Rumo à Estação Finlândia - Resumo comentado



Obs.: as indicações de páginas (em parênteses) são da edição de 1986, Editora Schwarcz/ Cia. Das Letras, São Paulo ? SP)

Giovani Vico, italiano, propõe em 1725 um modelo de estudo da história baseado na compreensão da dinâmica social; é a história concebida como ciência.
Jules Michelet, baseado nas idéias de Vico, escreveu uma História da Idade Média; trabalhando como funcionário dos Arquivos, fez uma intensa pesquisa documental, coisa incomum para as obras da época; rompe com o romantismo na medida em que busca explicar estruturalmente os acontecimentos; faz uma análise anacrônica ao explicar a Idade Média como preparação para a Renascença (17). Sua grande obra é História da Revolução Francesa; nela ressalta as contradições fundamentais: solidariedade de classe x dever patriótico; individualismo x solidariedade (23).

Aquele que sabe ser pobre sabe tudo. (J. Michelet)

Características do método de Michelet (24):
? Estuda as inter-relações das diversas formas de atividade humana.
? Procura ver o passado como presente, sem horizonte definido; esforço para eliminar o anacronismo.
? Ênfase no grupo, não nos líderes. O ator principal é o povo.
? Sua narrativa alterna o close-up sobre um indivíuo para o movimento do grupo local e daí para a visão analítica do todo (25).

Quando se é alguém, por que querer ser algo ? (Flaubert)(42)

Edmund Wilson ilustra o refluxo revolucionário após a ascensão de Napoleão III (1851) citando Renan e Taine como exemplos do desinteresse pela revolução (52). Anatole France comemorou a derrota da Comuna, embora vá defender Dreyfuss em 1895 (61). Os três escrevem sobre a Revolução Francesa dentro do espírito romântico; Anatole vai se definir mais tarde como socialista.
De Michelet a Anatole France o autor faz uma análise do ideário da revolução burguesa, de seu apogeu (1830), declínio e dissolução (70).

Origens do Socialismo

O autor inicia citando as idéias de Graco Babeuf, militante da Revolução Francesa que fundou a Sociedade dos Iguais (1795); seu ideário fala do fim da propriedade privada e da comunização da sociedade; suas idéias assustaram o Diretório; foi guilhotinado em 1797 com mais 30 seguidores (78,79).
Mas o ideário socialista do século XIX remonta ao Conde de Saint-Simon; ele lutou na Revolução Americana mas manteve-se longe dos acontecimentos da Revolução Francesa; viajou pela Europa e estudou diversas ciências. A partir de 1802 começou a escrever defendendo a formação de uma sociedade baseada na meritocracia e focada em ajudar as classes mais pobres. Morreu na miséria, em 1825 (85). No leito de morte previu a formação de um partido de trabalhadores.
Em seguida descreve as comunidades criadas por Charles Fourier e Robert Owen, dois humanistas desiludidos com a sociedade liberal. Fourier permaneceu no campo das idéias, seu projeto não se concretizou e ele morreu em 1837. Owen criou uma comunidade com os trabalhadores de um cotonifício administrado por ele. Seu discurso radical (contra a propriedade privada, a religião e o matrimônio) causou reações violentas. Em 1826 criou uma comunidade nos Estados Unidos, que durou 3 anos. Outras tentativas comunitárias na Inglaterra e Irlanda acabaram com seu dinheiro. Militou algum tempo no movimento sindical cartista, sem êxito. Morreu em 1858.

A Experiência Americana

Albert Brisbane, discípulo de Fourier, criou nos EUA comunidades conhecidas como falanstérios; esse movimento faz parte das utopias religiosas e sociais que se espalhariam pelo oeste americano neste período. Inclui comunidades como a dos icarianos, que duram de 1848 a 1895, e até a Comunidade Oneida, de John Humphrey Noyes, ativa entre 1847 e 1879; Noyes se tornou mais famoso pelas idéias de casamento aberto e controle natural da natalidade do que pelo ideário de reforma social.

Marx

Formou-se em direito (1841), mas era fascinado por filosofia. O meio filosófico alemão é então dominado pelas idéias de Hegel; e alguns grupos começam a utilizar as idéias hegelianas a partir de um sistema ateísta (119-120). A partir de 1842 atua como jornalista; estudando as idéias de Feuerbach faz uma releitura de Hegel e começa a conceber um sistema próprio.

