Comentários Sobre Alteração Do Contrato De Trabalho No Brasil E No Canadá



“COMENTÁRIOS SOBRE ALTERAÇÃO DO
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL E NO CANADÁ”

Por: Rodrigo Moreira de Souza Carvalho
Advogado trabalhista e previdenciário
Rio de Janeiro, junho de 2008

1. A alteração do contrato de trabalho no direito trabalhista brasileiro

Um dos temas que mais suscitam discussão entre aqueles que estudam o Direito do Trabalho é o limite que deve ser imposto ao jus variandi do empregador, durante a relação empregatícia. Partindo-se da premissa de que o contrato de trabalho nada mais é do que a formalização básica de uma relação naturalmente conflituosa entre capital e trabalho, onde o trabalho, na maioria das vezes, não se encontra em iguais condições de negociação, a intervenção do Estado nas relações entre empregados e empregadores encontra justificativas.

Entretanto, a evolução das atividades produtivas e a intensa conectividade existente entre os atores do mercado globalizado ensejam reflexão no tocante à ingerência do poder público nas relações privadas entre empregadores e empregados. De um lado, alguns pugnam pela flexibilização do Direito do Trabalho acarretando uma intervenção mínima do Estado para que patrões e empregados possam, eles próprios, à luz da realidade de cada mercado, negociar e deliberar livremente sobre as condições da relação empregatícia . Essa mesma flexibilização, contudo, é também alvo de críticas, baseadas principalmente nos prejuízos que podem existir para os trabalhadores .

O art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT é extremamente rígido ao tratar da alteração do contrato de trabalho. Decerto que lidamos, no Brasil, com uma participação muito intensa do Estado na relação entre empregadores e empregados, como afirma SÉRGIO PINTO MARTINS:

“O princípio da imodificabilidade do contrato de trabalho reflete uma forte intervenção do Estado na relação entre empregado e empregador, de modo que o primeiro, por ser o pólo mais fraco dessa relação, não venha a ser prejudicado com imposições feitas pelo segundo e decorrentes do seu poder de direção. Daí a necessidade de interferência do Estado, evitando que o empregador altere unilateralmente as regras do pacto laboral. Trata-se, portanto, de norma de ordem pública, que vem restringir a autonomia da vontade das partes contratantes. ”

Temos, portanto, que, no direito brasileiro, a lei impõe rígido limite ao exercício do jus variandi, na medida em que, mesmo com o aceite do empregado, não será lícita a alteração contratual que lhe causar prejuízos, ainda que indiretamente. Uma alteração prejudicial do contrato de trabalho, via de regra, não é apenas ilícita mas nula de pleno direito se levarmos em consideração o disposto no art. 9 do texto consolidado .

A evolução das relações do trabalho, que acarretam a necessidade de maior dinamismo nas mudanças das atividades empresariais, não está sendo despercebida pela cortes trabalhistas brasileiras que, gradativamente, estão passando a deixar de lado a aplicação literal do disposto no art. 468 do texto consolidado para enfrentar cada questão à luz das respectivas peculiaridades envolvidas. Nesse sentido é a opinião de MARCOS CÉSAR AMADOR ALVES:

“(...) - a doutrina e a jurisprudência já não acolhem a ilegalidade, pura e simples, de toda e qualquer alteração unilateral praticada pelo empregador, antagonizando-se com a interpretação literal fornecida ao art. 468 da CLT; - avança o conceito e a aplicação do jus variandi do empregador, em detrimento da identificação da ilegalidade das alterações contratuais praticadas; - o princípio da inalterabilidade contratual lesiva, aparentemente, começa a ser afetado pelo modelo de modificação das condições de trabalho sob a tutela sindical; - os efeitos da flexibilização e da relativização da força imperativa do art. 468 consolidado, dentro da ótica da preservação do ‘bom andamento da empresa’, são visíveis e concretos na doutrina e na jurisprudência atuais. ”

Outros sistemas jurídicos, como por exemplo o canadense, sem deixarem de conferir proteção ao empregado, possuem maior flexibilidade no exercício do jus variandi do empregador, valorizando a autonomia da vontade das partes contratantes.

Nesse contexto, acreditamos ser pertinente o exame de uma recente e importante decisão proferida pelo judiciário canadense a respeito justamente da limitação do jus variandi do empregador na alteração do contrato de trabalho.

