DO CRIME DE ESCRITO OU OBJETO OBSCENO



DO CRIME DE ESCRITO OU OBJETO OBSCENO

INTRODUÇÃO

Na última semana do mês de junho de 2011, a Rede Globo ? RPC, no programa jornalístico "Paraná TV ? 1ª Edição - Curitiba", apresentou a matéria sobre a propaganda de pornografia nos telefones públicos, que acarretou na prisão de duas pessoas. A matéria pode ser vista pela internet no site da emissora Globo, disponível em http://g1.globo.com/videos/parana/v/propaganda-de-sexo-em-telefones-publicos-e-ilegal/1547565/#/Paran%C3%A1TV1/Curitiba/20110627/page/1 (segunda-feira, dia 27) e http://g1.globo.com/videos/parana/v/duas-pessoas-presas-em-curitiba-por-propaganda-sexual/1550797/#/Paran%C3%A1TV1/page/7 (quinta-feira, dia 30) (acesso em 01 de julho de 2011).

Sem adentrar ao mérito da prostituição e suas consequências criminais, passamos a analisar o crime escrito ou objeto obsceno, citado na supracitada reportagem televisiva.

O CRIME DE ESCRITO OU OBJETO OBSCENO

O artigo 234, caput, do Código Penal dispõe que é crime de escrito ou objeto obsceno a conduta de "fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno", prevendo pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.

Seu parágrafo único narra que incorre nas mesmas penas quem a) vende, distribui ou expõe a venda ou a o público qualquer dos objetos referidos neste artigo; b) realiza em lugar público ou acessível ao público, representação teatral ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter; e c) realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de caráter obsceno.

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

O crime em análise é classificado como de menor potencial ofensivo (pena de detenção de até dois anos). Logo, a competência para o julgamento, em tese, é o Juizado Especial Criminal (art. 61 da Lei nº 9099/95), sendo cabível a transação penal (art. 76) e a suspensão condicional do processo (pena mínima não superior a um ano, art. 89). Em ambos os casos, se aceita, não correrá a ação penal, podendo ser extinta a punibilidade, sem condenação como reincidente ou antecedente criminal, quando do cumprimento das condições estabelecidas, dependendo do instituto despenalizador utilizado.

OBJETO JURÍDICO TUTELADO

A norma penal protege, regra geral, o pudor público, isto é, a moralidade pública sexual. Luiz Régis PRADO vai mais além, aduzindo que o bem jurídico tutelado é "o pudor público e, eventualmente, a integridade sexual do sujeito passivo e seu bem estar psíquico" (Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010. p. 703 ? item 1).

SUJEITOS DO CRIME

Por ser crime comum, é sujeito ativo qualquer pessoa. O sujeito passivo, por sua vez é a coletividade. As pessoas que, porventura, sentirem-se ofendidas com o escrito ou objeto obsceno integram a própria coletividade. Neste sentido, Damásio Evangelista de JESUS ensina que "É verdade que o delito pode ofender o pudor de determinada pessoa. Esta, porém, não será sujeito passivo do delito, que visa proteger o pudor público, ou seja, da coletividade" (Direito Penal: parte especial. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3. p.181).

TIPO OBJETIVO

O tipo objetivo do crime de escrito ou objeto obsceno, em se tratando de tipo misto alternativo, prevê vários verbos núcleos da conduta incriminada: a) fazer (fabricar/produzir); b) importar (fazer entrar, introduzir, no país); c) exportar (fazer sair para fora do país); d) adquirir (obter a qualquer título); e e) ter sob sua guarda (guardar, possuir).

É necessário que o verbo núcleo venha acompanhado do objeto do crime: a) escrito obsceno (grafia registrada); b) desenho obsceno (representação gráfica de coisas ou pessoas); c) pintura obscena (representação gráfica colorida de coisas ou pessoas), d) estampa obscena (gravura impressa, por chapa); d) qualquer objeto obsceno (filmes, fotografias, estátuas, internet, DVDs, etc.).

A propósito, Fernando CAPEZ explica a ação nuclear do tipo penal e seu objeto material (Curso de Direito Penal: parte especial. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3. p. 114):

Trata-se de tipo misto alternativo. A prática de duas ou mais condutas descritas é irrelevante, consistindo crime único. São elas: a) Fazer ? fabricar, criar, produzir, escrever etc. b) Importar ? introduzir no País. Assim, se a importação tiver por objeto revista ou filme pornográficos, configurar-se-á o crime em estudo e não o de contrabando ou descaminho previsto no art. 334 do CP, pois trata-se de crime específico. c) Exportar ? fazer sair de um País para outro. d) Adquirir ? obter a título oneroso ou gratuito. e) Ter sob sua guarda ? é a posse ou detenção. Os objetos materiais desse crime são os seguintes: a) escrito: é o jornal, revista, livro; b) desenho: é a representação gráfica de um objeto; c) pintura: constitui uma representação agora em cores, de pessoas ou coisas; d) estampa: é a gravura impressa; e) ou qualquer objeto obsceno: filmes, esculturas, etc. Trata-se, portanto, de rol exemplificativo.