Até agora os filósofos só interpretaram o mundo; é hora de transformá-lo. (Marx)

Engels viveu dois anos na Inglaterra e acompanhou de perto as condições de vida da nascente classe proletária inglesa (132). Quando Engels publicou suas conclusões, em 1844, Marx escreveu-lhe; logo se tornaram parceiros (137).
Marx desenvolveu a idéia do conflito de classes como motor da história em 1845. Em 1847-48 sai o Manifesto Comunista; o texto apresenta uma teoria geral da história, uma análise da sociedade européia e um programa de ação revolucionária. Participam da agitação revolucionária de 1848.

Edmund Wilson faz uma análise crítica do pensamento marxista, e de como Marx/Engels foram mal interpretados por muitos marxistas; toma por exemplo a questão da dialética; Marx usa o termo não como o método argumentativo de Sócrates, mas a partir do principio da mudança proposto por Hegel. Para o filósofo alemão a dialética é uma lei que rege tanto os domínios da lógica como o mundo natural e a história; segundo ela todos processos de mudança possuem um elemento de uniformidade: atravessam um ciclo de três fases; a primeira fase (tese) é o processo de afirmação e unificação; em seguida vem a dissociação e negação da tese (antítese); porfim ocorre uma conciliação entre tese e antítese (síntese). Aplicada ao processo histórico, Hegel cita como exemplo a República Romana (tese); a antítese está representada pelas guerras civis e a crise do modelo republicano; a síntese é a implantação de uma ordem autocrática, o Império Romano.
Marx e Engels adotam o mesmo principio, e diferente de Hegel o projetam para do futuro: a sociedade burguesa é a tese; a antítese é o proletariado; e para eles a síntese seria a sociedade comunista.
Enquanto Hegel vê um principio que ele denomina Idéia Absoluta se auto-realizando através do mundo material, Marx inverte essa lógica de ponta cabeça: as idéias são humanas, e traduzem a matéria dentro da mente humana. Daí materialismo dialético, e o entendimento simplista de que a economia é a grande mola do esforço humano, e tudo ocorre por conta de uma motivação econômica; para Edmund Wilson isso é uma leitura equivocada do próprio Marx. Engels esclarece que não há essa prevalecência do fator econômico (176) e dá exemplos históricos: a produção artística é muitas vezes mais desenvolvida em épocas de problemas econômicos do que em períodos de progresso; e conclui (carta a Joseph Block, 21/09/1890): o fator econômico não é o único determinante, mas a produção e reprodução da vida real constitui em última análise o fator determinante na história (no sentido de apropriação de valores culturais por outras sociedades)(180).
O autor considera irônico que o pensamento marxista, ao afastar-se da metafísica hegeliana, terminará construindo uma mística materialista; há uma trindade sagrada (tese-antitese-sintese), e a dialética torna-se um espécie de demiurgo (188), uma força divina irresistível que move a história; os marxistas se esforçam na crença de que são agentes dessa força sobre-humana.
Outro elemento que contribui para as simplificações futuras é o esforço de interpretação histórica fortemente centrado na motivação econômica que Marx e Engels inauguram (materialismo histórico); Engels, sobretudo, empenhado em compreender a transição do feudalismo para o capitalismo, vai revolucionar o pensamento histórico da época com as idéias de modos de produção e lutas de classes. A crítica inclui ainda o conceito de mais-valia, a apropriação do trabalho que gera o lucro dos industriais; o conceito de lucro gerado exclusivamente pelo valor-trabalho é economicamente insustentável, e o próprio Marx admite problemas com o conceito em rascunhos publicados postumamente (282).
Atribui a interpretação moral que Marx faz da economia à sua formação como judeu; para o autor a característica básica do pensamento judeu é o julgamento moral; isso explicaria também a intransigência com que combate a sociedade burguesa. Recém saído do cativeiro medieval do gueto, o judeu vê a sociedade com outros olhos. Este mesmo olhar permitiu a Freud enxergar o mundo proibido dos instintos sexuais (292).
A tremenda violência e animosidade de O Capital parece terem sido influenciadas pelos anos que o próprio Marx viveu na miséria em Londres; as obras anteriores ao período londrino se destacam pelo entusiasmo revolucionário; as obras posteriores são mais ferinas em ataques ao capitalismo. Marx é completamente cético em relação à democracia; foi criado num país autoritário e sempre imprimiu uma administração profundamente autoritária ao movimento socialista; só concebe transformações a partir de revoluções sangrentas. Ignorou completamente a eleição de deputados socialistas para o Reichstag, a partir de 1867, e o caminho intermediário de conquistar direitos e concessões a partir de pressão eleitoral.
Devido às perseguições políticas Marx passa a viver em Londres, em condições de extrema pobreza, que serão a causa da morte de um filho e das constantes crises nervosas da esposa. Engels permanece na Alemanha e trabalhando nos negócios da família,e vai praticamente sustentar o amigo.
A partir de 1860 o movimento sindical torna-se mais organizado (250); em 1864 Marx participa da 1ª. Reunião da Associação Internacional dos Trabalhadores, e logo passa a controlar a entidade; em 1869 ela reúne 800.000 membros em toda Europa.
Passado o entusiasmo com a Comuna (1870), Marx e Engels concentram-se na produção teórica. Como salienta o autor, o pensamento marxista não é um sistema acabado: os dois últimos livros de O Capital saíram postumamente, quase 12 anos após a morte de Marx (1883); Engels morreu em 1895. Coletâneas de rascunhos e notas sobre diversas questões doutrinárias que permaneciam em aberto foram publicadas muitos anos depois, quando o pensamento marxista já estava consolidado.

