Cama de Aluguer



Desnudas, as duas mulheres repousam no fofo colchão de uma enorme cama redonda de aluguer, lá para os lados de Belém.
Pastéis de nata e bebidas, o que haviam trazido da pastelaria.
Os raios do Sol, intensos àquela hora, atravessavam as translúcidas cortinas cor de pérola, marcando os seus corpos de sombras e de luz.
Lucília bebeu um último gole do seu duplo whisky puro, como gostava, e poisou o copo no chão do lustroso soalho, que já antes acolhera as nossas roupas, a caminho da casa de banho, onde nos revigorámos com um breve duche.
A seguir, ajoelhou-se na cama e disse:
- Mostra-me a tua ratinha!
Num súbito estremecimento, entrego-lhe o meu copo, que ela deposita gentilmente junto ao outro, apago o cigarro no cinzeiro que repousa sobre os lençóis, que ela recolhe igualmente, e recosto-me para trás.
A minha amante pega nas duas almofadas e coloca-as sob as minhas coxas. Depois, poisando ambas as mãos nos meus joelhos, afasta-me as pernas, expondo-me toda ao seu olhar.
Ela aproxima o seu rosto do meu sexo de mulher e eu, expectante e ansiosa, estremeço outra vez.
- Mas que linda ratinha? ? diz a atrevida - Olha?, um cabelinho branco? Que giro. Queres que to tire?
?
Não? Também acho, fica-te bem.
Perante tal descoberta, não sei se me hei-de sentir velha ou, simplesmente, madura.
- Oh, impudicícia!
- Ah! Cá estão duas bochechinhas cobertas de pelinhos? Vamos separá-las a ver o que acontece?
Deliciada pelo toque das suas mãos, e pela conversa, sinto-me a derreter.
Explorando, ela descobre.
- Ah, ah! Com que então, é aqui que se escondem duas belas preguinhas de carne rosada?
Desconhecendo até ao momento a grave sensação de estar a ser cirurgicamente observada por um outro ser, continuo a desfazer-me.
Olha, o que eu descobri! Um capuchinho. Vou tocar-lhe levemente, só para ver como reage?
Resultado: um milagre da natureza feminina.
- Tchiii? Como ficaram grandes, os teus pequenos lábios, Sarita? E que vermelhos estão! ? Exclama a observadora de sexos.
Fascinada pelo pormenor da descrição, rogo-lhe que continue a falar, e ela, exultante, prossegue.
- Vês? O capuchinho guardava uma secreta gema.
- Oh, sim? Conta-me tudo, quero saber? - respondo, a ensandecer.
Fazendo-me a vontade, ela diz:
- Observemos mais de perto?
Lucília sopra dentro de mim e uma brisa me invade toda.
- Olha, uma caverna? É minha! - Diz-me a torturadora a revolutear os dedos.
- Oh, não! ? Grito.
Ponderando, ela interrompe-se.
- Não pares! ? Torno a gritar - Conta-me como sou. Diz-me de que matéria sou feita. ? Suplico.
Continuando na pesquisa, quase científica, da minha anatomia mais íntima, Lucília vai dizendo:
- Mas que toca tão húmida e rosadinha! Entremos um nadinha, a ver como se comporta?
Em transe, oiço-me a rogar.
- Pára! Não! Não pares!
E a louca responde:
- Este meu dedo espião apalpa e sente toda a tua terra, minha amiga?
- Humm?
- Ena pá, tantas bolinhas? e como é quente, a tua ratinha?
- Oh, deus! ? Exclamo em brasa.
- Que bem que deslizo dentro de ti?
Agora, que ela brinca com o meu corpo, já não sei quem sou.
- Está-se a abrir, a ganhar vida? esta florzinha atrevida.
Como uma primitiva que fosse ao lago beber e um macho a atacasse, agitada, contorço-me, tentando escapar, mas é impossível. Enlaçando-me com as suas fortes pernas, a mulher domina-me e trava os meus movimentos.
- Sondemos mais fundo? - afirma a conquistadora.
Elástica, sinto que a minha vagina se distende e alonga para a receber.
- Uau! Tá-me a apertar, a dar beijinhos. ? diz ela, satisfeita.
