PELUCINHO - UMA ETERNA SAUDADE...




Lembro-me muito bem de quando o vi pela primeira vez, deslizando pelo corredor de tábua corrida no apartamento onde morava com os "pais", correndo e escorregando na superfície lisa com aquelas perninhas grossas e curtas, rabinho peludo e levantado que mais parecia um espanadorzinho de penas. Com aqueles olhinhos matreiros de cor avermelhada, olhava-me de longe com uma certa reserva - uma intrusa desconhecida que sem querer havia pisado levemente em uma de suas lindas patinhas. Apesar de eu ter tentado lhe fazer um carinho e lhe pedir desculpas, ele não me deu muita confiança e manteve-se à distância olhando-me desconfiado, deixando-me com um tremendo sentimento de culpa e de paixão.

Era muito lindo, o bichano mais lindo e fofo que eu já conheci. De cor bege, pelo farto e macio, era grande, gracioso, sociável e divertido. Costumava entrar no lugar reservado para um aparelho de ar condicionado que ainda não fora instalado na sala de visitas, e como o apartamento ficava no primeiro andar do prédio, não havia quem passasse pela calçada que não parasse para admirar a graça, a beleza e o charme que ele esbanjava, sentado, apreciando tranquilamente o movimento da rua, indiferente aos elogios que lhe faziam, principalmente as crianças.

Eu não podia imaginar que um dia ele viesse para a nossa casa, integrar-se à nossa vida e se enraizar tão profundamente em meu coração. Cheguei a criar uma débil fantasia imaginando que ele me chamava de vovó. É que eu sempre gostei de gatinhos e de conversar com eles, fingindo que eles também conversavam comigo, e inventava uma falinha com sotaque especial, como se fosse deles.

Seu nome era Jimmy, mas como ele mais parecia um daqueles bichinhos macios de pelúcia que se compra nas lojas, passei a chama-lo de Pelúcio, apesar dos protestos de seu antigo dono, que dizia haver lhe dado um nome mais sofisticado e charmoso, próprio para um exemplar da raça persa.

Pelúcio tinha hábitos muito cativantes, que logo conquistaram a sua nova família, como o de enfiar as patinhas entre os cabelos da gente, encostar a cabecinha na nossa cabeça e ficar ronronando de felicidade. Pedia comidinha ficando de pé, subindo nas pernas de quem estava na cozinha, ficava todo arrepiadinho e dava umas voltinhas em círculo. Cismou de tomar para ele a minha cadeira de leitura, reclinável, e quando me via caminhar em direção a ela, rapidamente corria na minha frente, subia na cadeira, se sentava e ficava me olhando com ar triunfante, bem certo de ser o real proprietário daquele território.

No verão mandávamos tosar o seu pelo por causa do calor. Ele ficava tão curtinho e engraçado que até parecia um cachorrinho, que eu adorava, e lhe dava tantos beijinhos que ele meio atordoado e sufocado, até me arranhava e me dava uns tapas! Tão lindinho...

De repente adoeceu após um banho no petshop. Ficou estranho, com o semblante visivelmente abatido, olhinhos pra baixo e com o pescocinho mole. Não conseguia ficar de pé. Depois de ser examinado, radiografado e medicado, aparentemente voltou ao normal, mas estava condenado. A sua coluna estava lesionada. Talvez em suas estripolias de gatinho danado, tivesse caído de mau jeito ao pular de algum móvel e machucado fortemente uma vértebra, que prendendo um nervo impedia a circulação na medula, e não foi aconselhável opera-lo. Depois de alguns dias o problema se repetiu, ele foi medicado novamente, mas na terceira crise não resistiu. Foi uma das coisas mais tristes da minha vida, vê-lo estiradinho naquela mesa fria de alumínio na clínica veterinária, com aquele rabinho que nunca parava de abanar, agora parado para sempre.

Só quem também ama de verdade pode entender a dor que se acumula no coração de quem vê um ente querido sofrendo e não pode fazer mais nada para alivia-lo. Ver aqueles olhinhos olhando bem dentro dos nossos olhos, com um ar de quem está nos perguntando: por que? - faz a gente sentir uma comoção tão grande que temos a impressão de que o nosso coração está se partindo ao meio, e somente as lágrimas expressam a dor que estamos sentindo, que é a dor da saudade.

Para consolo me restam as fotos de momentos felizes que vivemos juntos, seu pratinho de ração, sua cumbuquinha de água e tudo mais que ele usava. E a minha cadeira, a cadeira da sua "vovó", que será sempre dele.

Júnia ? 16/AGOSTO/2009

Autor: Junia Pires Falcao


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