Conceitos Historiográficos



INTRODUÇÃO

Este trabalho como parte das disciplinas de história antiga do ocidente e história antiga do oriente, ministradas pela Prof.ª Suzi Aguiar, apresenta os conceitos historiográficos: identidade, memória, tempo histórico, passado e presente, patrimônio, antigo e moderno, documento e monumento e história, na visão de historiadores como: Peter Burke, Edward Thompson, Jacques Lê Goff, Michel de Certeau, Roger Chartier, Michael Pollak, Reinhart Koselleck, Carlo Ginzbu

CONCEITO DE IDENTIDADE

Peter Burke- Define o conceito de identidade como

E. P. Thompson- O conceito de identidade é definido na realidade social, ou seja, do capitalismo e de seu impacto sobre a constituição e a redefinição das identidades de classe. A identificação com uma cultura política desenvolvida em contraposição à "tendência inata do capitalismo a reduzir todas as relações humanas às definições econômicas" (Thompson, 2001, p. 167) permanece como elemento definidor da identidade de um amplo espectro de atores sociais, forças políticas e núcleos de pensamento crítico, que vão muito além do recorte tradicional da "classe operária". Mapeada a complexidade constitutiva da nova cultura política em meio à qual os trabalhadores viriam a forjar sua identidade de classe, é no volume II (A maldição de Adão) que Thompson se detém na análise das transformações vividas pelo mundo do trabalho no período. Entretanto, se Thompson rompe definitivamente com a visão determinista e teleológica sobre o papel histórico do operariado, isso não significa que adote uma perspectiva historicista. Nem que ? como ocorre com certo multiculturalismo pós-moderno dos tempos neoliberais ? compreenda a classe apenas como uma das "identidades" que os "indivíduos" poderiam escolher entre várias outras (de gênero, etnia etc.), como quem percorre as prateleiras de um supermercado. Os sujeitos coletivos subalternos forjam suas identidades no interior desse próprio processo, de modo criativo e indeterminado, com similaridades marcantes à forma como a classe operária inglesa "estava presente ao seu próprio fazer-se" (Thompson, 1987, v. I, p. 9)
Roger Chartier - Para se entender o termo, os conflitos e interesses gerados pela questão da Identidade Nacional precisaremos antes analisar o conceito de representações. Segundo Chartier "As representações não são discursos neutros: produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma autoridade, uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas", ou seja, a identidade nacional, na visão de Chartier, é uma representação, sendo, portanto construída por grupos que possuem interesses em impor a sua visão ideológica. Uma das características de identidade nacional analisada aqui como representações seriam os interesses presentes nos modelos de identidades propostos. . Outra característica da representação é seu nível de abrangência, ao contrário do folclore que se apresenta vivo em determinada comunidade, com costumes e hábitos restritos, a identidade nacional, sendo uma representação tende a ser universalista, expandindo-se por toda população, para que seja legitimada pelo povo em geral. Se as propostas de identidade não forem assimiladas pela população, não exercerá influência sobre os seus sentimentos e atos, invalida-se, portanto, uma das funções da representação que é a legitimação de uma ordem pelo consentimento e não pela violência.
A noção de identidade perpassa a compreensão do efeito global sobre estas e se apóiam em duas coordenadas básicas o tempo e o espaço, que estão intrinsecamente ligadas aos sistemas de representação. Chartier ao trabalhar os conceitos culturais afirma que é preciso pensá-la como análise de um trabalho de representação, isto é das classificações e das exclusões que a constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias de um tempo e de um espaço.

Michel Pollak ? Segundo Pollak, a identidade é a imagem que a pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, o que ela se mostra aos outros e a si, o que ela acredita de si e o que quer dos outros a mesma crença.

CONCEITO DE MEMÓRIA

E. P. Thompson ? Segundo Thompson a memória depende, não só da capacidade de compreensão do indivíduo, mas também de seu interesse. É muito mais provável que uma lembrança seja precisa quando corresponde a um interesse e necessidade sociais. Na verdade, refletir a respeito das implicações da psicanálise tem, sem dúvida, proporcionado, ao longo dos últimos anos, um importante estímulo para o progresso de nossa compreensão da memória oral como evidência. Dessa forma, a lição importante é aprender a estar atento àquilo que não está sendo dito, e a considerar o que significam os silêncios. Os significados mais simples são provavelmente os mais convincentes. Em suma, o que podemos esperar ganhar pela influência da psicanálise é um ouvido mais perspicaz para as sutilezas da memória e da comunicação, mais do que a chave de um quarto secreto. A maioria das pessoas conserva algumas lembranças que, quando recuperadas, liberam sentimentos poderosos. Falar sobre uma mãe ou um pai que se perdeu pode provocar lágrimas, ou ódio. Assim, algumas lembranças desenterram sentimentos profundos, não resolvidos, que realmente exigem uma reflexão mais prolongada com a ajuda de um terapeuta profissional; evidentemente, nesses casos, o melhor que o historiador oral pode fazer é sugerir onde encontrá-lo. Essas situações surgem, tipicamente, de experiências de famílias que são violentas, vergonhosas, ou particularmente complicadas e desconcertantes; como nos casos de traumas de guerra e de perseguição.

