Resenha: A loucura na sala de jantar



O autor Jaques Delgado vem através deste livro explanar sobre a reforma psiquiátrica com ênfase na Lei nº 180 que impõem a elaboração de soluções alternativas para a assistência psquiátrica, e na cidade de Trieste na Itália, onde deu-se inicio a mobilização por uma cidade sem hospitais psiquiátricos.
Trieste vai além de suas características naturais e culturais, é palco de uma das maiores revoluções na área da psiquiatria. Lá, se vivem cotidianamente sem hospitais psiquiátricos. Onde foi questionado pela primeira vez sobre qual a validade da existência de hospitais psiquiátricos.
O autor esclarece que o hospital psiquiátrico configura um espaço de isolamento e encobrimento do real. Não há questões; não há problemas, tudo funciona de acordo com um conjunto de regras de fácil assimilação. As paredes do manicômio discriminam precisamente quem é normal, do lado de fora, e quem é louco, do lado de dentro. (p.25)
A mobilização para exclusão dos hospitais psiquiátricos tem como proposta a não exclusão, do respeito da pessoa enquanto um ser que sofre, um cidadão que pede ajuda. Em vários momentos a sociedade italiana se viu colocada em xeque, todos foram afetados.
Franco Basaglia deu inicio a mobilização por cidades sem hospitais psiquiátricos, e apenas anos mais tarde esta "luta" teve apoio da Lei nº 180, a qual pela primeira vez na história restituiu o pleno direito à cidadania a todos: antes dela os doentes mentais não tinham este direito. (p.84)
O louco de Trieste não foi abandonado às ruas, mas reconquistou a possibilidade de percorrê-las. Muitos pacientes puderam retornar ao convívio familiar, outros vivem em residências com alguns outros ex-internos. A assistência psiquiátrica continua existindo através do Serviço de Emergência Psiquiátrica do hospital geral e dos Centros de Saúde Mental espalhados pela cidade, que agregam os pacientes e seus familiares, organizam festas e promoções, estabelecem vínculos com os bairros e atendem toda a demanda.
Esta revolução desde o inicio implicou em mudanças consideráveis entre curando-curado, pois no antigo modelo buscava-se diagnosticar, classificar, medicar e curar o doente mental, e agora, com a nova proposta, o médico se vê diante de uma existência que sofre e que pede ajuda, ou seja, passa a ter possibilidades de atuação mais amplas do que no modelo anterior. Basaglia enfatizava a necessidade de o cuidador ver o utente como um ser total, com afetos, dores, sofrimento e, simultaneamente, com possibilidades de opção, luta, reorganização pessoal e exercício pleno de cidadania.
Basaglia queria restituir o "louco" a sua condição de cidadão ? indivíduo que sofre, mas que é acima de tudo um cidadão ? desmascarou estruturas hipócritas que legitimavam a sanidade "dos de fora" em troca da "loucura dos de dentro". Até que ponto o louco é o que esta dentro de um hospital psiquiátrico? Será que loucos não somos nós que estamos fora, que vivemos nesse mundo cheio de regras e ganancia por trabalho e dinheiro?
O autor esclarece o título do livro quando cita: "a loucura abriu portas, pulou os muros dos hospitais para, sem pedir licença, sentar confortavelmente na nossa sala de jantar!". Percebe-se o quão simples e esclarecedora é a frase, pois é exatamente o que acontece com o fim dos hospitais psiquiátricos, o "louco" sai à rua, adentra na sociedade, retomando seu direito de cidadão, e nós temos a chance de perceber nossa própria loucura, sendo então capazes de admitir a sua real existência, não tendo mais porque excluir o indivíduo desviante. O mesmo, ainda cita o seguinte "a minha loucura, como a loucura do outro, não cabe em nenhum hospital psiquiátrico, por maior que seja!".
Porém, desde o inicio do movimento até os dias de hoje, o indivíduo que se considera "normal" tem uma barreira quase insuperável para conviver com o outro, diferente, louco. A sociedade não esta preparada para receber pessoas com transtornos mentais, não sabem como lidar com elas, imagino eu, que devem sentir medo e insegurança das possíveis reações. Não adianta ter outros meios de assistência fora dos hospitais, se a sociedade, a própria família do "louco" que faz parte dessa sociedade não sabe como enfrentar os momentos de crise, não sabe como conviver com uma pessoa "diferente". É preciso buscar entender o significado dos gestos do utente respeitando sua forma de cidadão, buscando outras saídas que não o internamento através de psicofármacos, camisa-de-força, cadeados, e outros, privando sua liberdade.
Mesmo que desconsideremos a originalidade do outro, desperdiçando a chance de descobri-lo e conhecer sua loucura, a minha loucura, a loucura social, uma hora ou outra, todos teremos que "acertas as contas" com a loucura.
A opção por uma sociedade sem hospitais psiquiátricos oferece mais perguntas e desafios que soluções acabadas. É preciso de certa forma "libertá-los" dessas "prisões" constantes que vivem, porém a sociedade não está preparada para deixar o "louco" entrar em sua casa e participar do convívio social, é assustador para quem não conhece e não sabe como agir, tem-se medo do desconhecido. Acostumou-se com a privação da liberdade de quem não segue regras e padrões aceitos socialmente.

Autor: Duane Farinella


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