Meninos Gigantes



Meninos Gigantes

Cai a chuva às três da tarde. A rua estreita não é asfaltada. E a cada passo, uma palavra, um pensamento. Entre passos palavras e pensamentos uma poça de lama.

De chinelo no pé, bermuda floral e camiseta regata, Lucivan Tavares Botelho de 29 anos, convida-me para entrar em sua casa.
Ximbinha como é conhecido pelos moradores, cresceu no bairro do Benguí, periferia da cidade de Belém do Pará. Junto com outras crianças, se sujava ao brincar no campinho de futebol. Com pés descalço sonhava um dia ser jogador de futebol.

Os anos se passaram. As crianças que brincavam com Lucivan cresceram. E ele ficou. O menino era especial. Nasceu com nanismo. Isso mesmo, Ximbinha é anão, mede 1,40 de altura. O único caso de sua família.

Ser jogador era um sonho de infância. "Eu sonhava ter as mesmas oportunidades que as outras crianças..." Diz ele. Apaixonado pelo futebol, Ximbinha desejava ser jogador, fazer carreira, virar herói da torcida, ídolo da criançada, orgulho da família e exemplo de vencedor.

Mas durante toda sua infância e adolescência, ele precisou conviver com suas limitações, e também com a exclusão e o preconceito. Com certo orgulho diz: "Nunca tive muitas oportunidades e escolhas por ser anão, então o jeito foi me virar".

Muito cedo começou a trabalhar como feirante no Entroncamento (uma espécie de feira livre) e nas horas vagas ajuda o pai em uma pequena padaria que a família tinha em casa.

Novos ventos sopravam. Finalmente em 2008 a realidade do rapaz sonhador começou a mudar. Foi quando ouviu no noticiário de uma emissora local, a chamada que iria transformar sua vida. O anúncio convidava anões de todo o Brasil para fazerem parte de um time de futebol. Algo inédito até então.

O anúncio foi feito pelo também anão Alberto Costa (conhecido como Capacidade). O antigo sonho de menino que adormecia em Lucivan desabrochou. "Caramba, quando ouvi não acreditei. Perguntei pra mamãe se eu ouvi certo". Diz ele levando a mão na cabeça repetindo os gestos.

Lucivan foi um dos primeiros a procurar a emissora para inscrever-se. No dia 20 de novembro de 2008, surge o Gigante do norte. Graças à idealização de dois amigos amantes do futebol. Pessoas distintas, mas que tem em comum a paixão pela bola.

Tudo começou em 2007 quando o ex-técnico da Tuna Luso Brasileira, Carlos Lucena e o anão Alberto Costa em uma conversa informal, tiveram a idéia de formar um time de futebol com anões.

Trabalhar o esporte com a inclusão social é dar esperança a milhares de meninos e meninas, homens e mulheres em todo o Brasil.

A notícia espalhou-se por todo o Brasil, e logo os primeiros interessados começaram a chegar. Veio anão de todo o estado participar: Marajó, Capanema, Belém... , e de outros estados como Piauí e Maranhão.

A primeira seleção de anões do mundo, após seis meses estava formada, com vinte jogadores (somente o goleiro não é anão). O Gigante do norte busca além mostrar habilidades com a bola, combater como Gigantes dentro e fora dos campos o preconceito e a exclusão em relação às pessoas com necessidades especiais, principalmente o nanismo.

"Antigamente, só existia anão na arquibancada ou como atração de circo", diz a mãe de Lucivan que desejou sempre um futuro melhor para o filho. "Só Deus e eu sei o que ele passou. Meu filho já sofreu muito...". Desabafa.

Acompanhar um dos treinos foi muito bom, apesar do calor. Ver de perto todo o processo de preparação deu para sentir o quanto o time é esforçado. Os jogadores antes da partida fazem aquecimento, alongamento, conversam um pouco e em seguida inicia-se o treino. Tudo ao comando do técnico Lucena.

O treino é levado com muita seriedade e dedicação, mas às vezes não tem jeito. Volta e meia à brincadeira entre eles é inevitável. É bem engraçado. Um cai com a bola, outro tromba no colega..., "temos uma convivência muito boa" diz Lucena.