Jacques Lê Goff ? Para Lê Goff a memória tal como ela, surge nas ciências humanas (fundamentalmente na história e na antropologia), e se ocupe mais da memória colectiva que das memórias individuais, importa descrever sumariamente a nebulosa memória no campo científico global. A memória, como propriedade de conservar certas informações, reenvia-nos em primeiro lugar para um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode actualizar impressões ou informações passadas, que ele representa como passadas.
O estudo da memória abarca a psicologia, psicofisiologia, neurofisiologia, biologia e, quando às perturbações da memória, das quais a amnésia é a principal, a psiquiatria.
Assim, Pierre Janet (Le Goff, pg.12) considera que o acto mnemório fundamental é o comportamento narrativo que se caracteriza antes de mais pela sua função social, pois que é comunicação a outrem de uma informação, na ausência do acontecimento ou do objecto que constitui o seu motivo.
A memória colectiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva.
Para Leroi-Gourhan (Le Goff, pg.17), a evolução da memória, ligada ao aparecimento e à difusão da escrita, depende essencialmente da evolução social e especialmente do desenvolvimento urbano: A memória coletiva, no início da escrita, não deve romper o seu movimento tradicional a não ser pelo interesse que tem em se fixar de modo excepcional num sistema social nascente. Memória urbana, memória real também, não só a cidade capital se torna o eixo do mundo celeste e da superfície humanizada (e o ponto focal de uma política da memória), mas o rei em pessoa desdobra um programa de memoração, de que ele constitui o centro, sobre toda a extensão na qual tem autoridade.
Os reis criam instituições-memória: arquivos, bibliotecas, museus, Zimrilim (cerca de 1782-59 a.C.) faz do seu palácio de Mari, onde foram encontradas numerosas tabuletas, um centro arquivístico. Memória real, pois os reis fazem compor e, por vezes, gravar na pedra anais (ou pelo menos extratos deles) onde estão, sobretudo narrados os seus feitos ? e que nos levam à fronteira onde a memória se torna história.
Com a passagem da oralidade à escrita, a memória colectiva e, mais particularmente a memória artificial é profundamente transformada. Goody (Le Goff, pg.18) pensa que o aparecimento de processos memnotécnicos permitindo a memorização palavra a palavra, está ligado a escrita. A passagem da memória oral à memória escrita é certamente difícil de compreender. Mas uma instituição e um texto podem talvez ajudar-nos a reconstruir o que se deve ter passado na Grécia arcaica.
Enquanto que a memória social popular, ou, antes folclórica nos escapa quase inteiramente, a memória colectiva formada por diferentes estratos sociais sofre na Idade Média profundas transformações. Cristianização da memória e da mnemotecnia, repartição da memória colectiva entre uma memória litúrgica girando em torno de si mesma e uma memória laica de fraca penetração cronológica, desenvolvimento da memória dos mortos, principalmente dos santos, papel da memória no ensino que articula o oral e o escrito, aparecimento enfim de tratados de memória (artes memoriae), tais são os traços mais característicos das metamorfoses da memória na Idade Média.
Se a memória antiga foi fortemente penetrada pela religião, o judaico-cristianismo acrescenta algo de diversos à relação entre memória e religião, entre o homem e Deus. Pôde-se descrever o judaísmo e o cristianismo, religiões radicadas histórica e teologicamente na história, como religiões da recordação. E isto em diferentes aspectos: porque actos divinos de salvação situados no passado formam o conteúdo da fé e o objecto do culto, mas também porque o livro sagrado, por um lado, a tradição histórica, por outro, insistem nalguns aspectos essenciais na necessidade da lembrança como tarefa religiosa fundamental. Se a memória cristã se manifesta essencialmente na comemoração de Jesus, anualmente na liturgia que o comemora do Advento ao Pentecostes, através dos monumentos essenciais do Natal, da Quaresma, da Páscoa e da Ascensão, quotidianamente na celebração eucarística, a um nível mais popular cristalizou-se, sobretudo nos santos e nos mortos.
O que é a memória? A memória é um glorioso e admirável dom da natureza, através do qual reevocamos as coisas passadas abraçamos as presentes e contemplamos as futuras, graças à sua semelhança com as passadas. Depois disto, Boncompagno (Le Goff, pg.30) lembra a distinção fundamental entre memória natural e memória artificial. Para esta última, Boncompagno fornece uma longa lista de sinais de memória tirados da Bíblia, como, por exemplo, o canto do galo que é para São Pedro um sinal mnemônico.
A memória biológica parece-se mais com a memória electrônica que com a memória nervosa, cerebral. Por um lado ela defini-se também por um programa onde se vêem fundir duas noções: a memória e o projecto. Para voltar a memória social, as convulsões que se vão conhecer no século XX foram, parece, preparadas pela expansão da memória no campo da filosofia e da literatura. Em 1896 Bergson (Le Goff, pg.43) publica Matière et Mémoire. Considera central a noção de imagem, na encruzilhada da memória e da percepção. No termo de uma longa análise das deficiências da memória (amnésia da linguagem ou afasia) descobre, sob uma memória superficial, anônima, assimilável ao hábito, uma memória profunda, pessoal, pura, que não é analisável em termos de coisas, mas de progresso. Esta teoria que realça os laços da memória com o espírito, senão com a alma, tem uma grande influência na literatura. Marca o ciclo narrativo de Marcel Proust, À la recherche du temps perdu (1913-27). Nasceu uma nova memória romanesca, a recolocar na cadeia mito-histórica-romance.
A evolução das sociedades na segunda metade do século XX clarifica a importância do papel que a memória colectiva desempenha. Exorbitando a história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a montante enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em documentos/monumentos, e a aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, a memória colectiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência ou pela promoção. A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou colectiva, cuja busca é uma das actividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória colectiva é não somente uma conquista é também um instrumento e um objectivo de poder. São as sociedades cuja memória social é, sobretudo oral ou que estão em vias de constituir uma memória colectiva escrita que melhor permitem compreender esta luta pela dominação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória.
A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória colectiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens.

Michel Pollak ? Segundo Pollak memória é a operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar.
Relaciona-se com a preservação do patrimônio.