2. O caso Wronko v. Western Inventory Service Ltd.

2.1 Fatos

O caso Wronko v. Western Inventory Service Ltd. julgado recentemente (abril de 2008) pela Corte de Apelações de Ontário gerou e ainda gera intenso debate entre os operadores do direito do trabalho naquela província por tratar de um tema cujo precedente pode ensejar a reavaliação dos limites do jus variandi do empregador.

Darrell Wronko ingressou na Western Inventory Service Ltd. em 1987. Em dezembro de 2000, após assumir a posição de Vice-Presidente de Contas Nacionais e Marketing, celebrou novo contrato de trabalho com seu empregador, onde restou consignado seu direito a uma verba rescisória extraordinária, equivalente a dois salários anuais.

Em setembro de 2002, o novo presidente da Western Inventory Service Ltd. apresentou ao referido executivo uma nova minuta de contrato de trabalho, muito semelhante ao documento assinado em 2000, mas com uma diferença extremamente significativa: a redução da referida verba rescisória para o valor equivalente a duas semanas de salário por ano trabalho, limitado ao montante equivalente a trinta semanas de salário. Ou seja, o empregado deixaria de fazer jus a uma verba de 104 semanas para passar a ter direito a apenas 30 semanas, no máximo.

O executivo não aceitou essa alteração contratual. A empresa, em contrapartida, apenas notificou-o no sentido de que, no prazo de dois anos, a alteração passaria a ter efeito. Para tanto, baseou-se num senso comum existente até então entre os operadores do direito locais de que uma alteração contratual significativa como a proposta poderia ser procedida unilateralmente pelo empregador desde que fosse concedido ao empregado um aviso prévio razoável.

Passados dois anos desse evento, em setembro de 2004, a empresa informou por escrito ao executivo que a alteração contratual relativa à verba rescisória estaria em vigor e encaminhou novamente a minuta substitutiva do contrato de trabalho, para assinatura. Naquela comunicação formal, subscrita pelo presidente da empresa, foi expressamente estabelecido que a aceitação dessa nova condição seria fundamental para que a relação empregatícia perdurasse: “Se você não aceitar os novos termos e condições de emprego como delineado, então não teremos um emprego para você” .

Em resposta, Wronko reiterou que não concordava com a alteração imposta e que, consoante os termos da comunicação empresarial, assumia que o contrato de trabalho entre as partes estaria rescindido razão pela qual não se apresentaria mais ao trabalho mas estaria à disposição para auxiliar no processo de transição. A empresa, em contrapartida, registrou que havia se passado o aviso prévio de 104 semanas a propósito da alteração contratual e, conseqüentemente, na falta da assinatura do executivo do novo contrato, permaneceria ativo o anterior, com exceção das verbas rescisórias.

Wronko reiterou em resposta que entendia que seu contrato de trabalho havia sido imotivadamente rescindido pela empresa e cobrou o pagamento das verbas rescisórias inicialmente contratadas (dois salários anuais). Diante da inadimplência da empresa, ajuizou uma ação buscando o reconhecimento judicial da rescisão por quebra contratual da empregadora, pagamento das referidas verbas rescisórias, férias vencidas e indenização por má-fé e para inibir novas práticas indevidas (os chamados “punitive and exemplary damages”).

2.2 A decisão de primeira instância

O Juízo de primeira instância entendeu que a empregadora teria o direito de alterar unilateralmente o contrato de trabalho, desde que concedesse um aviso prévio razoável ao empregado. Nesse sentido, reconheceu que tal medida fora tomada pela Western Inventory Service Ltd., quando a empresa concedeu ao seu executivo um aviso prévio de dois anos acerca da alteração contratual relativa ao valor das verbas rescisórias.

O precedente utilizado pelo juízo de primeiro grau foi o caso Farber v. Royal Trust Co, julgado pela Suprema Corte do Canadá em 1997 , que tratava de um executivo que teria recebido, com aviso prévio de um mês, a notícia de que seria rebaixado na hierarquia organizacional da empresa. Se não aceitasse os novos termos do contrato de trabalho, deveria pedir dispensa. Ele não aceitou e ajuizou uma ação contra a empregadora alegando que essa alteração contratual unilateral daria ensejo a uma “constructive dismissal” (em tradução livre, “dispensa implícita”). A Suprema Corte do Canadá entendeu, naquela oportunidade, que o empregador teria o direito de alterar o contrato de trabalho unilateralmente, desde que a mudança fosse comunicada ao empregado com antecedência razoável.