Num ápice, pega em mim e coloca-me de joelhos, as pernas abertas, a cabeça no seu peito, a boca nos seios, na posição mais humilhante que conheço, e já só oiço a minha outra boca a falar, a gemer, a cantar? Um estranho cântico que não posso interromper, porque já não me pertenço. E, das paredes do meu útero, escorre uma interminável seiva que lhe encharca todo o braço.
Febril, enfio a cara na curvatura das suas mamas, fartas e macias, desdobrando-me em ondas de volúpia e de paixão.
De repente, ela retira-se de mim.
- Uf! Estou a respirar?
Mas eis que investe de novo.
- Não! Está a invadir-me com a mão toda; sinto-o na minha carne ultrajada.
Impossível conter um grito de dor. Mas, a dado momento, eis que a minha vagina se distende e contrai, num vaivém de perder o juízo, e o útero se eleva para a receber.
Já não choro. Antes sinto um difuso e estranho deleite.
Banhadas em águas subterrâneas que não param de escorrer das profundezas do meu ser, vejo-nos a copular, como duas cabras, à beira de um penhasco.
Num incontido impulso de lhe dar todo o prazer parto, então, em busca do seu segredo.
Sob a leve pressão dos meus dedos, a sua clitóride endurece.
Ansiosa de que, também eu, me entranhe nela, Lucília empurra a minha mão.
Prontamente, deslizo para um vaso repleto de sais minerais, que quase me engole viva.
De súbito, a um longo gemido de satisfação só posso responder de uma forma: penetrar mais fundo dentro dela.
Sem que o pudesse pressentir, esse foi o sinal para me acossar.
Ordenhando-me vigorosamente, a cabra ri e canta, triunfante.
Enquanto isso, todo o meu corpo se retesa e estremece, violentamente sacudido por águas diluvianas.
Orgulhosa, ela faz-me doer, mas a minha boca, enlouquecida, continua a dilatar-se.
Exausta, incapaz de fugir, imobilizo-me por completo.
Ela mexe, remexe? passeia-se por um bosque às primeiras horas da manhã, em busca de impensáveis espaços. E eu, para seu deleite, quase me deixo matar.
Não suportando mais tais assaltos sem me dissolver nas suas mãos, imploro-lhe que se venha.
- Dá-me o teu leitinho, querida. Aquele que sara as minhas feridas.
Mas ela diz-me que fique quietinha dentro dela, para aproveitar ao máximo o prazer que lhe dou.
Passa uma eternidade em que desespero. Mas eis que os meus martirizados dedinhos, dormentes, vêem emergir da sua carne uma multiplicidade de bolinhas.
É Nephentes, a terrível planta carnívora das húmidas florestas tropicais, que se contrai e me desfaz as falanges? Afrouxa e torna a contrair-se?
Finalmente, libertando um único e demorado grito de êxtase, a mulher pega na minha mão e retira-a de dentro de si.
No instante seguinte, tomada por um frenesi de fazer inveja ao diabo, ela vira-me e coloca-me novamente de joelhos, o rabo espetado no ar, extraindo da sua flor um favo de mel, daquele que só as mulheres têm, com o qual sara as minhas feridas.
Em vagas de rítmicos espasmos, todos os músculos se me retesam e assombrosas explosões de energia me cruzam o corpo em todos os sentidos.
Com os dentes, apanha-me uma orelha e diz-me ao ouvido que quase lhe esmago os dedos.
Em lava ardente, rebento nos confins do além mundo. E, sob a pele em chamas, descompassado, o meu coração bate com dificuldades.
Sei que estive à beira da morte.
Decorre um espaço incomensurável em que nos mantemos quedas, entrelaçadas, para descermos á terra, tempos depois, com pele de galinha. Cobrimo-nos, então, com o edredão, e dispomo-nos a dormir, mas o animal continua à espreita, pronto para começar a uivar?.
Lá fora, brilha o sol de Inverno.

Autor: Helena Pinto Marques


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