A FUGA



Análise da obra de Clarice Lispector " A Fuga"



RESUMO

O presente ensaio tem como objetivo apresentar uma análise interpretativa do conto A Fuga da escritora Clarice Lispector. Destacando-se no texto aspectos psicológicos do narrador-personagem, e uma breve descrição dos elementos da narrativa.


RESUMO DA OBRA
Em mais um dia nublado, Elvira sentiu-se sufocar com a idéia de viver mais uma tarde igual a todas as outras dos últimos 12 anos. Em um instante de atitude e ousadia , sem planejamento algum e em meio à chuva, resolve sair de casa, pegar um navio qualquer e partir.Ao redescobrir sua liberdade, Elvira vive momentos de nostalgia, sensações de prazer e medo. Percebendo que não tinha dinheiro suficiente e apesar de sentir o peso de "quilos de chumbo" em suas costas, resolve voltar para sua vida que se restringe a cuidar dos demais. Em casa constata que ninguém percebeu nada e nem sentiu sua falta. Antes dormir chora, enquanto seus sonhos de liberdade seguem no navio que se afasta cada vez mais. ____________________________________________________


A PRISÃO SEM GRADES
Análise da obra de Clarice Lispector " A Fuga"


"Doze anos pesam como quilos de chumbo e os dias se fecham em torno do corpo da gente e apertam cada vez mais. Volto para casa" (LISPECTOR, 1999, p. 74).¹
No conto "A Fuga"² da autora Clarice Lispector, a personagem central é o desejo de libertação de Elvira, que se sentindo oprimida, foge de tudo , porém não consegue fugir de si mesma. Ela busca a liberdade. Mas que tipo de liberdade? Essas questões são desvendadas pouco a pouco , durante a narrativa . Narrado em terceira pessoa, a autora (Onisciência seletiva) trabalha a mente, os pensamentos em excessos e não a voz da personagem, apresentando a insatisfação interior e seu desejo de experimentar algo novo. Porém a separação entre a voz narrativa e o pensamento da personagem não é nítida, mistura-se ao longo do conto. O enredo e o ambiente ficam em segundo plano, visto que o destaque do texto é o fluxo de pensamento da personagem em um monólogo interior, diante de um fato inusitado em sua vida: A fuga ².
Elvira está insatisfeita com o seu casamento, sente-se privada de si mesma,e com a figura patriarcal do marido que a paralisa: [...] bastava sua presença para que os menores movimentos de seu pensamento ficassem tolhidos. A princípio, isso lhe trouxe certa tranquilidade, pois costumava cansar-se pensando em coisas inúteis, apesar de divertidas (LISPECTOR, 1999, p.72) Com a atitude de fugir e sentindo-se liberta do mundo em que já não se reconhece, Elvira consegue relaxar e sentisse quase que completamente aliviada dos doze anos que pesam quilos de chumbo. "Abre a boca e sente o ar fresco inundá-la. Por que esperou tanto tempo por essa renovação: Só hoje ,depois de doze Séculos"( p. 73).
O conto foi escrito no Rio de Janeiro dos anos 40, a perspectiva da mulher comum da época era restrita ao que a sociedade lhe impunha: uma vida basicamente familiar, com uma estrutura totalitária e patriarcal. _____________________________________________________________1. LISPECTOR, Clarice. A fuga. In: A bela e a fera. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
2. Ibid. p. 71-75 LISPECTOR, Clarice. A fuga. In: A bela e a fera. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Durante a narrativa vemos a marca do tempo apresentado em meio à flachs-back. Tudo ocorre em algumas horas de um único dia da vida de Elvira, a sensação de liberdade acontece depois de três horas após a fuga, porém ela vive de momentos no passado apresentando o tempo psicológico narrado na historia. Os doze anos de casamento ao qual ela retorna em vários momentos, em um deles compara-o há séculos, demonstrando a sensação de lentidão e de inércia do tempo em sua vida de casada, onde a dor, tristeza, e solidão são constates. E um retorno momentâneo a uma época de sua infância: "A historia de não encontrar o fundo do mar era antiga, vinha desde pequena" ( p.72). A descrição dos personagens é um tanto superficial, o marido é tido como um ser soberano. "Porque os maridos são o bom senso? O seu é particularmente solido, bom e nunca erra?" (p.73) e a sociedade é retratada como indiferentes: "passavam pessoas de guarda chuva, impermeável, muito apressadas, os rostos cansados". (p. 71). Toda a descrição remete a um mundo de seriedade e de controle, algo distante do seu anseio por liberdade. Ao longo da narrativa Elvira se apresenta como uma mulher frustrada, com medo, ansiosa e um tanto indecisa com um momento de devaneio em busca da ruptura dessa bolha em que está presa: "Tonta como estava, fechou os olhos e imaginou um grande turbilhão saindo do "Lar Elvira", aspirando-a violentamente e recolocando-o junto a janela , o livro na mão, recompondo a cena diária" (p.71) A apresentação do ambiente, a autora cita alguns lugares do Rio de Janeiro: "Atravessou o passeio e encostou-se à murada, para olhar o mar. A chuva continuava. Ela tomara o ônibus na Tijuca e saltara na Glória. Já andara para além do Morro da Viúva" (p.72). A personagem, saiu da Tijuca onde na língua Tupi tem como significado de lama, atoleiro, logo chega na Gloria, simbolizando a situação de alegria e sensação de liberdade, e vai além do Morro da viúva, simbolizando o distanciamento com seu marido de sua vida? A água da chuva e a água do mar presente em todo o texto . A água , o elemento vital , representa a vida distante e fria da personagem, e seu futuro cheio de incertezas, como podemos constatar nos seguintes trechos do conto: "Ficou um momento pensando se aquele trecho seria fundo, porque tornava-se impossível adivinhar: as águas escuras, sombrias, tanto poderiam estar a centímetros da areia quanto esconder o infinito" (p. 24). "Começou a ficar escuro e ela teve medo, a chuva caía sem tréguas e as calcadas brilhavam úmidas á luz das Lâmpadas" (p.71), "Bastava olhar demoradamente para dentro d?água e pensar que aquele mundo não tinha fim. Era como se estivesse afogando e nunca encontrasse o fundo do mar com os pés. Uma angústia pesada. Mas por que a procurava então?" (p. 72) "Ficou no meio do quarto ofegante. A chuva aumentava. Ouvia seu tamborilhar no zinco do quintal e o grito da criada recolhendo a roupa. Agora era como dilúvio" (p.74). "Mas ela não tem suficiente dinheiro para viajar. As passagens são tão caras. E toda aquela chuva que apanhou, deixou-lhe um frio agudo por dentro" (p.74).