Bakunin nasceu em 1814 (254), numa família aristocrática proprietária de terras; fascinado com as idéias de Hegel, mudou-se em 1840 para a Alemanha. Logo tornou-se revolucionário; esteve em Paris (1848) e no levante de Dresden (1849); esteve preso por 8 anos e foi deportado para a Rússia. Escapou na Sibéria e retornou à Europa passando pelo Japão e EUA (259). A partir de 1868 colabora com a Internacional e os movimentos sindicais; trabalhou algum tempo com Marx, mas logo romperam ligações; suas idéias anarquistas são ainda mais radicais que o ideário comunista: não basta acabar com a propriedade privada; o próprio Estado deve acabar. Morreu em 1876. Edmund insinua que o ardor destrutivo das idéias de Bakunin tem relação com um drama pessoal: as relações incestuosas com as irmãs durante a adolescência e a impotência sexual que teve provavelmente durante toda a vida (255).

Vladimir Ulianov nasceu em 1870; em 1887 seu irmão foi enforcado por participar de um complô para assassinar o Czar. A despeito da perseguição política formou-se em Direito. Altera períodos na prisão com o exílio. Após a ruptura do movimento social-democrata passa a liderar a facção dos bolcheviques. Edmund tem evidente admiração por Lênin; admira seu idealismo e rigidez moral, e sobretudo o senso prático demonstrado em seus textos; considera que a instalação dos sovietes indica os propósito humanitários, democráticos e antiburocráticos do líder (449). O nome da obra (Estação Finlândia) homenageia exatamente o momento em que Lenin chega à Rússia, desembarcando em São Petersburgo na estação que leva este nome.

Trotsky (Lev Davidovitch) nasceu em 1879; tentou reconciliar Lênin com os mencheviques; preso na revolta de 1905, escreverá uma importante análise do movimento; fará o mesmo mais tarde com a revolução de 1917. Faz uma análise teleológica da história: toda a história caminha em direção ao triunfo final do socialismo.

A análise que Edmund Wilson faz da Revolução Russa é demolidora: para ele não passa de uma revolução burguesa no estilo da Revolução Francesa, motivada pela necessidade de derrubar o estado absolutista para implantar reformas modernizadoras. A nobreza é derrubada e substituída por um aparelho estatal centralizado; os burocratas da nova estrutura constituem um nova elite social; na prática as distinções de classe continuam na nova sociedade socialista. Lênin é sucedido por um de seus lugar-tenentes através de engodo e distribuição de favores; o governo de Stalin não deixa nada a dever ao dos czares (450).

Comentários Finais

O autor evidentemente não é marxista; Edmund Wilson é profundamente crítico em relação ao ideário socialista, e não vê grande diferença entre os socialistas utópicos e dialética pretensamente científica de Marx. O livro foi escrito em 1940, durante a aliança Hitler/Stalin, e retrata claramente as dúvidas quanto ao futuro do movimento socialista que havia então no meio acadêmico norte-americano.
Sua motivação para escrever a obra é uma genuína admiração pelo romantismo idealista do início do socialismo, o sonho de criar uma sociedade mais justa apoiada em bases igualitárias; e ao mesmo tempo destruir a aura de infalibilidade do pensamento marxista. O conjunto de idéias de Marx é para o autor uma mistura de judaísmo tradicional, rousseaunismo do século XVIII e utopismo do início do XIX (444); e arremata:
"Não basta que o Estado assuma o controle dos meios de produção e se estabeleça uma ditadura que defenda os interesses do proletariado para que esteja garantida a felicidade de ninguém ? exceto a dos próprios ditadores."


Autor: Marcelo Leandro De Campos


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