Sendo assim, na avaliação do ponto primordial para a avaliação do caso na perspectiva da lei e do costume local, para o Juízo de primeiro grau teria sido Wronko a dar causa à rescisão contratual, razão pela qual ele não faria jus ao recebimento de verbas rescisórias e indenizações. Apenas as férias vencidas – confessadas pela empresa durante a instrução processual – foram deferidas.

Inconformado, Wronko interpôs apelação, levando o caso à Corte de Apelações de Ontário.

2.3 A decisão de segunda instância

Na análise do caso em tela, o Juiz Relator da apelação elegeu duas grandes premissas a serem respondidas: (i) teria Wronko sido dispensado pela Western Inventory Service Ltd. através da correspondência enviada em setembro de 2004?; Em caso positivo, (ii) quais deveriam ser as conseqüências dessa dispensa?

A primeira questão foi facilmente respondida consoante a prova dos autos, que davam conta de que, de um lado, a empregadora expressamente informou que não teria um emprego para o executivo se ele não aceitasse o novo contrato de trabalho e, de outro, havia a firme intenção do executivo de não rescindir o contrato de trabalho. Diante disso, partindo da premissa de que não teria sido o executivo a dar causa ao rompimento da relação empregatícia mas sim a empresa, o Juiz Relator passou a avaliar as conseqüências de tal ato empresarial.

Ponderou, nesse sentido, que o caso Farber v. Royal Trust Co não seria o melhor precedente a ser usado para a avaliação do caso em tela porque as premissas fáticas levadas em consideração pela Suprema Corte canadense naquele caso não se mostravam presentes na contenda envolvendo Wronko e sua ex-empregadora. Outro caso, Hill v. Peter Gorman Ltd., julgado pela Corte de Apelações de Ontário em 1957, seria mais adequado à hipótese já que envolvia um carteiro que, durante o curso da sua relação empregatícia, teve diminuída a sua comissão, se posicionou expressamente contra tal mudança mas não foi ouvido pelo empregador e continuou trabalhando. Um ano depois, pediu dispensa, ajuizou ação pleiteado as diferenças de comissão com base no sistema inicial de pagamento e teve êxito na sua empreitada .

Assim, na avaliação do Juiz Relator, a contenda sob análise não poderia ser avaliada como uma suposta “constructive dismissal” tal como no caso Farber v. Royal Trust Co porque a mudança prejudicial do contrato de trabalho de Wronko não teria causado impacto imediato a ele, tal como poderia ter causado, por exemplo, uma redução salarial ou a reversão de uma promoção, justificativas mais comuns de uma “dispensa implícita” (“constructive dismissal”).

Interessante notar que o Juiz Relator, utilizando-se do precedente de Hill v. Peter Gorman Ltd., tratou das três hipóteses que podem decorrer de uma alteração contratual prejudicial ao empregado unilateralmente procedida pelo empregador: (i) o empregado pode, implícita ou explicitamente, aceitar a mudança; (ii) o empregado pode rejeitar a mudança e interpretá-la como um justo motivo para a rescisão contratual (“constructive dismissal”) ou (iii) o empregado pode apenas deixar claro para o empregador que não aceita a alteração, deixando o próximo passo para o empregador, que, por sua vez, pode interpretar a recusa como um motivo para a dispensa do empregado ou nada fazer, aceitando tacitamente a manutenção da redação originária do contrato, sem a alteração pretendida.

Western Inventory Service Ltd., portanto, deveria, quando recebeu a primeira recusa de Wronko em setembro de 2002, ter registrado que aquela recusa seria considerada como motivo para a rescisão contratual e, eventualmente, ter oferecido a celebração de novo contrato de trabalho, com novas condições. A empresa, entretanto, preferiu mantê-lo normalmente em seus quadros até setembro de 2004, razão pela qual, na visão do Juiz relator, deveria ser condenada a pagar as verbas rescisórias determinadas no contrato de trabalho original.

3. Considerações finais

Uma hipotética avaliação jurídica do caso Wronko v. Western Inventory Service Ltd. à luz do direito trabalhista brasileiro não demandaria muitos debates principalmente por conta do nítido prejuízo que o empregado teria com a alteração proposta pela empresa. Mesmo se considerarmos que no Brasil o empregado faz jus a uma indenização legal em caso de dispensa por justa causa, a contratação de uma indenização superior (ex: dois salários anuais) seria perfeitamente lícita conforme o disposto no art. 444 da CLT . Assim, afora a alegação de algum vício de consentimento, a nova administração da empregadora encontraria, no art. 468 da CLT, um óbice intransponível à alteração pretendida.