Além disso, para a conduta ser punível, é necessário ainda que seja destinado ao: a) comércio, b) distribuição ou c) exposição pública; isto é, deve ter a finalidade especial, não caracterizando o crime quando destinado ao uso próprio.

TIPO SUBJETIVO

Por sua vez, ainda na tipicidade, o tipo subjetivo do delito é o dolo específico, isto é, a vontade livre e ciência de querer praticar o crime de escrito ou objeto obsceno, acrescido do especial fim de agir que é a comercialização, a distribuição ou a exposição pública. FRAGOSO, citado por Rogério Sanches CUNHA, adverte que "Para que se afirme a obscenidade do escrito, pintura etc. é necessário que materialmente expresse um fato atentatório ao pudor público, revelando por parte do autor o propósito de excitar a sensualidade e a luxúria, sendo irrelevante que além desse propósito pretenda o autor fazer obra de arte ou científica (op.cit., vol. 3. PP. 545/546)" (Código Penal. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2010. p. 412). Não há forma culposa.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Consuma-se a infração penal em exame com a prática de qualquer das condutas previstas no tipo objetivo. Como se trata de crime de perigo, desnecessária a existência de efetiva ofensa ao pudor da coletividade. Entretanto, por ser delito plurissubsistente, o iter criminis pode ser interrompido e, portanto, admite-se, teoricamente, a tentativa.

FORMAS EQUIPARADAS

O parágrafo único do tipo penal em exame prevê ainda as figuras equiparadas ao delito de escrito ou objeto obsceno. Assim, incorre na mesma pena quem: a) vende (fornece a título oneroso, comercializar), distribui (reparte, entrega) ou expõe a venda (colocar a disposição, exibir) ou ao público qualquer dos objetos referidos neste artigo; b) realiza em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica (cinema ou televisão), de caráter obsceno, de qualquer outro espetáculo (desfiles, reuniões) que tenha o mesmo caráter; c) realiza em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição (através de meio eletrônico) ou recitação (declaração direta) de caráter obsceno.

DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Segundo o princípio da adequação social "o Direito Penal tipifica somente condutas que tenham uma certa relevância social; caso contrário, não poderiam ser delitos. Deduz-se , consequentemente, que há condutas que por sua "adequação social" não podem ser consideradas criminosas. Em outros termos, segundo esta teoria, as condutas que se consideram "socialmente adequadas" não podem constituir delitos e, por isso, não se revestem de tipicidade" (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1. p. 19).

Nessa linha de raciocínio, Guilherme MEROLLI sintetiza o pensamento de Hans WELZEL (Fundamentos Críticos de Direito Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2010. p. 345):

Se assim o é, HANS WELZEL chega a conclusão de que uma conduta corrente no meio social não pode, ao mesmo tempo, ser considerada relevante para o Direito Penal; ou seja, que uma conduta que se mantém nos marcos de liberdade de atuação geral não pode, simultaneamente, ser considerada como uma conduta criminosa; em suma, que uma conduta não será considerada criminosa se estiver de acordo com a vida social historicamente condicionada, pois é como se o tipo penal a tivesse tacitamente excluído do seu âmbito de incidência.

No caso do crime de escrito ou objeto obsceno, a doutrina tem entendido que com o advento da Constituição Federal, está garantida a liberdade de expressão. Logo, não há que se falar em punição com relação a esse crime.

Confira-se o magistério de Celso DELMANTO e outros (Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 727):

Já antes da CR/88 vinha decrescendo muito a repressão deste delito, em virtude da mudança dos costumes e da maior liberdade concedida pelos antigos órgãos de censura. Com a abolição da censura pela nova Carta (art. 5º, IX), a repressão penal vem diminuindo ainda mais. Como exemplo, lembramos as salas especiais de cinema autorizadas a exibir filmes pornográficos; as seções em locadoras de vídeo onde são oferecidos esses mesmos filmes; as películas do mesmo gênero exibidas nas televisões a cabo ou até mesmo em canais normais, só que de madrugada; as sex-shops (loja de objetos eróticos), que apenas não exibem seus artigos em vitrines; as revistas pornográficas vendidas em bancas de jornais, com invólucro plástico opaco etc. Todas autorizadas pelo Poder Público, que recolhe impostos sobre a sua comercialização, e hoje toleradas pela sociedade. Embora o art. 234 do CP continue em vigor e só outra lei possa revogá-lo, as condutas acima referidas não devem ser punidas, uma vez que o sentimento comum de pudor público, bem jurídico tutelado, se modificou, não restando mais atingido por elas, e ainda em face do princípio da adequação social, que é uma das causas supralegais de exclusão da tipicidade, hoje aceito pela doutrina moderna (...) e pela própria jurisprudência.