Para Mineiro, atacante do time, os jogadores formam uma família. "Aqui um ajuda o outro, como sou o menor, tenho apenas 1,05 de altura, preciso sempre da ajuda dos meus companheiros", revela.

Entre outras coisas, Mineiro não consegue vestir-se sozinho, precisa de uma forcinha de seus amigos na hora de calçar as meias, por as chuteiras, vestir a camisa e o calção...

Para o técnico Lucena, formou-se além de uma seleção, uma família, onde todos se ajudam mutuamente. Partilham brincadeiras, vitórias e dificuldades.

Mas como agora o assunto é família, e nas famílias os apelidos são inevitáveis, no Gigante do norte não é diferente. Todos têm um apelido. Lucivan por exemplo, é chamado de Ximbinha porque pintou o cabelo de loiro para imitar o guitarrista da Banda Calypso. Outro é apelidado de Wagner Love por imitar o modo de jogar do atacante do Flamengo. A lista é imensa, vai de Ronaldinho a Obina Robinho.

Os Gigantes do Norte tem muito do que se orgulhar são mais de sessenta vitórias e menos de trinta derrotas, em mais de dois anos e meio de existência. Eles dão um show dentro e fora do campo. Os Jogadores dão exemplo de garra, superação e perspectivas para muitas crianças e adolescentes.

Para Ximbinha, o esporte é a melhor alternativa para afastar das ruas e das drogas toda essa garotada que vive ociosa. Para ele todas as pessoas, (idosos, crianças, deficientes...) precisam de algo dê dignidade. O esporte é uma dessas coisas. Um torcedor vestido com a camisa do Paysandu, que assistia aos treinos disse todo empolgado: "Nunca ninguém antes pensou que anão praticasse esporte. Eu fiquei maluco quando eu vi, me tornei fã. Agora sou Papão e Gigantão". Brinca.

Os Jogadores do Gigante do Norte são pequenos, mas possuem características necessárias para a prática do esporte, aquilo que Nelson Rodrigues chama de malandragem, jogo de cintura, mascara de bobo e desempenho de gente esperta. Afinal "tamanho não é documento".

Os jogadores do Gigante têm idades entre 15 e 46 anos, isso é importante, pois vemos que muitos atletas quando passam dos 35 anos são descartados em muitos esportes em especial no futebol. A Carreira é efêmera. Contudo a missão deste time é agregar, incluir, dar oportunidades. Pois vê mesmo diante das limitações do corpo e da adversidade do dia-a-dia um modo de ser feliz.

O Gigante do norte ganhou projeção internacional, graças a sua irreverência dentro de campo. Por fazer de uma limitação algo que para muitos parecia impossível. Muitas matérias sobre os gigantes do norte são divulgadas na imprensa internacional, e até convites para fazer apresentações em Portugal, Inglaterra e Alemanha...

Os pequenos atletas do Gigante do Norte estão servindo de exemplo para outros Estados do Brasil. No Rio de Janeiro também foi montado um time só de anões, os "O Líriosboys".

Para os jogadores a partida mais importante foi realizada no Estádio Olímpico do Mangueirão, contra a escolinha do Flamengo, chamada Zico Dez, o jogo foi transmitido para todo o Brasil em 2009. Os Gigantes costumam Jogar com adversários do sub-vinte e sub-quinze.

Esse dia foi muito louco. Dentro de campo me senti grande, forte, vitorioso. Voltei para casa com a impressão de que a poça de lama não era tão ruim assim. E que o chuvisco servia para ajudar abaixar a poeira de todos os dias, diz Ximbinha.

Hoje o anal não serve somente para animar torcida e festinha de criança. Os Gigantes do Norte fazem jus ao nome, pois se agigantam diante do preconceito e da exclusão. Deixaram os bastidores, saíram de trás das câmeras e agora escrevem sua própria história. Quebrem e constroem novos paradigmas sociais e culturais. Criam novas oportunidades, reavivam sonhos e são protagonistas de sua própria história. De fato é um exemplo, um modelo a ser seguido. Afinal, quem disse que você é impossibilitado de realizar coisas por ser especial?


Por: Marília Barbosa - Estudate de Jornalismo/Pa - 2011

Autor: Marília Barbosa


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