Direitos Fundamentais, Livre Desenvolvimento da Personalidade e Biotecnologia.



Os três termos utilizados para titular este breve artigo dão uma ligeira noção da dimensão do estudo que deve ser enfrentamento pelos operadores do Direito. Termos, estes, que não são novos, mas que significam o futuro das relações e das questões jurídicas.
A intersecção do estudo pode ter origem através de uma compreensão de eficácia imediata dos direitos e garantias constitucionais. A partir deste posicionamento, assim como leciona Ingo Wolfgang Sarlet, a Constituição Federal de 1988 expressamente expôs no art. 5, parágrafo 1, que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, considerando-se uma eficácia direta das normas de direitos fundamentais e maior efetividade e proteção possível a estes Direitos. No mesmo sentido, Robert Alexy, considera que o referido dispositivo constitucional é uma espécie de mandado de otimização, que impõe uma maximização da eficácia de todos os direitos fundamentais. Da mesma sorte, há de se ter uma compreensão protetiva dos Direitos Fundamentais, bem como a necessidade de sua concreção, a partir do momento em que se ultrapassa a concepção unidimensional e unidirecional dos Direitos Fundamentais, analisando a construção de uma nova acepção de pessoa humana a partir de seu livre desenvolvimento da personalidade.
Para isto, se faz necessário entender e compreender o que é a pessoa humana, não devendo esta ser tratada apenas como sujeito de direito, mas sim como um ser humano, pessoa concreta, com suas possibilidades, aptidões, necessidades e singularidades. Judith Martins-Costa, quanto a este tema, se posiciona no sentido de considerar "as pessoas concretas, os seres humanos de carne e osso, tão fundamentalmente desiguais em suas possibilidades, aptidões e necessidades quanto são singulares em sua personalidade, em seu ?modo de ser? peculiar."
A partir desta compreensão, em uma dimensão completa dos Direitos da Personalidade, desenvolve-se a concepção de um novo princípio que passa a atuar, implícita ou explicitamente no universo constitucional: o princípio do livre desenvolvimento da personalidade. Ponto, este, de extrema relevância frente às questões da biotecnologia.
Para compreensão, ainda que breve, vislumbra-se a personalidade humana como constituição de um todo, um complexo multifacetado, singular e unitário (e não a mera soma das partes), merecedora de garantia e tutela no seu particular modo de ser e em todos os variados aspectos que a singularizam. Isto significa dizer, nos termos de Paulo Mota Pinto, que as situações jurídicas existenciais respeitantes à própria pessoa ou "sobre alguns fundamentais modos de ser, físicos ou morais, da personalidade" não constituem "uma pluralidade taxativa de direitos, incidindo cada um sobre um particular aspecto da personalidade". Antes de tudo, merece uma perspectiva unitária para se poder admitir um "complexo de direitos de personalidade referido à personalidade no seu todo".
Registre-se a lição do professor emérito da Universidade de Munique, H. Scholler, para quem a dignidade da pessoa humana apenas estará assegurada "quando for possível uma existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade". Nas mãos de Gustavo Tepedino, o princípio da dignidade da pessoa humana ganha contornos de ?cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana?, ou dito de outra forma, é o ?valor máximo? de nosso ordenamento jurídico.
Em virtude destes inúmeros aspectos merecedores de proteção à pessoa humana, necessário se faz estender a tutela da Personalidade a situações ainda não concretas, atípicas, que merecem ser enfrentadas para bloquear, ou diminuir, as lesões à personalidade. Como afirma Mota Pinto "um ?direito geral de personalidade? concebido nestes últimos termos, teria como objectivo a personalidade humana em todas as suas manifestações atuais e futuras, previsíveis e imprevisíveis". O mesmo autor ainda acrescenta "esse direito conferiria uma tutela geral que, para além de se adequar melhor à irredutível complexidade da personalidade humana, pode incluir bens da personalidade não tipificados. O direito geral de personalidade é, neste sentido, ?aberto? sincrônica e diacronicamente, permitindo a tutela de novos bens, e face a renovadas ameaças à pessoa humana".
Dentre estas situações atípicas ainda não vislumbradas, pelo menos juridicamente falando, temos as provenientes do avanço biotecnológico. Temas polêmicos e complexos envolvem a discussão dos progressos (especialmente) da área médica diante das normas definidoras de direitos fundamentais, aqui, especialmente, diante da garantia do direito geral de personalidade e seu livre desenvolvimento.
Visível e nítida é a importância de tal enfrentamento de estudo na ponderação dos princípios e nos (possíveis e) inevitáveis conflitos a serem enfrentados. Observa-se, assim, que os temas da biotecnologia além de controversos, contemplam complexas peculiaridades que o mantém em umbral onde deve se debruçar o intérprete na busca da solução de cada caso concreto, exercitando-se incessantemente a ponderação dos direitos em conflito.
Nesta linha, há que não apenas interpretar os textos legais em si, mas também os fatos a que estes se encontram referidos, há que se proceder uma cuidadosa investigação acerca de quais realidades da vida que se encontram afetadas ao âmbito de proteção dos direitos fundamentais examinados.
Assim, um equacionamento sistemático e constitucional adequado, para que, na perspectiva do princípio da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, vislumbre-se uma possibilidade de conjugação ao princípio emergente do Livre Desenvolvimento da Personalidade.

Autor: Laura Affonso Costa Levy


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