Projeto Interdisciplinar De Ensino: Oficina De Leitura E Produção De Textos Para O Curso De História, 1998



Muito se tem falado acerca das dificuldades que alunos de todos os níveis de escolaridade encontram quando têm que produzir textos. As práticas escolares nas universidades exigem trabalhos monográficos, desempenho em provas de natureza discursiva, leituras e subseqüente organização de resumos, sínteses, relatórios de estágios e, mais adiante, na pós-graduação, a produção de dissertações e teses. Na vida profissional, fora da escola, a necessidade de redigir cartas comerciais, memorandos e relatórios técnicos e uma infinidade de outros textos dificulta constantemente o trabalho das pessoas. Assim, as dificuldades não são prerrogativas de estudantes e não se restringem ambiente escolar, mas, ao contrário, permeiam todas as situações em que a escrita é utilizada como meio de comunicação.

As deficiências de escrita são apontadas pelos professores e detectadas pelos próprios alunos, ao longo do próprio curso realizado em nível de graduação. Mas, sabe-se, que elas provêm de práticas pedagógicas e, por vezes, são agravadas por problemas sociais, que permeiam toda a vida escolar e social do aluno, desde seus primeiros contatos com o mundo da escrita.

A ilusão de que basta participar de cursos de curta duração oferecidos para grupos se desfaz e faz cair por terra a possibilidade de aquisição de habilidades de escrita, quando professores e alunos que apostaram nesse caminho, mostram-se frustrados com os resultados das tentativas.

A maioria dos falantes nativos do português, quando solicitada a opinar sobre sua língua, responderá sem hesitar que ela é muito difícil. Pode-se imaginar que esta opinião parte de pessoas pouco ou nada escolarizadas, mas não é o que ocorre. Curiosamente, esta avaliação parece aumentar, na mesma proporção em que aumenta o nível de escolaridade de quem a emite, despertando a análise crítica quanto à pedagogia de ensino utilizada na escola.

Convém refletir sobre a origem desse conceito generalizado que os usuários têm da Língua Portuguesa, ou seja, das dificuldades de aprendizagem que permeiam esse tipo de afirmação. Em primeiro lugar, devem-se considerar as diferenças entre as modalidades da fala e as da escrita. O aluno vai à escola para aprender a utilizar-se da escrita, mas a fala ele aprende em casa e no seu círculo social, antes mesmo de ingressar oficialmente na escola.

Há no Brasil, atualmente, uma vasta literatura mostrando que as diferenças entre a oralidade e a escrita são tantas que permitem considerar a coexistência de duas sintaxes: uma da fala e outra da escrita . A constatação dessas diferenças evidencia o foco da origem de diversos problemas no ensino da Língua Portuguesa na escola, sendo que, para o aluno e, muitas vezes, para o professor, tais dificuldades não são detectadas a tempo e resolvidas adequadamente.

Estudos lingüísticos já mostraram que, do ponto de vista científico, seria equivocado afirmar que uma língua ágrafa, de léxico reduzido, seja mais fácil que línguas de sociedades economicamente mais desenvolvidas, como o inglês, por exemplo. Mas, do ponto de vista empírico, o vocabulário de uma comunidade lingüística pode aumentar na mesma proporção de sua criatividade, uma vez que o homem importa novas palavras ou inventa, em função da sua necessidade de nomear o mundo ao seu redor.

Como exemplo há informática, computador, internet, aeronave, álgebra, etc., que certamente não fazem parte do vocabulário dos índios Kaigange, habitantes de uma reserva indígena próxima a Londrina. Isso, no entanto, não autoriza ninguém a proclamar a inferioridade de uma língua em relação a outras.

Faz-se necessário, aqui, relatar uma experiência de acompanhamento e orientação de trabalhos acadêmicos, justamente por seu caráter interdisciplinar como proposta de ensino da língua, especialmente de redação, com outros cursos que, de alguma forma trabalham com análise e produção de textos.

Com o objetivo de oferecer atendimento pedagógico a alunos do curso de graduação em História, que apresentam dificuldades em leitura e escrita de textos acadêmicos, uni-me a um grupo de colegas de Letras e História para desenvolver um projeto de ensino, com a finalidade de acompanhar as atividades de leitura e escrita desses acadêmicos, de 1998 até o ano 2000, preparando–os para pesquisa científica e montagem de seu arquivo pessoal de estudo.