Outro aspecto cuja comparação entre os dois sistemas trabalhistas mostra-se interessante é o rol de diferentes conseqüências que podem advir de uma alteração do contrato de trabalho promovida no Canadá. Nota-se, da fundamentação utilizada pelo Juízo de segunda instância canadense, que três conseqüências jurídicas distintas podem derivar de uma alteração prejudicial do contrato de trabalho promovida pelo empregador, dependendo, necessariamente, de como o empregado reagirá e de como as partes conduzirão a questão.

Como vimos acima, se o empregado, ainda que apenas implicitamente, concordar com a referida alteração, ela passa a incorporar o contrato de trabalho naturalmente, ainda que em prejuízo do empregado. Portanto, depende primordialmente da postura do empregado a anulabilidade do ato empresarial. No Brasil, a legislação socorre de plano o empregado, que mesmo inerte diante de uma alteração prejudicial, poderá vê-la anulada pelo Judiciário por conta do que dispõem os arts. 9º e 468 da CLT.

Por outro lado, na avaliação das hipóteses à luz da orientação laboral canadense, o empregado pode rejeitar a mudança proposta pelo seu empregador e considerá-la como motivo para a rescisão contratual. Essa possibilidade se aproxima sensivelmente da rescisão indireta do contrato de trabalho regulamentada no art. 483 da CLT. Especificamente a razão elencada na alínea “d” guarda estreita relação com o tema acima estudado, já que em certas situações o empregado no Brasil poderá dar como rescindido o contrato de trabalho quando o empregador não cumprir com as sua obrigações.

No caso Wronko v. Western Inventory Service Ltd., a empresa tinha uma clara obrigação de pagar a verba rescisória de dois salários ao seu executivo, acordada pela sua antiga administração. Não é ocioso lembrar que pela legislação brasileira (arts. 10 e 448 da CLT) o empregado também é protegido contra mudanças na direção do seu empregador.

Já a terceira possibilidade tratada pelo Juiz canadense não encontraria nenhuma guarida na legislação brasileira. Ponderou o referido magistrado que, uma vez recusada a alteração pelo empregado, poderia a empresa interpretar essa recusa como motivo para o rompimento do contrato (podendo inclusive oferecer novo ajuste em substituição) ou quedar-se silente, o que representaria o seu aceite, assim como teria feito a Western Inventory Service Ltd. No Brasil, não haveria espaço para conseqüências como essas pois a alteração manifestamente lesiva ao trabalhador seria considerada nula para todos os efeitos, não tendo relevância os atos que dela tivessem decorrido.

Percebemos, nesse cotejo, que a corte canadense, sem deixar de privilegiar a autonomia das partes contratantes, não abriu mão de refutar a alteração unilateralmente pretendida pela Western Inventory Service Ltd.e manifestamente prejudicial ao empregado. Trata-se, dessa forma, de um exemplo de uma salutar intervenção pontual do Estado na relação entre empregador e empregado, que pode servir de inspiração para aqueles que estudam a redução da intervenção estatal nas relações de trabalho.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALVES, MARCOS CÉSAR AMADOR. Artigo Modificação do Contrato de Trabalho. Disponível em http://www.netlegis.com.br/indexRC.jsp?arquivo=/detalhesDestaques.jsp&cod=12139 (Acesso em 06.06.2008).

CAMPANA, PRISCILA. Artigo O impacto do neoliberalismo no Direito do Trabalho: desregulamentação e retrocesso histórico. Disponível em http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_147/r147-12.PDF (Acesso em 06.08.2008)

DE PAIVA, MARIO ANTÔNIO LOBATO. Artigo Direito do Trabalho Mínimo. Disponível em http://noticias.juridicas.com/articulos/40-Derecho%20Laboral/200003-dereito.html (Acesso em 06.08.2008).

HENRY, MICHELLE L. Artigo “Canada: Unilateral Amendments To Employment Contracts: The Court Of Appeal Clarifies The Law” Disponível em http://www.mondaq.com/article.asp?articleid=60972&email_access=on (Acesso em 16.06.2008)

MARTINS, SÉRGIO PINTO. Comentários à CLT. Editora Atlas. 8ª Edição. São Paulo: 2004. p. 468.


Autor: Rodrigo Moreira de Souza Carvalho


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