REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCU E SEUS EFEITOS NO PROCESSO ELEITORAL



Introdução

A sociedade brasileira, principalmente depois que afloram na imprensa escândalos envolvendo os representantes dos cidadãos, no Governo e no parlamento, cobra das autoridades e dos cientistas políticos soluções que melhorem o processo de escolha dos candidatos aos cargos públicos providos eletivamente. Tais respostas, sobretudo antes de uma ponderação acerca da cultura eleitoral brasileira e de uma busca da razão porque alguns eleitores ainda insistem em votar em indivíduos sabidamente inidôneos, são cobradas por meio de legislação. As leis são sempre trazidas à tona quando as falhas do processo eleitoral são expostas.
Nesse contexto de crise política, surgiu a ação popular que originou a Lei Complementar nº. 135/2010, mais conhecida por "Lei da Ficha Limpa". Mais de 4 milhões de brasileiros somaram seus esforços para que tal iniciativa do povo culminasse em uma lei que tivesse o condão de proteger o eleitor dos candidatos que possuem condutas incompatíveis com o sistema de representatividade e com a condução da coisa pública.
O momento histórico que o Brasil, atualmente, passa é de busca da moralidade e da probidade públicas. Os eleitores começam, aos poucos, bem verdade, a adquirir a consciência de que a proteção do patrimônio público deve sempre prevalecer quando sopesada com as vontades individuais dos governantes. Entra em decadência no ideário dos brasileiros a máxima do "Rouba, mas faz".
Contudo, essa mudança de mentalidade é recente e lenta. Assim não restou outra alternativa ao eleitor, para ressalvar o exercício de sua capacidade eleitoral ativa e a dos demais concidadãos que ainda não adquiriram a "malícia" necessária para distinguir os bons dos maus governantes, senão apelar para a lei em uma ânsia de trazer a retidão para a condução política das relações de poder.
Além da Constituição Federal, há no ordenamento pátrio a LC nº. 64/90, regramentos que procuravam obstar a candidatura de cidadãos de índole duvidosa. Todavia, segmentos da população alertavam o legislativo para as lacunas existentes no regramento, pois restavam ainda pessoas que ludibriavam a maioria e conseguiam acobertar as suas posturas indecorosas diante da população e da administração pública.
A alternativa encontrada para contornar o sistema falho, impedindo que o sistema democrático representativo da nossa República caísse em total descrédito popular foi a aprovação e sanção da LC nº. 135/2010, que estendeu o rol das situações que configuram a perda da capacidade eleitoral passiva do eleitor, bem como ampliam as possibilidades temporais de proteção ao processo eleitoral, tornando efetiva a nossa lei das inelegibilidades.
Este trabalho acadêmico investigará, dentro do vasto rol das novas alterações realizadas na lei das inelegibilidades (LC nº. 64/90) pela Lei Complementar nº. 135/2010 , primordialmente a questão da improbidade administrativa ? da alínea "g" do inciso I do artigo 1º da LC nº. 135/2010 - aplicada aos maus gestores dos recursos públicos.
Para tanto, primeiramente será feita uma pequena introdução ao Direito Eleitoral e à sua importância na democracia brasileira. É primordial que todos os cidadãos tenham plena consciência da seriedade do pleito eleitoral e de todas as implicações deste processo na vida de TODAS as pessoas.
O capítulo seguinte traçará um breve panorama do instituto da Inelegibilidade, seu conceito, fundamentos e sua contextualização no ordenamento eleitoral, buscando situar o brasileiro na conjuntura das hipóteses da perda da capacidade de ser eleito.
Posteriormente, trataremos da LC nº. 135/2010, por meio de breves considerações acerca do seu nascedouro e das conturbadas discussões em torno de sua validade e eficácia.
A fim de discutir a aplicação da alínea "g" do inciso I do artigo 1º da LC nº. 135/2010, objeto maior deste trabalho acadêmico, trataremos em seguida do Tribunal de Contas da União, da sua função, estrutura e competência na análise das contas dos ordenadores de despesa e da sua estrutura. Ademais, serão verificadas as diversas classificações do julgamento final das contas pelo TCU e as implicações destas categorizações na declaração da inelegibilidade.
Por derradeiro abordaremos a Inelegibilidade decorrente da rejeição de contas pelo TCU, com ênfase na questão da improbidade administrativa, na análise do dolo na tomada de contas e na competência para a realização do juízo de insanabilidade. Veremos assim que a decisão acerca da inelegibilidade preconizada pela alínea "g" está longe de ser uma questão meramente de análise de contas.
1. Do Direito Eleitoral