CONCEITO DE TEMPO HISTÓRICO

Reinhart Koselleck ? É o contexto histórico que pode ampliar-se no que é anterior e posterior, relacionando aos acontecimentos que são produzidos ou sofridos por sujeitos. O tempo histórico seria então, fruto da tensão entre experiências e expectativas; tensão essa que pode ser analisada através da relação histórica entre passado e futuro. É importante ressaltar que por não se referirem de maneira intrínseca a nenhum conteúdo histórico específico, essas categorias possuem um alto grau de generalidade. A diversidade de maneiras como se dá a relação entre espaço da experiência e horizonte de expectativa ao longo da história é o que, como ressaltou Paul Ricoeur, garante a universalidade dessas categorias fazendo com que possam ser aplicadas a qualquer período (RICOEUR, 1995:369).
Koselleck privilegia em sua análise o surgimento de uma nova concepção temporal verificada na modernidade ou, em suas palavras, o processo de temporalização da história ocorrido durante os tempos modernos ? transformação que se fez notar principalmente durante os séculos que separam a Reforma Protestante da Revolução Francesa. A história da Cristandade até o século XVI foi uma história da contínua espera pelo fim dos tempos. A ameaça de um Juízo Final muniu os homens de uma mesma expectativa, funcionando não só como um fator de integração da Igreja, mas também como um fator de integração histórica ? presente e passado pareciam unir-se na perspectiva de um mesmo horizonte. Antes do Último Dia, nada de radicalmente novo poderia acontecer. Desta forma, experiência e expectativa eram inseparáveis em um espaço histórico que por ser estruturalmente semelhante, era capaz de fornecer exemplos que promoveriam o aperfeiçoamento intelectual ou moral dos povos e seus governantes.

CONCEITO DE PASSADO/PRESENTE

E. P. Thompson - Segundo Thompson a experiência de formação da classe é compreendida como um "espaço de experiência" em que, na pressão exercida pelo passado sobre o presente, é criada a condição histórica da classe operária. As pressões do passado orientam a ação; o passado-presente define a possibilidade de uma história e, da mesma maneira, determina também suas condições de representação, isto é, sua forma narrativa.
Tanto em A formação da classe operária inglesa quanto em O uso dos prazeres, o que se objetiva é uma ação particular, a constituição de sujeitos históricos, porém, no primeiro caso, a experiência é orientada do passado para um presente, enquanto que, no segundo caso, ela se orienta do presente para um futuro. Todavia, não é por si só suficiente essa simples constatação, a de que Thompson e Foucault utilizam o conceito de experiência de modo semelhante (enquanto campo de ação para determinado sujeito), embora com uma diferença fundamental de sentido (a experiência em relação ao passado, para um, e ao futuro, para outro). Seria possível argumentar-se que o apego de Thompson ao romantismo desviaria seu olhar para o passado, enquanto que, para Foucault, pertinente mais à sua biografia, tratar-se-ia de uma constante recusa em permanecer imóvel, no anseio de sempre se deslocar e inventar novos "modos de vida". Não obstante, em decorrência mesmo da perspectiva aqui assumida, a pergunta que se coloca é menos sobre o porquê de tal escolha e mais sobre as implicações dela na feitura do texto historiográfico. Essa opção não desconsidera o âmbito contextual do texto, mas apenas restringe o olhar para a superfície do escrito, isto é, os elementos textuais da narrativa. Nesse processo linear das últimas décadas do século XVIII até precisamente o ano de 1832, a classe aparece, então, como um sujeito unificado em um presente segundo condições estabelecidas pelo seu "espaço de experiência", isto é, pelo seu passado. Se a lógica da ação não implica uma lei, nela está inserida desde logo uma "teleologia do sujeito", de um sujeito como fundamento da história.

