria tudo!... Nada há no mundo que eu não desse... Até minha alma!...

(WILDE, 1993, p.36-37)

Seu desejo se torna realidade; Dorian continua sempre jovem, mas seu retrato mostra sinais de envelhecimento progressivo e, principalmente, as marcas dos crimes cometidos. A pintura, que era vista somente por Dorian, servia como um espelho que mostrava a degradação moral do dono, sua alma e a perversão de seus sentimentos.

O retrato vivia lembrando Dorian de sua vida dupla. Finalmente, desesperado, Dorian esfaqueia o retrato e morre como se ele próprio tivesse sido golpeado. Seus criados encontram a pintura, que mostrava um homem jovem e belo, enquanto o cadáver era de aparência repulsiva.

O livro leva a uma reflexão sobre o culto ao "eu", uma característica tipicamente narcisista. Ele nos faz pensar sobre a juventude, o valor da beleza na sociedade, a vaidade e o caráter das pessoas. Na história, Dorian foi corrompido por sua beleza e pela ambição de ser jovem para sempre.

O retrato da história é uma alusão à nossa consciência: nela fica registrada toda nossa vida, nossas maldades e nossos sentimentos mais profundos. Quando estamos a sós com ela, como Dorian ficava ao observar seu retrato, enxergamos as deficiências do nosso caráter e nossa verdadeira alma.

FATORES QUE LEVAM AO NARCISISMO

O principal sinal da tendência narcisista de nossa cultura é o fato de as pessoas terem se tornado muito envolvidas com sua imagem. A preocupação atual com o corpo reflete uma atitude narcisista, visto que na maioria das vezes trata-se de uma questão estética.

Muitas pessoas consomem considerável tempo e dinheiro escolhendo roupas que criarão a espécie de imagem que se desejam projetar. Elas acreditam que a aparência é tão importante que selecionam cuidadosamente aquilo que possa proporcionar uma aparência mais favorável. Procura-se parecer mais jovem, mais belo, mais sofisticado, etc. Algumas pessoas recorrem até a cirurgias plásticas para conseguir alcançar a aparência ideal. Essa preocupação com a aparência constitui parte tão integrante do nosso modo de vida que poderemos até considerar emocionalmente perturbada uma pessoa que negligencie sua aparência.

As pessoas podem ter uma imagem pública baseada em sua posição social e poder, mas isso não as faz narcisistas. Elas se tornarão narcisistas, no entanto, se basearem essa identidade pessoal nessa imagem pública e não em seus sentimentos corporais.

Hoje existe uma tendência a considerar os limites como restrições desnecessárias ao potencial humano. A negação de limites sociais, expressos na moral ou nos códigos de comportamento, promove predominantemente uma atitude narcisista. Os negócios são conduzidos como se não existisse um limite ao crescimento econômico, e até nas ciências nós nos deparamos com a idéia que podemos superar a morte. Poder, desempenho, produtividade tornaram-se os valores dominantes, desalojando virtudes obsoletas com dignidade, integridade e auto-respeito.

A sociedade pós-moderna é caracterizada pela ausência de limites. Os limites derivam da estrutura. Conhecendo a estrutura de um objeto, podemos determinar os limites de sua possível ação.

Se negarmos ou ignorarmos os limites, destruiremos a estrutura. Quando a estrutura se desintegra numa sociedade, desenvolve-se o caos, criando uma atmosfera de irrealidade. A irrealidade ameaça a sanidade mental da pessoa, a menos que esta desligue os sentimentos e opere na base exclusiva do pensamento. Foi assim que a desintegração da moralidade sexual do passado redundou num aumento da atividade sexual divorciada do amor ou sentimento (resumindo-se à sensação). Isso é narcisismo.

A ausência dos limites resulta numa perda do senso de self. Os limites são fronteiras; esse colapso na estrutura social manifesta-se na desintegração da vida familiar, na falta de respeito pela autoridade, e o colapso dos princípios morais estabelecidos destrói fronteiras, remove limites e leva à negação e à perda do senso do self. Em vez do self, cria-se uma imagem para fornecer uma identidade. Na cultura de hoje, essa imagem é descrita como um estilo de vida. Dizem-nos que estamos livres para criar o nosso próprio estilo de vida, e criam, com efeito, a nossa própria identidade. Obviamente, podem existir tantos estilos de vida quantas são as diferentes imagens. Entretanto, um estilo de vida (uma fachada) sem um self não é uma pessoa. A desmoralização do indivíduo ocorre através da perda dos valores que eram importantes em épocas anteriores: o respeito a si próprio e a dignidade.