Direito Eleitoral é o ramo do direito público que concentra as normas e os procedimentos reguladores dos direitos e deveres dos cidadãos na relação de formação e atuação do governo ou administração do Estado. Segundo preleciona o TSE:
"O direito eleitoral é um ramo do direito público, mais especificamente uma especialização do direito constitucional, sendo o conjunto sistematizado de normas coercíveis que destina-se a assegurar a organização e o exercício de deveres políticos, precipuamente de votar ou de ser votado".

O Direito Eleitoral disciplina a criação dos partidos, o ingresso do cidadão no corpo eleitoral para a fruição dos direitos políticos, o registro das candidaturas, a propaganda eleitoral, o processo e a investidura no mandato eletivo."
Segundo Joel Cândido:
(...) Pode-se dizer que o Direito Eleitoral é o ramo do Direito Público que trata dos institutos relacionados com os direitos políticos e das eleições, em todas as suas fases, como forma de escolha de titulares dos mandatos eletivos e das instituições do Estado.

Há três elementos que estão estreitamente ligados na construção do arcabouço teórico do Direito Eleitoral. São os conceitos de Democracia, Estado de Direito e representação, unidos pela prática do pleito eleitoral. Principalmente a democracia, esta caminha sempre juntamente com as eleições, embora tal simbiose só seja divisada por grande parte dos indivíduos quando se aproxima o período eleitoral.
"Talvez por isso só em ano eleitoral é percebida a importância desse ramo do direito como se ele fosse um direito sazonal. Mas essa idéia é equivocada, pois o direito eleitoral é mais abrangente e tem uma importância que vai além das lides eleitorais, para assegurar toda a engrenagem de efetivação da democracia e do sistema representativo.".
Além de organizar o procedimento do pleito eleitoral em seus aspectos materiais e formais, o Direito Eleitoral também equilibra expectativas relativas ao processo de ocupação dos cargos governamentais, estabelecendo as perspectivas tanto para candidatos quanto para eleitores. No que concerne a essa questão, ressalta Djalma Pinto:
O objeto do Direito Eleitoral é disciplinar a escolha pelo povo dos ocupantes dos cargos eletivos. Os ocupantes desses cargos não podem ser escolhidos aleatoriamente, sem uma forma preestabelecida. Não podem, outrossim, ser investidos pela força. Cumpre, pois, ao Direito Eleitoral viabilizar o exercício da soberania popular, regulando a disputa pela conquista do mandato a ser exercido em nome dos cidadãos. (...) É necessário ter em mente que a periodicidade da eleição não se destina a garantir apenas a legitimidade do poder a ser exercido por esse ou aquele candidato (...). objetiva garantir ao titular do poder ? o cidadão ? a prerrogativa de escolher seus governantes de acordo com sua livre convicção, impedindo a permanência indefinida de alguém em cargo público eletivo. O interesse particular de cada candidato deve, necessariamente, ficar em segundo plano. Em primeiro lugar, prevalece a exigência de eleições transparentes, com rigorosa depuração e exclusão dos inidônios, já por ocasião do registro de candidaturas. O credenciamento para concorrer o cidadão ao mandato deve ser feito com base nos critérios estabelecidos pela Constituição e demais normas vigentes.