Jacques Lê Goff - A distinção entre passado e presente é um elemento essencial da concepção do tempo. É, pois, uma operação fundamental da consciência e da ciência históricas. Como o presente não se pode limitar a um instante, a um problema primordial da operação histórica. A definição do período contemporâneo nos programas escolares de história é um bom teste para esta definição do presente histórico. Ela é reveladora, para os Franceses, do lugar desempenhado pela Revolução Francesa na consciência nacional, pois em França a História Contemporânea começa oficialmente em 1789.
Os hábitos de periodização histórica levam, assim, a privilegiar as revoluções, as guerras, as mudanças de regime político, isto é, a história dos acontecimentos. Encontramos este problema a propósito das novas relações entre passado e presente, que a chamada nova história procura hoje estabelecer. Por outro lado, a definição oficial, universitária e escolástica da História Contemporânea, em alguns países, como a França, obriga-nos actualmente a falar de uma História do presente para falar do passado mais recente, o presente histórico.
A distinção passado/presente que aqui nos ocupa é a que existe na consciência coletiva, em especial na consciência social histórica. Mas torna-se necessário, antes de mais, chamar a atenção para a pertinência desta posição e evocar o par passado/presente noutras perspectivas, que ultrapassam as da memória coletiva e da história.
Eric Hobsbawn [1972] (Le Goff, pg.299), levantou o problema da função social do passado, entendendo por passado o período anterior aos acontecimentos de que um indivíduo se lembra directamente.
A maior parte das sociedades considera o passado como modelo do presente. Nesta devoção pelo passado há, no entanto, fendas através das quais se insinuam a inovação e a mudança.
Qual à parte de inovação que as sociedades admitem na sua ligação com o passado? Só algumas seitas conseguem isolar-se e resistir totalmente à mudança. As sociedades ditas tradicionais, especialmente as camponesas, não são tão estáticas como se julga. Se a ligação ao passado pode admitir novidades e transformações, na maior parte dos casos o sentido da evolução é apercebido como decadência ou declínio. A inovação aparece numa sociedade sob a forma dum regresso ao passado: é a idéia-força das renascenças.
Muitos movimentos revolucionários tiveram como palavra de ordem e objectivo, o regresso ao passado, por exemplo, a tentativa de Zapata de restaurar, no México, a sociedade camponesa de Morelos, no estado em que se encontrava quarenta anos antes, riscando a época de Porfirio Díaz e regressando a um status quo anterior.
François Châtelet (Le Goff, pg. 300), pelo seu lado, ao estudar o nascimento da história na Grécia antiga, definiu previamente os traços característicos do espírito histórico. Começa por apresentar o passado e o presente como categorias idênticas e simultaneamente diferenciadas:
a) O espírito histórico acredita na realidade do passado e considera que o passado, tal como é, e até certo ponto, no seu conteúdo, não é, por natureza, diferente do presente. Ao reconhecer o passado como já tendo existido, considera que o que aconteceu outrora existiu, teve um lugar e uma data, exactamente da mesma maneira que o que existe, que este acontecimento que hoje tendo debaixo dos olhos...Isto significa que não é permitido, de forma alguma, tratar o acontecido como fictício ou irreal, que a não-actualidade do que teve lugar (ou terá) não pode ser identificada com a sua não-realidade;
b) O passado e o presente são não só diferenciados, como por vezes se opõem: Se o passado e o presente pertencem à esfera do mesmo, estão também na esfera da alteridade. Se é um facto que o acontecimento passado está acabado e que esta dimensão o constitui fundamentalmente, também é verdade que "a sua qualidade de passado" o diferencia de qualquer outro acontecimento que se lhe pudesse assemelhar. A idéia de que há repetições (res gestae) na história...Que "não há nada de novo sob o sol" ou mesmo a de que há lições do passado, só tem sentido para uma mentalidade não-histórica.
c) Finalmente, a história, ciência do passado, deve recorrer a métodos científicos de estudo do passado. É indispensável que o passado, considerado como real e decisivo, seja estudado seriamente: na medida em que os tempos passados são considerados dignos de atenção e lhes é atribuída uma estrutura, em que lhes são dados traços actuais, todo o discurso significativo do passado deve poder estabelecer claramente por que razão ? em função de quais documentos e testemunhos ? ele dá, de uma dada sucessão de acontecimentos, uma versão e não outra. Convém principalmente que a datação e localização do acontecimento seja muito cuidada, tanto mais que o passado só adquire carácter histórico, na medida em que recebe semelhantes determinações.
A preocupação de precisão, no estudo do que outrora aconteceu, só no princípio do século passado aparece claramente com o impulso decisivo dado por L. Von Ranke (Le Goff, pg. 301), professor da Universidade de Berlim entre 1825 e 1871.
O Renascimento parece ser percorrido por duas tendências contraditórias. Por um lado, os progressos feitos na medição, datação e cronologia permitem uma perspectiva histórica do passado. Por outro lado, o sentido trágico da vida e da morte pode conduzir ao epicurismo, à fruição do presente que os poetas exprimem, desde Lorenzo o magnífico a Ronsard: Però, donne gentil, giovani adorni,/ che vi state a cantare in questro loco,/ spendete lietamente i vostri giorni, / Che giovinezza passa a poço a poço.
Marc Bloch (Le Goff, pg.307) propôs também ao historiador, como método, um duplo movimento: compreender o presente pelo passado, compreender o passado pelo presente: A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas é talvez igualmente inútil esgotar-se a compreender o passado, se nada se souber do presente. Daí a importância da recorrência em história: Seria um erro grave acreditar que a ordem adoptada pelos historiadores nas suas investigações se deve modelar necessariamente pela dos acontecimentos. Para restituir à história o seu verdadeiro movimento, seria muitas vezes proveitoso começar por ler "ao contrário", como dizia Maitland (Le Goff, pg.307).
Essa concepção das relações passado/presente desempenhou um grande papel na revista Annales ? fundada em 1929 por Lucien Febvre e Marc Bloch -, que inspirou e deu nome à revista britânica de história Past and Present, a qual, no primeiro número, em 1952, declarou: A história não pode, logicamente, separar o estudo do passado, do estudo do presente e do futuro.

Roger Chartier - Segundo Roger Chartier, o saber histórico pode ajudar na compreensão do presente, através das experiências do passado. Talvez possa até ajudar a organizar o desenvolvimento de programas de leitura ou mostrar a descontinuidade da história. No Brasil, existe o programa nacional de incentivo à leitura que ilustra esta questão. Por um lado é um programa que se dedica a desenvolver os hábitos de leitura e levá-los onde eles não existem. Ao mesmo tempo, é um programa que a partir do conhecimento histórico de especialistas em educação, historiadores e sociólogos, permite reconhecer as etapas, as descontinuidades e as conquistas da leitura. Com isso, estabelecemos um vínculo imediato do passado com o presente para conseguir os objetivos já expostos: a iniciação dos indivíduos nos diversos níveis da cultura escrita, no saber ler e escrever, na prática da leitura e da escrita e no contato com o universo do texto eletrônico. Voltamos ao passado, mas, ao mesmo tempo, acumulamos o que foi adquirido com o código manuscrito e o código do livro impresso. Assim, podemos observar que a reflexão do presente pode ser esclarecida a partir do conhecimento histórico. Muitas vezes, compara-se a revolução eletrônica à revolução de Gutenberg. O que não acho adequado. É verdade que existe a mutação técnica, imprensa-texto digital, mas, o mais importante é a transformação da estrutura do suporte e da relação do corpo, da mente, do leitor com o texto. Mais adequado é comparar a invenção do código escrito à invenção da técnica digital.

Reinhart Koselleck ? O que entrou para a realidade histórica determinou o acontecimento pressuposto à história.


