CIDADE E URBANO: UMA ABORDAGEM TEÓRICA E CONCEITUAL



CIDADE E URBANO: UMA ABORDAGEM TEÓRICA E CONCEITUAL

Júlio César Dias do Nascimento

RESUMO:

O presente artigo tem como principal finalidade analisar relação existente entre cidade e urbano no contexto histórico e geográfico, fazendo uma análise teórica e conceitual. Palavras chaves: Cidade e urbano
ABSTRACT
This article mainly aims at analyzing the relationship between town and city in the historical and geographical context, making a theoretical analysis and conceptual.
Keywords: City and urban

INTRODUÇÃO
Inicialmente, nos propomos neste artigo, analisar o processo histórico que originou a cidade e a posteriori o espaço urbano. Nossa intenção é definir claramente esses dois conceitos, diferenciando-os e interligando-os. Esses dois conceitos são inseparáveis, já que historicamente o espaço urbano surge dentre da dinâmica espacial da cidade, no período chamado de capitalismo industrial, onde as indústrias emergiram no seio das cidades, sendo responsável pela formação do tecido espacial chamado urbano.
Nossa intenção é que a articulação entre os conceitos de cidade e urbano fique clara para a leitura e interpretação, de modo que possam servir de contribuição para outras pesquisas.

CIDADE E URBANO

Para compreendermos a formação do espaço urbano se faz necessário entender a relação histórica e espacial que este mantém com a cidade. Os conceitos de cidade e urbano apesar de distintos têm uma relação indissociável, já que em sua gênese o tecido urbano emerge no ceio da dinâmica socioespacial das cidades.
Para SANTOS (1994:69) há uma distinção clara entre urbano e cidade. Ele esclarece esta distinção afirmando que "o urbano é freqüentemente o abstrato, o geral, o externo. A cidade é o particular, o concreto, o interno". Para ROLNIK (1988) a cidade é um espaço marcado por uma aglomeração humana, que se apresenta mais ou menos organizada em ruas, marcada pela presença de atividades econômicas não-agrícolas e que na maioria dos casos funcionam como um campo magnético que atrai, reúne e concentra homens. Ao contrário da cidade, o espaço denominado urbano, não se refere a uma materialidade física, mas sim um conjunto de manifestações do predomínio das atividades econômicas, processos sociais e costumes da cidade sobre o campo (LEFEBVRE, 2001).
Para organizar nossa discussão, vamos lembrar alguns antecedentes históricos e necessários para entendermos a formação das cidades e o posterior surgimento do urbano. Segundo CARLOS (2003) a cidade nasce num determinado momento da humanidade e se constitui ao longo de um processo histórico, assumindo formas e conteúdos diversos. Assim, na visão da autora, as primeiras cidades surgem de uma organização espacial, onde os diferentes grupos humanos, visando a sobrevivência, rompem com o isolamento. Assim, a cidade se forma da relação de trabalho materializado construído ou natural, onde ela se cria da relação do homem com a natureza, que é totalmente transformada no decorrer dos períodos.
Para compreender melhor o processo que originou as primeiras cidades seria bom lembrar o que escreveu MONT-MÓR (2006). O autor enfatiza que a cidade tem sua origem no aprofundamento da divisão sócio-espacial do trabalho em comunidade. Em síntese ele explica:
"este aprofundamento resulta de estímulos provocados, pelo contato externo e abertura para outras comunidades envolvendo processos regulares de trocas baseados na cooperação e competição . Implica, assim , de um lado sedentário e uma hierarquia sócio-espacial interna à comunidade e de outro, movimentos regulares de bens e pessoas entre comunidades" (MONT-MÓR, 2006:6).