De um modo um pouco mais rigoroso, Luiz Regis PRADO entende que "as vedações constantes do art. 234, parágrafo único, II e III, tendem a não ser mais passíveis de punição, em decorrência da aplicação do princípio da adequação social" (ob. Cit. p. 704. item 7). Cezar Roberto BITENCOURT, diferenciando, entende que "dificilmente as hipóteses dos incisos I e III serão puníveis, configurando-se a hipótese do princípio da adequação social" (Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 924).

CONFLITO APARENTE DE NORMAS

Quando a conduta delituosa envolver criança ou adolescente, é aplicável a norma dos artigos 240 a 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90), diante do critério da especialidade.

JURISPRUDÊNCIA

O Superior Tribunal de Justiça não aplicou o princípio da adequação social para o crime de escrito ou objeto obsceno, quando envolveu crianças:

PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 234, § ÚNICO, I, DO CP. TIPICIDADE. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. I - O princípio da adequação social não pode ser usado como neutralizador, in genere, da norma inserta no art. 234 do Código Penal. II - Verificado, in casu, que a recorrente vendeu a duas crianças, revista com conteúdo pornográfico, não há se falar em atipicidade da conduta afastando-se, por conseguinte, o pretendido trancamento da ação penal. Recurso desprovido.
(STJ. RHC 15093 / SP. Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120). Relator(a) p/ Acórdão Ministro FELIX FISCHER (1109). Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 16/03/2006. Data da Publicação/Fonte DJ 12/06/2006 p. 499).

Em sentido contrário, reconhecendo a atipicidade da conduta e o consequente trancamento da ação penal, o mesmo Tribunal já decidiu, em relação à campanha publicitária:

PENAL. PROCESSUAL. NUDEZ EM CAMPANHA PUBLICITÁRIA. ATENTADO AO PUDOR. INQUÉRITO. TRANCAMENTO. "HABEAS CORPUS". RECURSO. 1. Se a peça publicitária de roupa íntima não incursiona pelo chulo, pelo grosseiro, tampouco pelo imoral, até porque exibe a nudez humana em forma de obra de arte, não há inequivocadamente, atentado ao Código Penal, art. 234. 2. O Código penal, art. 234, se dirige a outras circunstâncias, visando, efetivamente, resguardar o pudor público de situações que possam evidentemente constituir constrangimento às pessoas nos lugares públicos. 3. A moral vigente não se dissocia do costume vigente. assim quando os costumes mudam, avançando contra os preconceitos, os conceitos morais também mudam. O conceito de obsceno hoje não é mais o mesmo da inspiração do legislador do Código Penal em 1940. 4. É desperdício de dinheiro público manter um processo sobre o qual se tem certeza, antemão, que vai dar em nada. Do ponto de vista do acusado em face dos seus direito constitucionais individuais, é constrangimento ilegal reparável por "habeas corpus". 5. A liberdade de criação artística é tutelada pela Constituição Federal. que não admite qualquer censura. (CF, art. 220, § 2º). 6. "Habeas corpus conhecido como substitutivo de Recurso Ordinário e provido para trancar o Inquérito Policial por falta de justa causa.
(STJ. HC 7809 / SP. Relator(a) Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106). Relator(a) p/ Acórdão Ministro EDSON VIDIGAL (1074). Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA. Data do Julgamento 24/11/1998. Data da Publicação/Fonte DJ 29/03/1999 p. 194; JSTJ vol. 5 p. 379; LEXSTJ vol. 119 p. 306; RCJ vol. 86 p. 160; RDJTJDFT vol. 58 p. 157; REVFOR vol. 348 p. 374; REVJUR vol. 260 p. 104; RT vol. 765 p. 502; RTJE vol. 169 p. 295).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1.

____________ Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. www.stj.jus.br/SCON/ acesso em 01 de julho de 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3.

CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2010.

DELMANTO, Celso. e outros. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 3.

MEROLLI, Guilherme. Fundamentos Críticos de Direito Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2010.

PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010.

Autor: Irving Nagima


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