CONCEITO DE PATRIMÔNIO

Roger Chartier - A história cultural, segundo Roger Chartier, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. Estudar o patrimônio histórico, mais especificamente os usos desse patrimônio, é tentar compreender como determinada realidade social, como determinada identidade foi construída e se existe uma cultura política que esse determinado bem esteja representando, ou mesmo se a prática de preservação patrimonial faz parte de uma cultura política própria de determinada comunidade ou grupo social. Investigar os usos do patrimônio implica uma relação de poder e afirmação/construção ou negação de uma identidade, de objetivos ou aspirações que caracterizam os comportamentos de determinados grupos, estando intimamente ligado à cultura política (as práticas, as ações políticas, o próprio "fazer política" de uma sociedade) de um contexto.
Dessa forma, o patrimônio histórico, entendido como representação objetal de certa mentalidade, possui uma intensa ligação com o campo político. Ele tanto pode ser um instrumento de dominação no campo social, como pode ser uma representação objetal de determinada ideologia e/ou cultura política. Tanto individualmente quanto coletivamente, quando o patrimônio histórico é tombado, as justificativas que conferem sentido a sua preservação já estão sendo transformadas. Nem sempre as justificativas legais, presentes nos projetos de lei ou na legislação que baseia o tombamento de determinado patrimônio, são as mesmas que identificam a coletividade com o bem patrimonial.


CONCEITO DE ANTIGO/MODERNO

Jacques Lê Goff - O par antigo/moderno está ligado à história do Ocidente, embora possamos encontrar-lhe equivalentes noutras civilizações e noutras historiografias.
A posição antigo/moderno desenvolveu-se num contexto equívoco e complexo. Em primeiro lugar, porque cada um dos termos e correspondentes conceitos nem sempre se opuseram um ao outro: "antigo" pode ser substituído por "tradicional" e moderno, por "recente" ou "novo" e, em seguida, porque qualquer um dos dois pode ser acompanhado de conotações laudatórias, pejorativas ou neutras. Quando o termo "moderno" aparece no baixo latim, só tem o sentido de "recente" que mantém por muito tempo, ao longo da Idade Média: "antigo" pode significar "que pertence ao passado" e, com mais precisão,
à época da história a que o Ocidente, desde o século XVI, chama Antiguidade, ou seja, a época anterior ao triunfo do Cristianismo no mundo greco-romano, da grande regressão demográfica, econômica e cultural da Alta Idade Média, marcada pela diminuição da escravatura e pela intensa ruralização. A partir do século XVI, a historiografia, dominante do Ocidente, a dos eruditos secundada pela dos universitários, divide a história em três Idades: Antiga, Medieval e Moderna (neuere, em alemão), cada um dos adjectivos apenas reenvia, na maior parte dos casos, para um período cronológico e o termo "moderno" opõe-se mais a "medieval" do que a "antigo".
Finalmente, a modernidade pode camuflar-se ou exprimir-se sob as cores do passado, entre outras, as da Antiguidade. É uma característica das renascenças e, em especial, do grande Renascimento do século XVI. A moda retro é hoje uma das componentes da modernidade. "Moderno" e a consciência da modernidade nasce do sentimento de ruptura com o passado. Será legítimo que o historiador reconheça como moderno o que as pessoas do passado não sentiram como tal?
Se, por um lado, o termo "moderno" assinala a tomada de consciência duma ruptura com o passado, por outro, não está carregado de tantos sentidos como os seus semelhantes "novo" e (o substantivo) "progresso". "Novo" implica um nascimento, um começo que, com o Cristianismo, assume o carácter quase sagrado de baptismo. É o Novo Testamento, a Vita Nuova dum Dante, que nasce com amor.
"Moderno" defronta-se também com o que se situa na esfera do "progresso". Mal este termo se liberta do latim e passa às línguas românticas, tardiamente, no século XVI, torna-se num substantivo que arrasta mais ou menos na sua esteira, o "moderno". "Recente", oposto a "passado", tem também lugar, numa linha de evolução positiva; mas quando, no século XIX, o substantivo engendra um verbo e um adjectivo ? "progredir", "progressista" -, "moderno" fica de certo modo excluído, desvalorizado.
Com base na herança histórica da querela entre antigos e modernos, a revolução industrial vai mudar radicalmente os termos da oposição no par antigo/moderno, na segunda metade do século XIX e no século XX. Aparecem três novos pólos de evolução e de conflito: na passagem do século XIX para o XX, movimentos de ordem literária, artística e religiosa reclamam-se ou são rotulados de modernismo ? termo que marca o endurecimento, pela passagem a doutrina, de tendências modernas até então difusas; o encontro entre países desenvolvidos e países atrasados leva para fora da Europa Ocidental e dos Estados Unidos os problemas da modernização, que se radicalizam com a descolonização, posterior à Segunda Guerra Mundial; para concluir, no seio da aceleração da história, na área cultural ocidental, simultaneamente por arrastamento e reacção, aparece um novo conceito, que se impõe no campo da criação estética, da mentalidade e dos costumes: a modernidade.