A metodologia empregada no âmbito do projeto inspirou-se na obra de Platão e Fiorin (1990), Para Entender o Texto: Leitura e Redação, na qual reconheço a tendência semiótica das orientações fornecidas. Os autores situam as modalidades de texto temático – de caráter mais abstrato - e texto figurativo – mais factual e concreto. O nível de um texto dissertativo exige poder argumentativo e que o seu produtor apresente argumentos persuasivos e ordenados que sustentem ou questionem seu ponto de vista. O que se espera de um texto dissertativo é que seu autor lance uma idéia ou uma tese e a sustente com argumentos, refutando idéias contrárias (fator de persuasão da linguagem).

Acredito que, com procedimentos centrados em equilíbrio temático e figurativo, generalizações indevidas (cf. Platão e Fiorin) possam ser eliminadas, uma vez que o aluno opinará sobre as figuras, isto é, sobre aqueles dados concretos. Também creio que, com esse procedimento, os textos circulares e a perda da unidade nas redações possam ser evitados, já que um enunciado temático pode receber diferentes realizações figurativas.

Há, com certeza, muitos fatores que podem colaborar no sentido de melhorar as dissertações: pesquisas, estudos e experiências com análise de textos como os de Koch, Fávero, Travaglia, Geraldi, Val e Pécora, os quais trazem contribuições valiosas para os que quiserem aprender e ensinar.

Neste trabalho, utilizo os fatores que dão textualidade aos textos com base em Koch e estudo de problemas de redação, com base em Pécora, especialmente os que dão coerência ao texto, por serem os trabalhos que mais têm demonstrado com clareza ao público escolar uma visão pragmática de aplicação do conhecimento científico da língua no ensino. Professores e estudioso do assunto, principalmente no Paraná têm encontrado identidade em suas idéias e experiências, isto demonstrado através dos cursos de capacitação.

As produções de texto que seguem as propostas sugeridas por Platão e Fiorin em seus livros Para entender o texto - Leitura e redação e Lições de Texto: Leitura e Redação, as do Do texto ao texto de José de Nicola e Ulisses Infante, as de Carlos Alberto Faraco, Critóvão Tezza e Mandrik, em Português para universitários, as sugestões de Feitosa quanto ao texto científico, as contribuições de Garcia quanto a descrições técnicas e científicas e as propostas instrumentais de Cintra, Hernandes e Medeiros, fazem parte dos programas dos professores de L.P./Produção de Textos, tanto no CESULON quanto na UEL. Isso comprova a necessidade constante de criar algumas pistas que orientem o professor a rever sua prática e a buscar alternativas práticas, com um público heterogêneo que tem pressa de aprender a língua para utilizá-la em diferentes situações, mais do que prender-se a essa ou aquela corrente teórica, sem resolver problemas emergenciais. (Ver programas da disciplina em anexo).

Visando essa praticidade, visto que o ler e o interpretar nas oficinas são atividades de muito peso e resultam sempre em registrar por escrito impressões e entendimento, essas propostas continuam participando dos primeiros passos da tentativa de inovação, tanto por não demonstrarem preconceitos lingüísticos, quanto por estar contribuindo para renovações marcantes no ensino de redação. São ainda, desde o início da década de 90, o que os professores têm como parâmetro de apoio e consensualidade. Esses trabalhos de pessoas com autonomia para comprovar suas idéias pela expressão da sua prática têm servido como ponto de partida para a criação de projetos alternativos e ancoragem para uma nova metodologia, sem barreira, sem fronteira nem proibições, respeitando primeiramente o direito de saber, para o uso, não importando através de que teoria. A atuação está voltada, primordialmente, para exploração do plano do conteúdo, passando, só gradativamente, a considerar o plano da expressão. Após discutir os conceitos e suas implicações para a construção de textos, passa-se a ampliar os exercícios de escrita, centrados na tipologia textual mais exigida pelos professores de outras disciplinas, tendo como meta sensibilizar o aluno para as diferenças de registro e funções da linguagem em cada texto, mas sem perder as peculiaridades do curso.

Isso posto, a meta é explorar, dentro de um contexto de apresentação progressiva de dificuldades, as habilidades de identificação e de diferenciação de como se processa, na redação de um texto, a distribuição entre a parte temática e a figurativa. Para isso, a importância da parte gramatical é relativizada, sendo deixada para um plano secundário a ser ativado somente quando o teor significativo do texto tiver sido alcançado e não o contrário.

