ADI 4.277 - Análise do voto do Ministro Relator








DIREITO



Direito Civil

Prof. Artur Luis Pereira Torres


ANÁLISE DO VOTO PROFEIRDO PELO SENHOR MINISTRO RELATOR AYRES BRITTO NA ADI 4.277.



Rafael Oliveira Lemos




PORTO ALEGRE, JUNHO DE 2011.

SUMÁRIO
SUMÁRIO 2
INTRODUÇÃO 3
Análise do voto do Sr. Ministro Relator na ADI 4.277 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS 10
BIBLIOGRAFIA 11
SITES CONSULTADOS 11


INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi apresentado como requisito parcial para composição de nota na cadeira de Direito Civil VI - Famílias, ministrado pelo ilustre professor Arthur Torres, sendo a cadeira cursada durante o primeiro semestre de 2011 nas Faculdades Rio-grandenses (FARGS).
Consiste este trabalho na análise do voto proferido pelo Senhor Ministro Relator Ayres Britto quando do julgamento da Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) 4.277 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), embasada com fundamentos teóricos de pontos técnicos do voto.
Em síntese, o pedido contido é de reconhecimento das uniões homoafetivas em equiparação à união estável, pois vedado o preconceito por escolha sexual. Para tanto, pede-se a interpretação conforme a Constituição do artigo 1.723 do Código Civil para o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo.
Para delimitar o escopo do trabalho, os pontos fundamentados serão aqueles elencados pelo autor como de interesse (pontos de matéria constitucional), bem como aqueles pertinentes à matéria estudada na cadeira de direito civil VI no decorrer do semestre da graduação.
No discorrer desta análise serão apresentados, fielmente às respectivas obras, os ensinamentos dos doutrinadores, sendo que a pesquisas bibliográficas foram efetuadas no acervo disponível na biblioteca da Faculdade, bem como em materiais próprios do aluno.
Finalizando, apresentamos as considerações finais para o fechamento deste trabalho, além da bibliografia.


Análise do voto do Senhor Ministro Relator na ADI 4.277

O voto é aberto com a explicação pelo Relator de que passaria primeiro ao exame do pedido feito pelo autor da Ação de Declaração de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132-RJ, qual seja pedido de aplicação da técnica da "interpretação conforme a Constituição" a determinados artigos do Decreto-Lei 220/1975 (RJ).
Oportuna a lição de Paulo Bonavides :

"A interpretação das leis "conforme a Constituição", se já não tomou foros de método autônomo da hermenêutica contemporânea, constitui fora de dúvida um princípio largamente consagrado em vários sistemas constitucionais.
(...)
Em rigor não se trata de um princípio de interpretação da Constituição, mas de um princípio de interpretação da lei ordinária de acordo com a constituição.
(...)
O método é relevante para o controle da constitucionalidade das leis e seu amplo emprego dentro de razoáveis limites representa em face dos demais instrumentos interpretativos, uma das mais seguras alternativas de que se pode dispor o aparelho judicial para evitar a declaração de nulidade das leis.

Ainda sobre a referida ADPF, explica o Relator que como a Lei fluminense já prevê o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo para fins previdenciários, neste ponto específico a ADPF perderia seu objeto, ante a regulamentação da matéria.
Passa, então, a explicar que lhe foi redistribuída a ADI 4.277, a qual versa sobre o mesmo tema central.
Desta forma, e tendo pedido subsidiário na ADPF, converte esta em ADI e a recebe "em par com a ADI 4.277". Destacando, ainda, que "pela primeira vez no curso de sua longa história" o egrégio STF iria apreciar o mérito relevante a controvérsia em torno da união de pessoas do mesmo sexo.
Em síntese; reconheceu de início, a ADPF 132-RJ como ADI, a qual reprisa a mesma proposta da ADI 4277-DF, qual seja submeter o art. 1.723 do Código Civil à técnica da "interpretação conforme a Constituição".
Como preliminar de mérito, deu-se o Ministro como satisfeito quanto ao requisito da pertinência temática para a propositura da primeira ação de controle concentrado de constitucionalidade. Reconheceu a habilitação processual ativa do Procurador-Geral da República para postular. Consequência disto é o conhecimento da ADI 4.277.
Vencidas as preliminares, passa ao voto, onde já inicia dizendo que procede o pedido das partes de utilização da técnica da "interpretação conforme" ao já citado art. da lei 10.406/02.
Passa então a fazer uma análise epistemológica sobre o termo "homoafetividade", para constar que o termo não constava nos dicionários da língua pátria, sendo utilizado pela primeira vez em obra literária da jurista Maria Berenice Dias.
Após discorrer brevemente sobre o termo homoafetividade, no sentido de esclarecer a terminologia (relação entre seres do mesmo sexo), passa propriamente a análise de mérito da questão proposta.
Considera, então, que o "sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica".
Nesse sentido é o magistério de José Afonso da Silva :