Serão analisados alguns exemplos que ilustram a transformação do par antigo/moderno. Sem minimizar o carácter relativamente arbitrário desta enumeração, distinguir-se-ão três tipos de modernização: a) a modernização equilibrada, em que o êxito da penetração do moderno não destruiu os valores do antigo; b) a modernização conflitual que, atingindo apenas uma parte da sociedade, ao tender para o moderno, criou conflitos graves com as tradições antigas; c) a modernização por tentativas que, sob diversas formas, procura conciliar moderno e antigo, não através dum novo equilíbrio geral, mas por tentativas parciais.
Baudelaire (Le Goff, pg.384) define o que é modernidade. O que é modernidade? É o que há de poético no histórico, de eterno no transitório. A modernidade tem ligações com a moda. Assim, nos exemplos que dá, Baudelaire fala também de moda feminina, do estudo do militar, do dandy e do próprio animal, cão ou cavalo. Dá ao significado do moderno uma tonalidade que o liga aos comportamentos, costumes e decoração.
A modernidade, voltando-se para o inacabado, o esboçado, o irônico, tem tendência para realizar, na segunda metade do século XX, o programa delineado pelo Romantismo. Assim se reencontra o conflito antigo/moderno a assumir, nesta longa duração, a sucessão da oposição conjuntural clássico/romântico, na cultura ocidental. A modernidade é o resultado ideológico do modernismo. Mas ? ideologia do inacabado, da dúvida e da crítica ? a modernidade também impulso para a criação, ruptura declarada com todas as ideologias e teorias da imitação, cuja base é a referência ao antigo e a tendência para o academismo.
Depois de Marx, o Estado Moderno defini-se mais ou menos pelo capitalismo. Conseqüentemente, não é de admirar que para muitos, e algumas vezes ingenuamente, o modelo de modernismo seja os Estados Unidos e nomeadamente de modernismo político. Kennett Sterrill (Le Goff, pg.388) baseou num inquérito feito nos Estados Unidos, uma definição do politically modern man, cujo interesse principal consiste em riscar a influência (ou o reflectir) da política externa dos Estados Unidos...O americano é apresentado muitas vezes como o protótipo do homem moderno.
Para concluir, a modernidade definiu-se pelo seu carácter de massa: é uma cultura de vida quotidiana e uma cultura de massas. Baudelaire, apesar de sua definição elitista, orientou a modernidade para o que Henri Lefebvre (Lê Goff, pg.388), filósofo da modernidade e da vida quotidiana, chamou "a flor do quotidiano".

CONCEITO DE DOCUMENTO/MONUMENTO

E.P Thompson - Thompson considera os documentos/Monumentos escritos apenas uma entre tantas outras fontes. Porém, alguns Historiadores ainda não concordam com essa forma de se coletar dados, principalmente os mais tradicionais. O historiador trabalha com documentos, não há substituto para os documentos: se não há documentos, não há historia.
Para Thompson, é na história social que menos se pode fugir à relevância oral. Alguns dados dificilmente são encontrados em documentos escritos, como, por exemplo, como era ser criança ou pai no inicio do século XX; como os jovens se encontravam e namoravam; como conviviam como marido e mulher; como encontravam emprego e como mudavam de emprego; com se sentiam em relação ao trabalho; como encaravam seus patrões e seus companheiros de trabalho; de que modo sobreviviam e como se sentiam quando desempregados; como variava a consciência de classe entre a cidade e o campo e entre ocupações. Não parecia ser possível responder a nenhuma dessas perguntas a partir de fontes históricas convencionais.