Sem limites, as pessoas perdem as noções de si mesmas como indivíduos responsáveis. Cada um, por si mesmo, é outro narcisista, não só porque nega as necessidades do outro, mas por negar também as necessidades do self.

A cultura atual impõe relativamente menos restrições ao comportamento, encorajando inclusive a "transformação em atos" de impulsos sexuais em nome da liberação, minimizando a importância dos sentimentos. O resultado é o narcisismo. No passado, era enfatizado o amor sem sexo ao passo que a cultura atual enfatiza o sexo sem amor.Parece que o ser humano já não consegue mais se relacionar, nem amar de verdade. O sexo realmente se banalizou, virou uma mercadoria entre outras. É encarado como uma necessidade, já que caiu por terra o limite que o tornava sagrado. O homem contemporâneo trata o desejo sexual, de certa forma, como simples atividade corporal.

Além disso, uma das maneiras como a nossa cultura promove a personalidade narcisista é a exagerada ênfase sobre a importância de vencer. O narcisismo divide a realidade de um indivíduo em aspectos aceitos e rejeitados, sendo estes últimos projetados nas outras pessoas. Se a imagem narcisista é de dureza e vigor, a pessoa projetará nos outros uma imagem de vulnerabilidade e fragilidade que deve ser destruída.

Como qualquer outra pessoa, o indivíduo narcisista necessita de excitação em sua vida; mas, tendo negado seus sentimentos, não pode experienciar a excitação do anelo e da paixão. Portanto, busca essa excitação no desfio de ganhar poder e nas situações de perigo, sua excitação deriva do elemento ameaça – ameaça de perda de dinheiro, de poder ou da própria vida – e de sua capacidade para derrotar a ameaça. Entretanto, para o narcisista, vencer é menos importante do que não perder. O dinheiro que ele pode ganhar no jogo ou o poder que pode ter pouco significam si mesmos. Vencer alimenta seu ego, mas fornece pouco prazer necessário ao nível do corpo. O único poder real que o narcisista aufere é o da superação do perigo e da renovação da ameaça. O prazer obtido é mais alívio do que satisfação.

Assim como a cultura ocidental contemporânea promove um narcisismo, está orientada também para o poder é obcecada por ele. A civilização e o modo de vida moderno seriam impossíveis sem a tremenda energia e poder (combustível e máquinas) existentes para executar o trabalho.

A tecnologia dotou o homem moderno de um senso de poder que ele nunca teve antes. A mais obvia vantagem da detenção do poder é a recompensa material que advém da pessoa que o possui.

A ciência e a tecnologia prometem um futuro em que as pessoas estarão livres de muitas limitações naturais que restringiam seus ancestrais. Mesmo hoje, podemos viajar a velocidades que eram inconcebíveis no passado.

Uma pessoa pode ser tentada a acreditar que estamos ingressando numa nova era, a era do "super-homem" ou do "homem e da mulher biônicos". Se ignorarmos o fato de que os nossos corpos e os nossos sentimentos não mudaram em nada, estaremos meramente cedendo à grandiosidade do narcisismo.

A IRREALIDADE ATUAL

O modo mais simples de caracterizar a irrealidade do mundo moderno é dizer que ele está fascinado por imagens. Sem uma sensação de contato com o corpo, perde-se a ligação com a realidade. Isso acontece com muita gente hoje em dia. O importante é a aparência: uma aparência bonita, excitante, glamourosa, exuberante, desenvolta, apaixonada, sedutora, etc.

A vivacidade, ou seja, a essência das pessoas, não pode ser traduzida para uma imagem, pois, por sua própria natureza, uma imagem é estática, ao passo que a vivacidade nunca pode ser apática. Como as imagens podem ter considerável valor comercial, tornam-se muito importantes numa cultura em que a notoriedade e o dinheiro são os valores dominantes. Visto que uma imagem é a antítese da vivacidade, esta ultima sofre quando a imagem passa a ter importância suprema. Somente as imagens podem ser usadas para vender bens ou serviços; por conseguinte, a vivacidade não tem valor comercial. Numa sociedade comercial – uma sociedade de imagens -, a notoriedade e o dinheiro estão intimamente ligados porque a popularidade de uma imagem é o seu maior valor.