Segundo Aras:
É preciso fortalecer, na cultura brasileira, o respeito às instituições, o valor dos comportamentos institucionais e a exigência de que os políticos estejam a serviço de programas, propostas, diretrizes e idéias, sejam elas filosóficas, religiosas, doutrinárias, ideológicas ou, mesmo, fanáticas, radicais, estapafúrdias (...)

Dentro desse panorama, cumpre saber que o Direito Eleitoral tem suas fontes, onde busca os pilares para o desenvolvimento de sua técnica e prática. A Constituição de 1988 é o arcabouço principal de seus institutos e preceitos. Por conseguinte, em virtude de delegação constitucional , podem ser citadas as leis federais, as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral e os estatutos dos partidos políticos como fontes secundárias.
Estado Democrático de Direito é aquele que permite a efetiva participação do povo na administração da coisa pública, visando, sobretudo, alcançar uma sociedade livre, justa e solidária em que todos (inclusive os governantes) estão igualmente submetidos à força da lei.
O Direito Eleitoral, pois, é uma ferramenta do Estado Democrático de Direito por meio da qual podem ser exercidos os Direitos Políticos, que disciplinam o exercício da soberania popular, ou seja, a participação nos negócios do Estado.
No bojo dos Direitos Políticos temos a capacidade eleitoral ativa, que se consubstancia no ato do voto, e a capacidade eleitoral passiva, a qual é materializada na aptidão de ser votado. A efetiva participação do povo na coisa pública de modo passivo, ainda mais, depende não apenas de que o cidadão cumpra todos os requisitos de elegibilidade, há também que não incidir em nenhuma das hipóteses de inelegibilidades.
2. Das Inelegibilidades

O cidadão de um regime democrático, a exemplo do brasileiro, pode manifestar sua vontade política ao eleger quem irá governar a sua nação utilizando os cargos públicos eletivos. Ao exercer esse poder, o sujeito utiliza-se da sua capacidade eleitoral ativa.
A expressão ?democracia? designa um sistema político assentado nos postulados da liberdade e da igualdade de todos os homens e volvido a assegurar que o governo da sociedade seja o fruto de deliberações (respeitosas destes valores) tomadas, direta ou indiretamente, pelo conjunto de seus membros, havidos como titulares últimos da soberania. Sob tal pressuposto, haver-se-á de considerar que Estado Democrático é o que se estrutura em instituições armadas de maneira a colimar tais resultados.
Só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado segundo o fim de sua instituição, o bem comum, pois, se a discordância dos interesses particulares tornou necessária a fundação das sociedades, a harmonia desses interesses a possibilitou. Eis o que há de comum nos diversos interesses que formam o laço social, e não existiria sociedade alguma a não haver ponto em que os interesses concordem. Ora, é somente nesse comum interesse que deve ser governada a sociedade.