Por conseguinte, o critério de seleção dos exercícios propostos são os de eficácia quanto ao subsídio que propiciem a organização da modalidade escrita de acordo com a necessidade e raciocínio dos alunos. Para conceituar figura, por exemplo, é enfatizado que este conceito está relacionado à capacidade que algumas palavras têm de possibilitar uma visualização de seu referente, ou seja, de permitir que surjam imagens a partir da sua enunciação. Não só as palavras, mas também as frases propiciam tais eventos internos ao ouvinte e/ou ao leitor. É a alternância entre conceitos e imagens emergentes da leitura que confere aos textos o grau de fascínio e encantamento que os alunos comumente não conseguem criar quando escrevem.

O eixo básico da abordagem sócio-interacionista está presente nesta proposta, evidenciando-se isso pela preocupação centralizada nas dificuldades reais dos alunos, na construção de estratégias de ensinar a aprender através da troca de experiências, na proposição de uma visão dialética de textos, na reestruturação de conceitos e estruturação da tipologia textual acadêmica.

Reunindo professores de diversas correntes e linhas de pesquisas envolvidas com a prática da leitura, pretendi proporcionar um espaço interdisciplinar de apoio aos acadêmicos de História, visto que considero a leitura como atividade profissional e espaço de disputa pelo poder e pela afirmação cultural, não só no presente, mas na busca dos significados construídos historicamente. Tenho, portanto, em mente refletir junto com colegas de Letras e História sobre as implicações das diversas formas de leitura e escrita bem como sobre as diferentes formas de dizer algo através de um texto, ou seja, sobre as decorrências das diferentes formas de ver, questão-chave para a compreensão dos fatos em qualquer cultura.

Visto que considero a universidade como uma entidade transformadora dos níveis social e individual e preparada para ofertar suas disciplinas e projetos, conduzindo os acadêmicos, incluídos os das camadas populares, à aquisição do capital cultural (isto é, da cultura considerada legítima) a fim de assim instrumentalizá-los para o exercício da cidadania, proporcionando-lhes as condições de uma participação política mais ampla na luta contra as desigualdades, não posso deixar de considerar a distância que separa esse capital cultural do aluno, em função da que separa os níveis formais da linguagem acadêmica do dialeto emergente das práticas sociais dele.

No ensino da História, a questão lingüística é fundamental sobretudo quanto à leitura em seus aspectos semânticos, nas relações entre linguagem e pensamento, quanto às funções de cada tipo de texto e suas condições de produção. Auxiliar o acadêmico a tornar-se um leitor autônomo e um produtor competente de textos é um compromisso de nosso ofício. Mas não é tarefa fácil. Para contornar essa dificuldade, não têm faltado propostas pedagógicas que, quando não apelam para soluções rápidas, perdem-se em generalidades que não fornecem subsídios para a prática.

Este projeto, resultado de estudos e da prática de vários anos de sala de aula, foi elaborado para propor uma resposta concreta ao desafio de ensinar ao estudante universitário a aprender a estudar, oferecendo estratégias de leitura, interpretação, análise e síntese de textos, mediante técnicas de pseudo-leitura, leitura dinâmica e análise do discurso. Ele surge da crença de que, ao menos no âmbito da realidade social, a universidade não pode deixar-se levar pela ilusão de que o aprendizado da leitura já aconteceu ou que vá resultar de uma competência espontaneamente adquirida ao longo da experiência acadêmica. Portanto, a presente proposta baseia-se no pressuposto de que a explicitação dos mecanismos de produção de sentido de texto conta com o apoio da análise do discurso e da abordagem interacionista, contribuindo decisivamente para melhorar o desempenho do estudante na leitura dialógica, em qualquer nível de linguagem.

A metodologia utilizada neste projeto está fundamentada no dialogismo necessário da leitura, releitura, estruturação, reestruturação e análise lingüística dos textos, considerando que tais estratégias estão condizentes com a abordagem interacionista em que o aluno também é concebido como sujeito histórico da construção de sua linguagem.