"A questão mais debatida feriu-se em relação às discriminações dos homossexuais. Tentou-se introduzir uma norma que vedasse claramente, mas não encontrou uma expressão nítida e devidamente definida que não gerasse extrapolações inconvenientes. Uma delas fora conceder igualdade, sem discriminação de orientação sexual, reconhecendo, assim, na verdade, não apenas a igualdade, mas igualmente a liberdade das pessoas de ambos os sexos adotarem a orientação sexual que quisessem.".

Abre-se então debate sobre a questão do preconceito, especificamente sobre o fundamento contido no inciso IV do art. 3º da Carta Magna , que ao vedar o preconceito coloca em pé de igualdade o sexo à origem, à idade, à raça e à cor de pela de cada indivíduo, portanto o sexo nada tem a ver com o merecimento ou não da pessoa.
Não obstante, diferencia sexo enquanto classificação físico-biologica, sexo enquanto conjunção carnal, e por fim, sexo quanto à reprodução e que a Constituição não dispõe de maneira expressa sobre estar três formas de classificação; e em nosso ordenamento "tudo o que não for proibido ou obrigado é permitido", tudo isso na idéia de que o "silêncio legislativo" é uma forma de respeito a uma condição que aflora de modo instintivo em determinados seres e que cabe a escolha de cada um (sua orientação sexual).
Entende o Relator ser uma proteção constitucional à livre disposição sexual do indivíduo, citando, para tanto, Nietzsche "torna-te quem és". Invocando que a preferência sexual seria uma emanação direta do Princípio da Dignidade Humana (inciso III do art. 1º da CF ).
Na clássica lição de José Afonso da Silva , seus ensinamentos sobre a dignidade da pessoa humana:

"Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem.
O conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucinal e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais.".

Desta forma, considera Ministro que a Constituição (1) vedou o preconceito em razão do sexo e (2) não obriga nem proíbe o uso da sexualidade humana, da análise combinada destes preceitos resta que o uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade, constituindo-se direito equiparado às clássicas liberdades individuais e mais, que tal direito se concretiza através dos direitos a intimidade e a privacidade.
Na doutrina, entendimento extraído da obra de Paulo Lôbo segue a mesma linha, como se transcreve:

"As uniões homossexuais seriam entidades familiares constitucionalmente protegidas? Sim, quando preencherem os requeisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade e tiverem finalidade de constituição de família. A norma de inclusão do art. 226 da CF apenas poderia ser excepcionada se houvesse outra norma de exclusão explícita da tutela dessas uniões.
(...)
A ausência de lei que regulamente essas uniões não é impedimento para sua existência.".

Após este debate, começa a se indagar se a Constituição Federal sonegaria aos parceiros homoafetivos as mesmas proteções aos casais heteroafetivos, quando em situação de união voluntária estável e duradoura.
Para responder ao questionamento, iniciou o Relator uma análise do Capítulo Constitucional que contém a matéria de família, do casamento civil, da união estável, do planejamento familiar e da adoção.
Dentre as previsões contidas na Legislação Constitucional (arts. 226 e sgts), o que mais interessa é o caput do art. 226 da CF .
Alusivo à família, referido artigo foi concebido como proteção estatal ao instituto em questão, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrado por casais heterossexuais ou homoafetivos. Inclusive, comparando a outros artigos da Constituição, prevalece a diretriz de não-atrelamento da formação da família por casais homo ou hétero.
Aduz que a família é uma complexa instituição social em sentido subjetivo.
Convém neste ponto, conceituar, de maneira breve e objetiva os cinco institutos apontados, eis que pertinentes com o conteúdo ministrado na cadeira de direito civil VI ? famílias.
Para tanto, utilizaremos o conteúdo da obra de Paulo Lôbo

"Família ? Em suma, grupo social formado por pessoas relacionadas por laços biológicos ou afetivos. Núcleo de convivência.
Casamento Civil ? Ato jurídico negocial solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família,pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado.
União Estável ? É entidade familiar constituída por homem e mulher que convivem em posse do estado de casado, ou com aparência de casamento.
Planejamento Familiar ? Conjunto de ações de escolha do casal sobre forma de constituição da família.
Adoção ? Forma de filiação, sendo vedada qualquer distinção entre filhos da relação e filhos adotados."