As evidências acima nos levam a citar novamente SANTOS (1997) que diz que a origem das cidades está relacionada à emergência de um grupo dominante que extrai e controla o excedente coletivo da produção do campo. Dessa maneira, temos a seguinte configuração: no campo se concentra a produção agrícola e a cidade passa a ser uma organização espacial que detém o controle político e ideológico sobre o campo, principalmente com o uso do excedente agrícola, que passa a ser utilizado como moeda de troca. Na transição do feudalismo para o capitalismo a cidade (burgo) emerge como uma semente de liberdade onde o trabalho livre é possível. Com o fim de vez do feudalismo e domínio do capitalismo, a cidade renasce e conhece um movimento bastante intenso de trocas, que aumenta com a descoberta da América e intensificação das relações com a África e Ásia. A partir daí, as cidades tem seus espaços expandidos, aumentando seus elementos e relações, levando ao desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas. Mesmo com toda essa ebulição permanente, as cidades ainda vão estar subordinadas ao campo. É somente a partir do surgimento e consolidação do capitalismo, em sua fase industrial, que a cidade consolida seu total domínio sobre o campo e passa a comandar a economia e a sociedade em escala mundial.
LEFEBVRE (2001) propõe que se pense a cidade como um espaço contínuo, que passa por diversas fases e transformações, mas que constitui sempre a centralidade de uma organização social. Para ele poderíamos partir, inicialmente, de uma cidade política, que se configuraria como um espaço não-produtivo mas que mantinha o poder e o domínio sobre o campo, concordando com a definição de MONT-MÓR (2006) no que diz respeito ao papel inicial das cidades. Em seguida transitamos pela cidade mercantil, onde predomina o comércio e ocorre a formação de uma classe burguesa, e chegamos à cidade industrial, que é marcada pela entrada da produção no seio do espaço da cidade, trazendo com ela a classe trabalhadora, o proletário. Daí em diante, LEFEBVRE (Ibidem) explica que a cidade passa a ser marcada pela imposição da produção e do valor no seu espaço. Nessa conjuntura a cidade se transforma num produto da industrialização, promovendo a expansão de um tecido sócio-espacial denominado urbano, revelador de intensos contrastes socioeconômicos. A expansão desse tecido domina e absorve o campo, construindo uma sociedade, denominada Sociedade urbana.
Ainda citando LEFEBVRE (Ibidem), o autor explica que o urbano, e, por conseguinte, a sociedade urbana surge com a industrialização e se prolifera através de diversos estabelecimentos, como bancos, financeiras, lojas, mercados, sedes de poder político e, principalmente, através da reprodução coletiva da força de trabalho, sintetizada pela habitação e demandas complementares. Assim, ele conclui que a sociedade urbana nasce da industrialização e que o urbano torna-se espaço de circulação das coisas, das pessoas e da troca.
Em consonância com LEFEBVRE (Ibidem), SINGER (1973) diz que a passagem da cidade em direção ao urbano foi marcada pela entrada da indústria em seu espaço. A partir deste momento surge um duplo processo, industrialização-urbanização, cuja relação parte de um marco inicial, o espaço, antes privilegiado das relações sociais, que agora passa a ser subordinado a industrialização, reunindo as condições necessárias para produção industrial. Partindo desse pressuposto, o espaço das cidades passa então a se constituir em função das demandas colocadas ao Estado, tanto no sentido de atender a produção industrial, quanto às necessidades das diferentes classes sociais. Dessa maneira, as grandes cidades industriais passam a ser dotada de serviços e infra-estrutura, de modo a acomodar as indústrias, sua força de trabalho e o mercado consumidor, ampliando a proliferação do tecido urbano.
Procurando fazer uma aproximação com os autores mencionados anteriormente, citamos CLARK (1982) que fundamenta sua argumentação sobre a relação cidade-urbano baseando-se na expansão das cidades e sua crescente área de influência. Trabalhando com essa proposta o autor explica que não somente um grande número de pessoas vivem em cidades ou em suas adjacências imediatas, mas segmentos inteiros da população são completamente dominados por seus valores, expectativas e estilos de vida. Assim, para o autor o urbano é um processo socioespacial e demográfico, interligado ao crescimento das cidades, especialmente, como locais de concentração de pessoas, inseridas dentro de uma dinâmica produção capitalista (CLARK,1982).
