O INACABAMENTO DA LINGUAGEM



O INACABAMENTO DA LINGUAGEM
NOTAS INTRODUTÓRIAS AO PENSAMENTO DE MERLEAU-PONTY
Wanderley J. Ferreira Jr.

RESUMO
Uma abordagem introdutória do fenômeno da linguagem e da expressão no âmbito da ontologia selvagem proposta pelo filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, enfatizando o caráter de inacabamento e incompletude do signo lingüístico e da expressão em relação ao significado a ser dito e exprimido. Veremos que essa deficiência do signo em esgotar o significado, deixando sempre um excesso, um não dito, implica que não há uma linguagem pura que remeteria a significações unívocas e serviria de ancoragem para as línguas faladas, nem a linguagem pode reduzir-se a condição de mera exteriorização imperfeita do pensamento. Não há um significado preexistente que a linguagem viria revelar através das palavras, que não passariam de dobras no tecido da fala. O artigo conclui com a avaliação de algumas perspectivas abertas pela ontologia selvagem proposta por Merleau-Ponty para tornar dizível e exprimível essa experiência muda e não objetificante do mundo e de nosso próprio corpo.



As coisas percebidas não seriam para nós irrecusáveis, presentes em carne e osso, se elas não fossem inesgotáveis, nunca inteiramente dadas, elas não teriam o ar de eternidade que nós lhes atribuímos se não se oferecessem a uma inspeção que tempo algum pode terminar. Da mesma maneira, a expressão nunca é absolutamente expressão, o exprimido nunca é totalmente exprimido, é essencial à linguagem que a lógica de sua construção nunca seja daquelas que podem ser conceitualizadas, mas apenas ser transparente através da lógica embaralhada de um sistema de expressão que traz os traços de um outro passado e os germes de um outro porvir.[M. Merleau-Ponty. La Prose du Monde].

INTRODUÇÃO
Os temas da Linguagem e da Expressão perpassam toda obra do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty [1908 ? 1961] e possuem um tal entrelaçamento que se torna impossível tratar de um deles sem fazer referência ao outro. No presente artigo vamos pensar, com Merleau-Ponty, esses temas tomando como referências básicas os seguintes textos: Fenomenologia da Percepção (1945), Prose du Monde, Visível e Invisível (1962) , Sens et Non-Sens (1948), A linguagem e as vozes do silêncio (In. Signes), O Olho e o Espírito (Sens et Non-Sens), Em toda e nenhuma Parte.
Não conclusão do artigo recolhemos algumas passagens em Visível e Invisível, na tentativa de elucidar melhor a proposta de Merleau-Ponty para uma nova Filosofia que pressupõe uma nova experiência do mundo e de nossa inserção nesse mesmo mundo que acontece numa dimensão pré-reflexiva e inefável. Que esse artigo possa contribuir para despertar o interesse num autor original e pouco compreendido, como é o caso de Maurice Merleau-ponty, sem desvirtuar o sentido de sua fala e reconhecendo, ao mesmo tempo, que esta mesma fala não esgota jamais o que pretende dizer.
O pensamento de Merleau-Ponty procura empreender uma revisão dos problemas cruciais referentes ao Ser e ao Nada, ao dualismo psíquico/físico, consciência/mundo, à Percepção. O filósofo pergunta ainda pela essência da linguagem, a natureza do signo, do significado e do significante, da palavra, do silêncio, do visível e do invisível. Todas essas questões emergem na medida em que somos instalados no âmbito da Percepção considerada como abertura preliminar, enquanto percepção pré-consciente correlativa ao campo fenomenal. Presenciamos assim, no dito e no não-dito de Merleau-Ponty, uma filosofia do significado referido a um sujeito encarnado e datado, que inclui entre suas dimensões originárias a projeção para um mundo em que está imerso e que forma uma mesma trama com seu existir.
O filósofo assume para si o projeto, de certa forma comum à filosofia contemporânea, de uma reforma das categorias do pensamento tradicional. Ao longo da tradição filosófica Ocidental, categorias como: sujeito, objeto, consciência, representação, fato, conceito, ser, essência, tornaram-se registros com as quais o homem procurou explicar seu fazer, sua história, a arte, a linguagem e o próprio pensamento. Contudo, tais categorias distorciam o verdadeiro sentido da contingência humana e da relação originária entre homem e seu mundo da vida [Lebenswelt]. Tais categorias tinham como pressupostos certos dualismos, tais como: o dualismo psíquico/físico, consciência/mundo, sujeito/objeto, interior/exterior.
Procurando superar tais dualismos, Merleau-Ponty esforça-se por empreender uma crítica radical ao pensamento reflexivo que, colocado diante dos enigmas da sensação e da percepção, procura resolver os paradoxos perceptivos recorrendo à separação entre consciência e o mundo, reduzindo o real à dicotomia clássica da teoria do conhecimento: a separação irredutível entre sujeito-objeto. Para tal pensamento de sobrevôo, a consciência, res cogitans [Descartes], é definida pela interioridade absoluta e pela identidade absoluta consigo mesma. A coisa, res extensa, é concebida como uma exterioridade absoluta impossibilitada de deter em si e por si a identidade consigo mesma, a menos que seja reduzida a uma representação ou a uma idéia de um sujeito cognoscente puro.
Autor: Wanderley J. Ferreira Jr.


Artigos Relacionados


A Filosofia Da Arte De Merleau-ponty

A CrÍtica De Merleau-ponty A ReduÇÃo FenomenolÓgica

A Crítica Merleaupontyniana à Ciência Positivista

Mundo Em Percepções

A Educação Ambiental Nas Entrelinhas Da Fenomenologia De Maurice Merleau-ponty

Comunicação E Linguagem Em Merleau-ponty

Corporeidade E Educação