Após conceituar, voltando a análise do voto em tela, tem-se que a família é a base da sociedade, forma de vida coletiva inclinada ao crescimento dos seus integrantes, estes em estado de comunhão de interesses, valores e consciência.
Desta feita, volta a afirmar no item 33 que a Constituição Federal não faz nenhuma diferenciação quanto a maneira como é constituída a família, no objeto, quanto a orientação sexual de seus integrantes. Salientando que o termo família, na Constituição, não possui significado ortodoxo, e sim sentido coloquial frente a realidade do mundo do ser.
Tendo feito se entender quanto ao sentido de família, passa a analisar questões relativas ao casamento civil, que sua celebração é gratuita, que é forma de constituição da família, que os direito e deveres são exercidos de maneira igual pelo homem e pela mulher, que entidade familiar e família são sinônimos, que as diferenças entre casamento e união estável já são relatadas pela Constituição.
Faz menção a família monoparental, aquela constituída PR qualquer um dos pais e seus descendentes, considerando que não se pode inferiorizar esta categoria em face do casamento ou da união estável.
Finalizando, entende que a lei não faz distinções, no que tange o instituto da adoção, quanto ao adotante "homo" ou "hetero", sendo que, inclusive, é possível a adoção por somente uma pessoa adulta, não se distinguindo entre solteiro ou casado, ou em regime de união estável. Há de se observar as medidas de defesa do adotando, sem preconceito se preenchido os requisitos.
Dando por suficiente a análise, julgou, em caráter preliminar, parcialmente prejudicada a ADPF 132-RJ, e na parte remanescente, dela conheceu como ADI. No mérito, julgou procedente as duas ações em tela, dando ao art. 1.723 do CC interpretação conforme a Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, sendo esta sinônimo perfeito de família. Reconhecimento que deve ser feito pelas mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Impensável nos dias de hoje a idéia de preconceito por opção sexual, porém é somente nestes mesmos dias em que reconhecemos para fins de direito a união entre pessoas de mesma orientação sexual.
Sempre houve, e ainda haverá muitos tabus sobre o tema. A história mostra que sempre houve discriminação e preconceito quanto às minorias e aqueles que apresentam um comportamento dito "fora do normal".
Acontece que a sociedade evolui, e evoluiu até um momento em que a garantia de liberdade das pessoas fez com que os indivíduos assumissem as suas "diferenças" e erguessem a voz quanto ao respeito de seus direitos, mostrando que o normal é sermos mesmos diferentes uns dos outros.
O direito existe para regular as situações emanadas da vida em comunidade e não pode deixar de reconhecer as mais variadas formas de comportamento humano, seja para o correto ou para o errado.
Nesta esteira, a procedência do pedido da ação analisada é um marco no respeito às liberdades individuais.
Em síntese, grosso modo, foi reconhecida a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, e todos os seus reflexos jurídicos na vida das pessoas.
Tecnicamente falando, foram julgadas duas ações, a ADPF 132-RJ e a ADI 4.277-DF, sendo a primeira recebida em seu pedido subsidiário na forma de ADI, sendo julgada juntamente com a segunda por tratarem do mesmo objeto. Como a Constituição Federal veda o preconceito e não dispões sobre o uso da sexualidade do indivíduo, foram julgados procedentes os pedidos contidos nas ações para aplicação da técnica da interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do Código Civil, para ao final equiparar as uniões homoafetivas às uniões estáveis de casais heterossexuais, desde que preenchidos os requisitos da lei. Tal decisão tem seus reflexos em tradicionais institutos como a adoção ou a família.
Tal decisão é um avanço, pois em uma sociedade democrática de direito a lei deve ser a representação de uma sociedade, e para tanto, deve avançar e se moldar com a mesma velocidade com que os fenômenos sociais acontecem.

BIBLIOGRAFIA
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores. 11ª Ed. São Paulo, 2001.

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed. Malheiros Editores. São Paulo, 2006.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 3ª Ed. Saraiva. São Paulo, 2010.



SITES CONSULTADOS
www.fargs.br, no link "estágios / TCC", documento "normas para formatação de trabalhos acadêmicos".

WWW.planalto.gov.br ? Consultas à legislação.

Autor: Rafael Oliveira Lemos


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