Conclusão: Elvira é uma mulher triste e infeliz em seu casamento, sentindo-se sufocada sente o desejo de fuga, partindo para a rua, no entanto se frustra e retorna a casa e ao marido. Durante esse único dia, ela revive vários estágios de sua vida. Quando criança brincando junto ao mar. Antes de seu casamento, quando se sentia livre para ter pensamentos divertidos, mesmo que hoje os considere fúteis. E os doze anos, convertidos em séculos de sentimentos tolhidos.depois das três primeiras horas de fuga, ala começou a sentir-se livre, mas o medo e o peso do passado ainda persistiam. E um futuro ainda desconhecido. A fuga para Elvira tinha um sabor de aventura, queria livrar-se da sensação de não ? pertencimento e inadequação naquela vida rotineira e vazia, do ambiente de opressão patriarcal. Quando ela desvia sua atenção para o mar parece tentar desvendar o mistério de sua própria vida, buscando a reestruturação do seu próprio ser. Elvira é uma mulher, em busca de si mesma, corre para a liberdade, tenta vencer os limites que lhe é imposto, mas logo percebe que não tem forças contra algo tão maior então continua sentindo-se presa, logo retorna ao isolamento em seu mundo interior, onde só é possível sonhar algo além daquelas paredes imaginárias que a prendem há doze anos, Ela volta para casa, chora, e percebe-se sem o domínio de sua vida, de seu futuro que parte dentro do silencio da noite, naquele navio que se afasta cada vez mais. O conto apresenta uma crítica e uma advertência sobre a vida da mulher que vive apenas ao universo doméstico, esquecendo de seus sonhos, desejos e aceitando passivamente a vida passar. "Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..." Clarice Lispector

Autor: Tatiana Dantas Santana


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