Seguindo a mesma linha de pensamento de CLARK (Ibidem), CARLOS (2003) afirma que o crescimento da aglomeração populacional nas cidades é fruto do modo de produção capitalista, que através dos meios e unidades de produção leva a uma profunda divisão espacial do trabalho, ocasionando a concentração da força de trabalho no seu espaço. Com isso, a partir da dinâmica das forças produtivas plenamente desenvolvidas ali, e mais especificamente da grande aglomeração, emergirá o tecido urbano, que se espalhará para além do espaço inicial das cidades. Para CARLOS (1994:181) "o urbano é mais que um modo de produzir, é também um modo de consumir, pensar, sentir, enfim é um modo de vida".
A proliferação do urbano sobre o espaço circundante da cidade, carrega consigo as condições de produção e o modo de vida antes restritos somente a esses locais, estendendo-as ao espaço regional imediato e, eventualmente, ao campo longínquo, conforme as demandas da produção e reprodução coletiva, que resulta da dominação dos valores, expectativas e estilos de vida consolidados na cidade sobre o campo (MONTE-MÓR, 2006).
Em estudo recente, o IPEA (1999) definiu o espaço urbano como resultado do processo de organização do espaço geográfico através da materialização da produção capitalista, e por conseqüência o Brasil tende a uma organização, pelo urbano, já que o setor agropecuário vem registrando uma crescente articulação ao setor industrial nas últimas décadas, o que de certa forma vem transformando paulatinamente o campo brasileiro em um espaço urbano. Desta forma, no atual momento capitalista, chamado por muitos autores de globalização, marcado pelo processo de descentralização industrial e a formação de complexos agroindustriais, além do aceleramento das informações e "encurtamento" das distâncias originadas pelo aperfeiçoamento dos transportes e a articulação da rede de comunicação, e da informática é possível encontrar enclaves urbanos em áreas originalmente rurais e de hábitos agrários (LIMONAD, 1999).
Segundo CORRÊA (1995) o espaço urbano é um reflexo tanto de ações que se realizam no presente como também daquelas que se realizaram no passado e que deixaram suas marcas impressas nas formas espaciais do presente. Para ele, o espaço urbano é um produto da sociedade, ou seja, um reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas, fruto da expressão espacial dos processos sociais materializados a partir das formas espaciais.
O espaço urbano ou tecido urbano emerge no ceio da cidade capitalista, quando nestas começam a se desenvolver as indústrias, e se prolifera para além de seus limites iniciais. O urbano, não se restringe apenas a uma materialização concreta de um modelo de produção vigente, ele é marcado, sobretudo, por valores, expectativas, modo de pensar e estilo de vida da população da cidade sobre a do campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As referências que adotamos (conceitos e teorias) são apenas algumas possibilidades de abordagem dos temas discutidos nesse artigo. A nosso ver, quando se estuda a cidade e o espaço urbano deve-se analisar os processo históricos e geográficos que contribuíram para suas formações e configurações. Desta forma, atentamos para a seguinte questão: a cidade surgi com a emergência de uma classe dominante que passa a controlar o excedente coletivo da produção do campo se constituindo numa organização espacial que detém um certo controle político sobre o campo, mas que vai só vai conseguir superar esse em importância econômica a partir da industrialização. O urbano emerge no seio da cidade, quando esta passa a receber em seu espaço as indústrias, e vai se proliferando conforme o crescimento destas.
Por fim, queremos deixar claro que o presente artigo tem o objetivo de provocar novos debates sobre a questão levantada, contribuindo para novas pesquisas sobre o assunto.

REFERÊNCIAS

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CLARK, David. A introdução à Geografia Urbana . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1982.

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MARICATO, Ermínia. Autoconstrução, a arquitetura possível . In: MARICATO, Ermínia . A produção da casa (e da cidade) no Brasil industrial . São Paulo: Alfa-ômega, 1979, p.71-93 .

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Autor: Júlio César Dias Do Nascimento


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