A ligação entre perda de vivacidade e fascínio com as imagens é bastante evidente e nosso envolvimento com a televisão e com o vídeo. A popularidade da televisão se deve ao fato de ela tornar as pessoas capazes de se evadir de si mesmas. O mundo irreal da tela substitui, por algum tempo, o mundo real de sentimentos e relações pessoais. Isso demonstra que as pessoas buscam uma fuga, algo para esquecer de seus problemas se aflições. Elas estabelecem contato com o mundo apenas através dos meios de comunicação. Ninguém pode verificar nada pessoalmente. Ao contrário, temos de confiar em imagens, e, como se não bastasse, imagens que outros escolheram.

O livro "A sociedade do espetáculo", de Guy Debord, fala dessa nova sociedade baseada na imagem.

As imagens que se desligaram de cada aspecto da vida fundem-se num curso comum, onde a unidade desta vida já não pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente desdobra-se na sua própria unidade geral enquanto pseudomundo à parte, objeto de exclusiva contemplação. A especialização das imagens do mundo encontra-se realizada no mundo da imagem autonomizada, onde o mentiroso mentiu a si próprio. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo.

(DEBORD, 1967)

O "espetáculo" de que fala Debord vai muito além da onipresença dos meios de comunicação de massa, que representam somente o seu aspecto mais visível e mais superficial. O espetáculo é uma forma de sociedade em que a vida real é pobre e fragmentária, e os indivíduos são obrigados a contemplar e a consumir passivamente as imagens de tudo o que lhes falta em sua existência real.

A realidade torna-se uma imagem, e as imagens tornam-se realidade; a unidade que falta à vida recupera-se no plano da imagem. Enquanto ntes as pessoas buscavam "ter" as coisas, hoje elas querem "aparecer". As relações entre os homens já não são mediadas pelas coisas, mas diretamente pelas imagens.

Assim, na lógica do espetáculo, só é bom aquilo que aparece, que tem destaque. As pessoas se preocupam mais em "parecer ser" do que realmente "ser". A imagem é uma abstração do real, e o seu predomínio, isto é, o espetáculo, significa um "tornar-se abstrato" do mundo. A abstração generalizada, porém, é uma conseqüência da sociedade capitalista da mercadoria, da qual o espetáculo é a forma mais desenvolvida. A mercadoria se baseia no valor de troca, em que todas as qualidades concretas do objeto são anuladas em favor da quantidade abstrata de dinheiro que este representa.

Em sua imaginação ou na realidade, o indivíduo pós-moderno parece necessitar de uma sensação de poder para superar um desespero interior decorrente da experiência de ter sido impotente como criança e ser impotente como adulto. Mas é uma ilusão acreditar que o poder é capaz de resolver os complexos problemas humanos.

Um dos principais objetivos da humanidade é eliminar as doenças, derrotar a velhice e conquistar a morte. Nós nos tornaremos finalmente imortais, deuses. Nós nos tornaremos Dorian Gray. Nossa aspiração à divindade reflete-se em nossa busca de onisciência, em nossa luta pela onipotência e em nosso desejo de imortalidade. Mas enquanto reconhecermos e aceitarmos nossos limites, tornamo-nos pessoas verdadeiras, não narcisistas.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

CHAVES, Paulo. Narciso e Prometeu. Recife: Edição de Estudos Universitários, 1969.p.13-14.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo.Tradução de Estela dos Santo Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

DESSUANT, Pierre. O narcisismo. Tradução de Ricardo Luiz Sabily. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1992.

FREUD, Sigmund. Sobre o narcisismo: uma introdução. Obtido via internet: www.psy.med.br/livros.Acesso em 3 de jun. 2006.

LOWEN, Alexander. Narcisismo: negação do verdadeiro "self". Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Círculo do Livro, 1983.

WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Tradução de João do Rio. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1993.


Autor: Helen Lemos


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