A Morte de Valdecyr da Silva



Estavam todos de pé, encostados à parede da sala, a observar o corpo no caixão, em meio a flores e saudades.

O velho Chico deixou as lágrimas correrem, afinal, o morto era Valdecyr, seu fiel empregado e amigo de longa data. Acompanhavam o sofrimento sua mulher e as duas filhas, porém, sem a mesma emoção do velho.

Realmente, Chico tinha motivos de sobra para lamentar o fato: Valdecyr era seu escudeiro, seu fiel vassalo, o total responsável pela prosperidade de suas terras.

Estático, Chico ficava ali, relembrando a valia do amigo. Valdecyr acordava sempre às 4 da manhã, saía em inspeção à propriedade, cuidava do pomar e da pequena lavoura, além do gado de seu senhor, sem cobrar nada por isso. Apenas tinha o prazer de morar na fazenda sendo, de vez em quando, abastecido por provisões que o bom senso de Chico lhe concedia. Nunca reclamou dessa vida.

Desta forma, torna-se quase inimaginável a surpresa de Chico ao ver o amigo amarrado pelo pescoço na velha goiabeira, com quase dois palmos de língua para fora. Suicídio. Terrível visão que fez o velho desmaiar.

Mas, e agora, quem cuidará do patrimônio de Chico? Ele é idoso, cansado, sem forças, e entende, como bom patriarca, a incapacidade de sua mulher e filhas. Pensativo, observa o defunto...

Valdecyr, aliás, nunca esteve tão bem. Havia tomado banho (coisa que pouco fazia) e estava perfumado (coisa que nunca acontecia). Era a primeira vez que usava terno e gravata, mesmo que peças velhas e usadas, cedidas pela generosidade de Chico. Entretanto, trajava apenas ceroulas na parte de baixo ? "Ninguém vai ver...", contentava-se o patrão.

Dentro em pouco, seu Moacir viria com a caminhonete, para levar o caixão ao cemitério da cidade. Valdecyr não ia em boa hora, mas ia muito bem.

Afinal, assim é a vida... Chico saiu da casa e foi observar o horizonte: era apenas a morte de um homem comum.



Autor: José Marcelo Rigoni


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