Contudo, ao serem preenchidos os requisitos exigidos na Constituição Federal como condições de elegibilidade, e ao não executar nenhuma das ações que figurem no rol da legislação eleitoral como causadoras de inelegibilidade, o eleitor também figura como indivíduo capaz de compor a formação de uma estrutura governamental, exercendo, portanto, a sua capacidade eleitoral passiva: podendo, além de votar, ser votado em um pleito eleitoral.
Há, no entanto, uma série de condutas colocadas pelas leis eleitorais nacionais cuja incidência do indivíduo implica na perda do seu direito de ser candidato e eleito, de disputar o cargo público eletivo: são as causas de inelegibilidades previstas na Constituição Federal e em leis complementares.
(...) A investidura no poder e o acesso aos cargos públicos em geral ? do Chefe de Estado ao mais humilde dos servidores ? são franqueados a todos os indivíduos que preencham tão-somente as condições de capacidade estabelecidas na própria constituição ou, de conformidade com ela, em normas infraconstitucionais.
A função precípua da inelegibilidade é a proteção das eleições, conforme o ensinamento de Alexandre de Moraes, segundo o qual este instituto é:
condição obstativa ao exercício passivo da cidadania. Sua finalidade é proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, conforme expressa previsão constitucional (art. 14, §9º ).
Acerca dessa questão, Adriano Soares da Costa explana que:
a inelegibilidade é o estado jurídico de ausência ou de perda de elegibilidade. Sendo a elegibilidade o direito subjetivo público de ser votado, a inelegibilidade é o estado jurídico negativo de quem não possui tal direito subjetivo- seja porque nunca o teve, seja porque o perdeu.
Na doutrina majoritária a inelegibilidade é estudada com duas subdivisões: a inelegibilidade absoluta e a inelegibilidade relativa. Pela inelegibilidade absoluta entende-se ser aquela que impede a participação do indivíduo em eleição de qualquer natureza, não importando o cargo público nem o tempo, enquanto a condição que o impede de ser eleito não esteja sanada.
Os inalistáveis e os analfabetos são sujeitos absolutamente inelegíveis, consoante o art. 14, § 4º da CF . A saber, acerca dos inalistáveis a Carta Magna preconiza que não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos . Ademais, aqueles que não sabem ler e escrever, ainda que tenham o direito ao voto, representativo da capacidade eleitoral ativa, não podem candidatar-se. Desta maneira, a Constituição Federal procurou garantir um conhecimento mínimo da língua pátria com vistas a avalizar um efetivo exercício do mandato.
No tocante á inelegibilidade relativa, a CF, no art. 14 e §§ 5º a 9º, aponta os casos de inelegibilidades que decorrem da incompatibilidade entre funções ou diante de parentesco e, ainda, aquelas que procuram resguardar a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, previstas na Lei Complementar nº. 64/90, recentemente alterada pela Lei Complementar nº 135/2010.
As inelegibilidades relativas por motivos funcionais são elencadas no artigo 14, §§ 5º e 6º, da CF.
§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.
§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

Atualmente, no ordenamento brasileiro, é permitida a reeleição apenas uma vez, inclusive para os candidatos que substituíram ou sucederam o titular o cargo no curso do mandato. Também é importante salientar que a incompatibilidade por motivo funcional para o mesmo cargo no pleito eleitoral, conforme disciplinada pela CF, somente aplica-se aos cargos do Poder Executivo.
O § 6º do artigo 14 da Carta Magna disciplina os casos em que há uma inelegibilidade relativa no que tange à concorrência para outros cargos. Visando evitar a manipulação de eleitores ao disputar outros cargos ainda em exercício do poder público, o legislador constitucional teve o cuidado de colocar os titulares de cargos do Poder Executivo, salvo o vice-presidente, os vice-governadores e os vice-prefeitos (bastando que não tenham substituído ou sucedido o titular nos 6 meses anteriores ao pleito), no rol de inelegibilidades caso esses não se afastam do cargo no período determinado antes da eleição. Por conseguinte, para que os chefes do executivo nas diversas esferas possam disputar quaisquer outros cargos eletivos terão que se desligar dos seus cargos com a anterioridade mínima de seis meses do pleito.
A finalidade dessas previsões constitucionais é a preservação da cidadania e do sufrágio universal sem que seja ferido o princípio da isonomia, visto que é patente que o posicionamento social, econômico ou político de determinado sujeito pode interferir na igualdade que deveria permear o processo eleitoral. Uma pessoa que, porventura, não se afastasse do cargo antes do pleito teria, por óbvio, todo um aparato a seu favor, como exposição, prerrogativas, utilização do maquinário público a favor da campanha e uso da imagem pessoal vinculada ao cargo exercido. Uma disputa desigual seria gerada entre os candidatos, prejudicando a paridade que deveria ser o mote da concorrência pelo voto.
Há ainda no bojo das inelegibilidades relativas aquelas decorrentes do parentesco. Segundo a Carta Magna:
São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do presidente da República, de governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição" (art. 14, § 7°, CF).