Jacques Lê Goff - A memória coletiva e a sua forma científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais: os documentos e os monumentos.
Estes materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador. A palavra latina monuemtum remete para a raiz indo-européia men, que exprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O verbo monere significa "fazer recordar", donde "avisar", "iluminar", "instruir". O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado. Perpetuar a recordação, por exemplo, os actos escritos. Quando Cícero fala dos monumenta hujus ordinis, designa os actos comemorativos, quer dizer, os decretos do senado. Mas desde a Antiguidade romana o monumentum tende a especializar-se em dois sentidos: 1) uma obra comemorativa de arquitectura ou de escultura: arco de triunfo, coluna, troféu, pórtico, etc; 2) um monumento funerário destinado a perpetuar a recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é particularmente valorizada: a morte.
O monumento tem como característica o ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são testemunhos escritos.
O termo latino documentu, derivado de docere "ensinar", evoluiu para o significado de "prova" e é amplamente usado no vocabulário legislativo. È no século XVII que se difunde, na linguagem jurídica francesa, a expressão titres et documents e o sentido moderno de testemunho histórico data apenas do início do século XIX. O significado de papel justificativo, especialmente no domínio policial, na língua italiana, por exemplo, demonstra a origem e a evolução do termo. O documento que, para a escola histórica positivista do fim do século XIX e do início do século XX, será o fundamento do facto histórico, ainda que resulte da escolha, de uma decisão do historiador, parece apresentar-se por si mesmo como prova histórica.
No final do século XIX, Fustel de Coulanges (Le Goff, pg.96) pode ser tomado como um testemunho válido de como documento e monumento transformaram-se para os historiadores. Os dois termos encontram-se, por exemplo, nas clássicas páginas do primeiro capítulo de La Monarchie Franque: Leis, cartas, fórmulas crônicas e histórias, é preciso ter lido todas estas categorias de documentos sem omitir uma única. Encontraremos no curso destes estudos várias opiniões modernas que não apóiam-se em documentos; deveremos estar em condições de afirmar que não são conformes a nenhum texto, e por esta razão não nos cremos com o direito de aderir a elas. A leitura dos documentos não serviria, pois, para nada se fosse feita com idéias pré-concebidas. A sua única habilidade (do historiador) consiste em tirar dos documentos tudo o que eles contêm e em não lhes acrescentar nada do que eles não contêm. O melhor historiador é aquele que se mantém o mais próximo possível dos textos.
O termo "monumentos" será ainda correntemente usado no século XIX para as grandes colecções de documentos. O caso mais célebre é o dos Monumenta Germaniae histórica, publicados a partir de 1826 pela sociedade fundada em 1819 pelo barão Karl von Stein, para a publicação das fontes da Idade Média alemã. Assim, a pouco e pouco, são editadas nas diversas províncias italianas colecções de Monumenti: os Monumenti di storia pátria delle provincie della Romagna a partir de 1869, os Monumenti storici, publicados pela Regia Deputazione veneziana de história pátria a partir de 1876, os Monumenti storici publicados pela Società napolitana de história pátria a partir de 1881. Todavia, destacando-se de um conjunto de palavras (provas, instrumentos, testemunhos, etc.) que tentavam reunir os novos métodos da memória colectiva e da história, ao desejo de, por um lado, provar cientificamente (o bolandista Daniel van Papenbroeck (Le Goff, pg.97), pioneiro como Mabillon da crítica histórica na segunda metade do século XVII, recomendara o estudo das velhas cartas ad historicam probationem com os fins de prova histórica).
Os fundadores da revista Annales d?historie économique et sociale (1929), pioneiros de uma história nova, insistiram sobre a necessidade de ampliar a noção de documento: A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem dos cavalos de tiro. Com os exames de pedras feitos pelos geólogos e com as análises de metais feitas pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve ao homem, exprime ao homem, demonstra a presença, a actividade, os gostos e as maneiras de ser do homem.
Por isso, Samaran (Le Goff, pg.98) desenvolve a afirmação de que: Não há história sem documentos, com esta precisão: Há que tomar a palavra documento no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem, ou de qualquer outra maneira. Mas este alargamento do conteúdo do termo documento foi apenas uma etapa para a explosão do documento que se produz a partir dos anos 60 e que levou a uma verdadeira revolução documental.
Desejada em primeiro lugar pelos historiadores da economia, obrigados a tomar como documentos de base séries de cifras ou de dados numéricos, introduzida depois na arqueologia e na história da cultura, a história quantitativa altera o estatuto do documento. O documento o dado, já não existem por si próprios, mas em relação com a série que os precede e os segue, é o seu valor relativo que se torna objectivo e não a sua relação com uma inapreensível substância real.
A revolução documental tende também a promover uma nova unidade de informação: em lugar do facto que conduz ao acontecimento e a uma história linear, a uma memória progressiva, ela privilegia o dado, que leva à série e a uma história descontínua.
A concepção do documento/monumento é, pois, independente da revolução documental e entre os seus objectivos está o de evitar que esta revolução necessária se transforme num derivativo e desvie o historiador do seu dever principal: a crítica do documento ? qualquer que ele seja ? enquanto monumento. O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto documento permite à memória colectiva recupera-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa.
Segue-lhe a definição de revolução documental em profundidade e da nova tarefa que se apresenta ao historiador: A história, na sua forma tradicional, dedicava-se a "memorizar" os monumentos do passado, a transformá-los em documentos e em fazer falar os traços que, por si próprios, muitas vezes não são absolutamente verbais, ou dizem em silêncio outra coisa diferente do que dizem; nos nossos dias, a história é o que transforma os documentos em monumentos e o que, onde dantes se decifravam traços deixados pelo homem, onde dantes se tentava reconhecer em negativo o que eles tinham sido, apresenta agora uma massa de elementos que é preciso depois isolar, reagrupar, tornar pertinentes, colocar em relação, constituir em conjunto.
O medievalista (e, poder-se-ia acrescentar, o historiador) que procura uma história total deve repensar a própria noção de documento. A intervenção do historiador que escolhe o documento, extraindo-o do conjunto dos dados do passado, preferindo-o a outros, atribuindo-lhe um valor de testemunho que, pelo menos em parte, depende da sua própria posição na sociedade da sua época e da sua organização mental insere-se numa situação inicial que é ainda menos neutra do que a sua intervenção. O documento não é inócuo. È antes de mais o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro ? voluntária ou involuntariamente ? determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documento-verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo. Os medievalistas, que tanto trabalharam para construir uma crítica ? sempre útil, decerto ? do falso, devem superar esta problemática porque qualquer documento é, ao mesmo tempo, verdadeiro ? incluindo, e talvez sobretudo, os falsos ? e falso, porque um monumento é em primeiro lugar uma roupagem, uma aparência enganadora, uma montagem. É preciso começar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as condições de produção dos documentos-monumentos.
Ora, esta desmontagem do documento- monumento não pode fazer-se com o auxílio de uma única crítica histórica. Numa perspectiva de descobrimento dos falsos, a diplomática, cada vez mais aperfeiçoada, cada vez mais inteligente, sempre útil, repetimo-lo, é suficiente. Mas não pode ? ou, pelo menos, não pode sozinha ? explicar o significado de um documento/monumento como um cartulário. Produto de um centro de poder, de uma senhoria quase sempre eclesiástica, um cartulário deve ser estudado numa perspectiva econômica, social, jurídica, política, cultural, espiritual, mas, sobretudo enquanto instrumento de poder. Foi dito, justamente, que um cartulário, constituía um conjunto de provas que é fundamento de direitos. É preciso ir mais longe. Ele é o testemunho de um poder polivalente e, ao mesmo tempo, cria-o.
Mais ainda do que estes múltiplos modos de abordar um documento, para que ele possa contribuir para uma história total, importa não isolar os documentos do conjunto de monumentos de que fazem parte. Sem subestimar o texto que exprime a superioridade, não do seu testemunho, mas do ambiente que o produziu, monopolizando um instrumento cultural de grande porte, o medievalista deve recorrer ao documento arqueológico, sobretudo àquele que faz parte do método estratográfico, ao documento iconográfico, às provas que fornecem métodos avançados como a história ecológica que faz apelo à fenologia, á dendrologia, à palinologia: tudo o que permite a descoberta de fenômenos em situação (a semântica histórica, a cartografia, a fotografia aérea, a foto-interpretação) é particularmente útil.
O novo documento, alargado para além dos textos tradicionais, transformado ? sempre que a história quantitativa é possível e pertinente ? em dado, deve ser tratado como um documento/monumento. De onde a urgência de elaborar uma nova erudição capaz de transferir este documento/monumento do campo da memória para o da ciência histórica.

