Direito e Economia: por uma abordagem integrada



Direito e Economia: por uma abordagem integrada

A perspectiva interdisciplinar é fundamental para o estudo do Direito. Mas não se trata de uma simples visão enciclopédica e superficial das relações entre as outras disciplinas e a Ciência do Direito, como é comum nos manuais de direito. É necessária uma compreensão integrada do Direito com outros campos de conhecimento para superar formalismo excessivo que durante muito tempo caracterizou as letras jurídicas.
O fato é que a efetividade de um instrumento jurídico de intervenção do Estado na economia, e de resto em qualquer setor da vida social, remete, inevitavelmente, à relação entre estrutura de um modelo ou instituto jurídico e o objetivo que se pretende com ele atingir. Trata-se do problema do alinhamento entre a estrutura (formal e substantiva) de um instituto e sua função reguladora efetiva (JANSEN, 2003p. 18).
Mas a integração ou apropriação do saber econômico exige cuidados. Ela não pode ocorrer de maneira acrítica. Alguns pontos merecem destaque.
Um primeiro aspecto a destacar é que, por mais que se faça uso de conhecimentos da teoria econômica, a abordagem não pode perder seu cunho jurídico, sendo a dimensão econômica um componente imprescindível da realidade tratada, mas não a dimensão preponderante. Na prática, é dizer: a preocupação analítica é com a dimensão jurídica da ordenação econômica e não com os fenômenos econômicos em si.
O segundo ponto é a idéia da economia como uma dimensão "naturalística" - como alguns juristas costumam referir para distinguir do mundo jurídico - tem significativa carga ideológica.
Boa parte do que chamamos de econômico embute uma visão, uma estruturação teórica feita pela análise econômica sobre a dimensão das relações produtivas. Negligenciar este recorte leva a perder de vista o viés da abordagem econômica embutida, o debate no qual se insere e os elementos da realidade objeto que ensejam o debate. Nesse contexto a análise jurídica fica limitada, subordinada à discussão e orientação econômica.
Um exemplo importante é a noção de ordem econômica, cuja ambigüidade remete a confusões com efeitos determinantes sobre as opções e os entendimentos. Isto porque a noção de ordem econômica tem proximidade com a idéia da existência de uma ordem social "natural", possuidora de uma lógica auto-ordenadora da dimensão econômica da sociedade. O paradigma é a noção de mão invisível de Adam Smith.
Esta é uma idéia cara ao debate econômico e político das sociedades ocidentais, pois está no centro da própria discussão sobre ao significado ou a necessidade da intervenção estatal na economia. Afinal, uma ordem social auto-regulada, como seria a economia de mercado, prescindiria de qualquer regulação heterônoma. Melhor, exigiria a não intervenção de forças exógenas para manutenção de sua harmonia interna, de seu equilíbrio.
A dinâmica do capitalismo, contudo, aponta para a falta de realismo de uma visão de livre mercado auto-regulado.
O ponto que interessa destacar aqui é a dependência estrutural que a economia tem do direito e de como é difícil tratar a ordem econômica sem considerar seu sentido normativo. A acoplagem entre direito e economia é assim delineada na perspectiva de EROS GRAU:

"... o direito (...) é elemento constitutivo do modo de produção: as relações de produção, quaisquer que sejam elas, não se podem reproduzir sem a "forma" direito; o direito é instância de um todo complexo ? a estrutura social global ? instância no entanto dotada de eficácia própria, que se manifesta no bojo der uma relação de causalidade estrutural, resultante de interação dela (instância jurídica) com as demais instâncias desse todo complexo. A idéia fundamental é o direito como parte constitutiva do modo de produção (GRAU, 2008, p. 70)".

Também na visão de NUSDEO, há uma imbricação profunda entre direito e economia. Diz o autor:
"Mais do que íntima relação, trata-se, na verdade, de uma profunda imbricação, pois os fatos econômicos são o que são e se apresentam de uma dada maneira em função direta de como se dá a organização ou normatização ? nomos ? a presidir a atividade desenvolvida na oikos ou num dado espaço físico ao qual ela possa se assimilar. E o nomos nada mais vem a ser do que normas ou regras, estas objeto da ciência do Direito (NUSDEO, 2000, p.29)"

Como a organização da atividade econômica de uma sociedade pode adquirir diferentes configurações, sua ordenação está sujeita a algum nível de normatização. Ou seja, faz-se necessário um conjunto de parâmetros normativos para que se estabilizem minimamente as relações e as expectativas. Esse conjunto normativo pode ser compreendido como ordem jurídica econômica. Na definição de Eros Grau, a ordem econômica seria:

"... o conjunto de normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica. Assim, a ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever-ser), não é senão o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do ser).(GRAU 2008, p. 70)".

Para ORTIZ (2004, p. 5), a relação entre Direito e Economia pode ser sintetizada em dois aspectos: 1 ? o direito deve configurar o sistema econômico; e 2 ? a análise econômica deve inspirar e fundamentar a interpretação jurídica. Na sua visão, há uma necessidade de juridicização das leis econômicas como meio para promover a riqueza das nações.
Por óbvio que essa proximidade diz respeito mais diretamente ao direito econômico, devendo ser ponderado com mais cuidado nas tentativas de expandir o raciocínio econômico para outros âmbitos do direito.
O que interessa aqui, entretanto, é destacar a essencialidade do direito para a configuração do sistema econômico. Com especial foco na idéia de que cada sistema econômico requer sua própria ordem jurídica (ORTIZ, 2004, p. 7 - 11).
A idéia básica a reter é o direito se configura na ordem social como elemento constitutivo do sistema econômico. Nesse sentido, qualquer que seja o objetivo de uma política pública ou ordenação jurídica ela ocorre dentro de um universo social e busca atingir objetivos relacionando-se com as lógicas desse ambiente (JANSEN, 2003, p. 19).
Isto impõe à tecnologia jurídica limites e condições não jurídicas. Ou seja, é preciso considerar fatores jurídicos não econômicos do mundo econômico e fatores sociais e econômicos do mundo jurídico.




Bibliografia



GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13º edição, São Paulo, Malheiros Editora, 2008.

JANSEN, Letácio. Introdução à Economia Jurídica. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2003.

NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao direito econômico. 2ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000.

ORTIZ, Gaspar Ariño. Princípios de derecho público económico. 3ª edição, Granada ? Espanha, Comares Editorial, 2004.

Autor: Sérgio Augusto Ligiero Gomes


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