No que se refere à construção do texto histórico, Paul Veyne afirma que escrever história é uma atividade intelectual, mas sublinha que é preciso confessar que essa afirmação não encontraria hoje crédito por todo lado porque



Considera-se muito comumente que a historiografia, pelo seu fundamento ou pelos seus fins, não é um conhecimento como os outros, estando ele próprio na historicidade, daria à história um interesse particular e a sua relação com o conhecimento seria mais íntima do que com qualquer outro saber, o objeto e o sujeito conhecedor seriam dificilmente separáveis; a nossa visão do passado exprimiria a nossa situação presente e pintar-nos-íamos a nós próprios ao pintar nossa história, a temporalidade histórica, tendo por condição de possibilidade a temporalidade, mergulharia suas raízes no mais íntimo do homem. (s.d.: 87)





O autor, ao discutir a cientificidade da História, indaga se esta tomou deliberadamente o partido de ver o homem com olhos humanos, de considerar os seus fins como uma realidade irredutível, e ser um simples reconhecimento do que foi vivido. Responde a essa cientificidade que de modo nenhum. Que o exercício da razão obedece a dois critérios, o da verdade e o da arte da gestão. Afirma que se fosse possível conhecer toda a verdade sobre nós próprios, não iríamos ocultar-nos esse espetáculo, pois, a partir do momento em que uma episteme da História fosse possível, a doxa histórica seria para nós anedota e erro e assevera:

A história não é uma ciência porque está do lado da doxa e continua desse lado por uma espécie de lei de coerência. As ciências físicas e humanas podem realizar todos os progressos possíveis: a história não será mudada do seu assento; com efeito, não fará uso das suas descobertas exceto num caso muito preciso: quando essas descobertas permitem explicar um intervalo entre as intenções dos agentes e os resultados. (s.d.: 197).



Para Michel de Certeau (1982:93-94), a operação historiográfica se constrói a partir de um lugar social, de uma prática e de uma escrita. Para a construção dessa escrita, o autor sublinha que



... a representação - mise en scéne – não é história senão quando articulada com um lugar social da operação científica e quando institucional e tecnicamente ligada a uma prática do desvio, com relação aos modelos culturais ou teóricos contemporâneos. Não existe relato histórico no qual não esteja explicitada a relação com um corpo social e com uma instituição de saber. Ainda é necessário que exista aí representação. O espaço de uma figuração deve ser composto.



Nas atividades deste projeto estou atenta às lições colocadas por Certeau (1982:45) quando se defronta em seu texto com a operação que faz passar da prática investigadora à escrita. Dessa forma, o acadêmico que participa das atividades apreenderá o que ensina o autor, através do que denomina duas posições do real e relacionará história, discurso e realidade, afirmando:



a situação da historiografia faz surgir a interrogação sobre o real em duas posições bem diferentes do procedimento científico: o real enquanto é o conhecido (aquilo que o historiador estuda, compreende ou ressuscita de uma sociedade passada) e o real enquanto implicado pela operação científica (a sociedade presente que se refere à problemática do historiador, seus procedimentos, seus modos de compreensão e, finalmente, uma prática do sentido). De um lado, o real é o resultado da análise e, de outro, é o seu postulado. Estas duas formas da realidade, não podem ser nem eliminadas nem reduzidas uma a outra. A ciência histórica existe, precisamente na sua relação. Ela tem como objetivo próprio desenvolvê-lo em um discurso.





As reflexões anteriores tornaram-se necessárias apenas para explicitar algumas preocupações e indicações acerca da produção do texto histórico. Não é objetivo deste projeto direcionar esses textos, mas, subsidiar os alunos quanto aos que são utilizados nas disciplinas do curso. Questões relativas a opções e abordagens seguirão as orientações e, caso seja necessário, serão discutidas pelos alunos com seus professores das diferentes matérias.

Quanto às modalidades básicas de trabalho acadêmico utilizadas para as turmas, estas estão voltadas para a instrumentalização, mais como ferramentas de iniciação científica do que como ensino do conteúdo programático dos textos.

As atividades de avaliação são julgadas a partir dos dados dos questionários respondidos por docentes e discentes envolvidos, em seminário semestral, com a presença da coordenação do Colegiado de Curso que se incumbe de trazer para o debate a apreciação e às sugestões dos professores do curso de História acerca dos resultados do projeto. Com base nas apreciações durante os seminários são efetuadas as adequações necessárias.


Autor: Djalmira Sá Almeida


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