CONCEITO DE HISTÓRIA

E. P. Thompson ? Os historiadores da Nova Esquerda Inglesa repensaram o conceito de cultura a partir de sujeitos históricos antes ignorados pela história tradicional e passaram a valorizar uma "história vista de baixo". Para o historiador inglês Thompson, o conceito de experiência histórica é o elemento articulador entre as relações humanas, pois esta se expressa na constituição de uma cultura ou costumes em comuns. Assim, este historiador afirmava que a cultura comum dos trabalhadores urbanos e camponeses na Inglaterra do século XVIII estava "longe de ter a permanência rígida que a palavra ?tradição? sugere, o costume era um terreno de mudança e de conflito, um lugar onde interesses opostos formulavam reivindicações opostas." (1998, pp. 16-17). Segundo Thompson, toda história depende, basicamente, de sua finalidade social, e muitos consideram essa finalidade social como sendo utilizar a História para justificar o presente. Com auxilio da História, as pessoas são capazes de compreender melhor o meio em que vivem. Para isso, a História local pode ajudar o indivíduo a conhecer suas origens e as mudanças pelas quais vem passando. E a história oral relaciona-se, em parte, com essa finalidade social essencial da História, principalmente por dar lugar às pessoas que fizeram ou vivenciaram a história de se expressar com suas próprias palavras. A história oral oferece uma fonte rica e variada para o historiador, e também torna possível um julgamento muito mais imparcial dos fatos, pois com o seu uso, os subalternos, os desprivilegiados e os derrotados, também darão seus depoimentos e seus pontos de vista. Um projeto de pesquisa oral será certamente viável e poderá ser realizado em qualquer parte, pois em todos os lugares existem temas locais que podem ser estudados e isso só é possível graças à história oral, já que muitos temas locais não dispõem de bibliografia para pesquisa. Para se criar uma história oral local mais verdadeira e socialmente mais valiosa, é necessário que todos os grupos da sociedade participem das entrevistas, evitando assim, uma história tendenciosa ou omissa, pois, Segundo Thompson, a relação entre a história e a comunidade não deve ter mão única em qualquer dos dois sentidos.

Jacques Lê Goff - O interesse da História está entrelaçado entre Humanidade e o Tempo. Tudo o que se relaciona aos homens, suas formas de viver, de sobreviver, de se reunir e de se divertir em todos os tempos ? inclusive o presente ? é História. Marc Bloch define História como a ciência "dos homens no tempo". Ela possibilita a reflexão sobre as formas de vida dos homens em todos os tempos e espaços, procurando compreender e explicar as relações entre os diversos fenômenos sociais e suas implicações.

Roger Chartier ? Roger Chartier analisa a cultura a partir das práticas, apropriações e representações culturais que os sujeitos têm em relação aos artefatos culturais (literários visuais ou mentais). É possível entender a Historia universal a partir de um recorte local estudando as ações e relações de pessoas comuns, como de famílias, comunidades. Esta abordagem é denominada de micro-história ou micro análise e, a partir da mesma, você poderá, ampliar seu entendimento da macro análise. Para Chartier, a história cultural tem por objetivo identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada e dada a ler. Tal proposta implica considerar que o modo pelo qual os indivíduos lêem e interpretam a realidade é determinado por esquemas intelectuais (disposições) que são partilhados social ou intelectualmente, isto é, por grupos sociais ou os meios intelectuais. Isto conduz à constatação de que o mundo é o resultado das representações que o instituem como tal. E este mundo que Chartier vislumbra é, na verdade, uma arena de representações, que estão em concorrência e competição. Não se trata de formular a velha distinção entre o real e a percepção, posto que a representação faz parte do real, na medida em que interfere e modifica a realidade. Chartier chega mesmo a negar a separação entre a sociedade e sua representação: se estas geram instituições sociais, como por exemplo, a economia política.

Reinhart Koselleck - Partindo da premissa de que existe uma relação visceral entre História e linguagem, e reconhecendo a mutabilidade das palavras, Koselleck realizou subsídio decisivo a este debate inaugurando uma abordagem sobre a História das Idéias que se funde a uma verdadeira teoria da história. E a desenvolve a partir de alguns aspectos basilares: o problema da consciência histórica, sua articulação por meio do conceito de experiência e fazendo recurso à hermenêutica filosófica que integrados perfazem uma História Social dos Conceitos. O ponto alto de sua contribuição foi demonstrar os vínculos existentes entre o pensamento social ou político e os sujeitos, por um lado e como se dá o amálgama entre as expressões de determinadas consciências históricas por outro, que expressam o quanto o conhecimento histórico pode tematizar as condições de possibilidade de histórias e a própria existência humana (Koselleck, 1997, p. 68).
A História das Idéias é um dos campos mais antigos da historiografia, afinal desde os primórdios deste saber, ontologicamente, já se inquiria sobre a presença das idéias no tempo. Neste longo percurso, lentamente surgiu a constatação de que os conceitos ou as idéias não deveriam ser tratados exclu¬sivamente como expressões da ideologia tal como deseja o marxismo, como meras representações à moda dos Annales, ou ainda como o resultado de determinadas relações discursivas como desejou Michel Foucault. Embora estas referências sejam significativas ao campo em tela, a complexidade do pensamento e o recurso às idéias deixavam sempre entreaberta a possibili¬dade de novas abordagens. A virtude de Koselleck, neste sentido, foi a de atentar para a historicidade dos conceitos e do pensamento sócio-político, vinculando-os à realidade social e à compreensão hermenêutica. Com isso, valorizou a dinâmica e a existência de significados aparentemente diversos dentro de uma mesma época e até em um mesmo grupo social e, de igual modo, explicitou o caráter formativo e pragmático da constituição e do uso das idéias na História.

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CHARTIER, Roger. A Mídia eletrônica segundo Roger Chartier: Entrevista concedida a Carlos Scomazzon. Disponível em: http://carlosscomazzon.wordpress.com. Acesso em 07/11/10.

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Autor: Everaldo Rufino Da Silva


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