O efeito claro de tal ponderação no ordenamento eleitoral brasileiro foi o de coibir a perpetuação de certas famílias no poder de uma determinada base territorial. Tal situação era muito comum principalmente nos estados do nordeste do País, onde pessoas de um mesmo núcleo familiar revezavam-se durante décadas no poder executivo de determinado local, perpetuando uma política autoritária, permissiva e corrupta e impedindo a alternância, que é tão crucial ao exercício de uma democracia saudável.

2.1 Inelegibilidades oriundas da Lei Complementar nº. 64/90

A Constituição federal não exaure todas as possibilidades de inelegibilidades possíveis no ordenamento pátrio. No artigo 14, § 9º, a Carta Magna prevê a possibilidade de que outras situações de inelegibilidade sejam previstas em Lei Complementar . Para a regulamentação deste dispositivo da CF, no ano de 1990 foi sancionada a LC nº. 64/90, a qual disciplina os mais diversos casos que mitigam a elegibilidade de um cidadão para quaisquer cargos em seu artigo primeiro, inciso I.
São situações de desincompatibilizações de cargos ou funções públicas que possam influenciar no desenrolar da corrida eleitoral, ou situações especiais de administradores, titulares de cargos que perderam mandatos anteriores ou que tiveram contas rejeitadas no exercício de funções ou cargos públicos, ou quem tenha condenação criminal por crimes contra a economia popular, fé pública, patrimônio público , mercado financeiro , tráfico de entorpecentes ou por crimes eleitorais.
Todavia, para o fim acadêmico a que se dirige este trabalho, e tendo em vista que o arcabouço teórico e fático para a discussão do supracitado dispositivo é muito vasto para que seja tratado apenas nesta oportunidade, ater-me-ei à alínea "g" do § 1º, I, da LC nº. 64/90, a qual versa acerca da inelegibilidade decorrente da rejeição das contas do candidato pelo Tribunal de Contas da União, e cuja redação foi recentemente alterada pela LC nº. 135/2010.
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
3. Lei Complementar n. 135/2010 ? "Ficha Limpa"

A Lei Complementar n.º 135, sancionada em junho de 2010, é mais conhecida pelos brasileiros como "Lei da Ficha Limpa". Tal alcunha deve-se ao condão que adquiriu tal lei, ao alterar a Lei Complementar nº. 64/90, de incluir novas hipóteses de inelegibilidade procedentes de condutas desviantes dos candidatos a cargos eletivos e aumentar o tempo de inelegibilidade dos cidadãos que se enquadrem em algum dos dispositivos do art. 1º, I, da referida LC.
Entretanto, a LC nº. 135/2010, de iniciativa popular e enorme repercussão social e midiática, não se restringiu a tipificar novos ilícitos e procurou também alcançar as situações que fossem incompatíveis com o exercício do mandato eletivo, tais como as ocorrências relativas às ações de desvios de recursos públicos e improbidade administrativa. A Lei da Ficha Limpa, ao alterar a redação de seis incisos de inelegibilidades já previstas na Lei Complementar 64/90 e ao criar novas situações de restrição à capacidade eleitoral passiva, como o aumento do prazo limite de inelegibilidade para 8 (oito) anos, foi uma resposta do Poder Legislativo aos anseios da população brasileira, que já se encontrava em desalento com as instituições do Estado Democrático de Direito, nas palavras de Djalma Pinto:
O cidadão, após observar tanto formalismo para nenhuma consequência, mostra-se perplexo e descrente no Direito. De um lado, alega-se a impossibilidade de aplicação da sanção por falta de trânsito em julgado da sentença condenatória. Quando a coisa julgada se consuma, afirma-se que a punição não pode mais atingir o infrator, porque já ultrapassado o prazo para sua aplicabilidade. Esse, enfim, é o Brasil da impunidade. Através de uma exegese, que prestigia os violadores da lei, se extrai uma diretriz que torna imprestáveis as normas destinadas a reprimir os que comprometem a normalidade do pleito, através da prática de infrações, ao longo da disputa pelo poder.

O novel regramento das inelegibilidades, ainda que tenha se constituído em uma importante conquista para o saneamento dos costumes políticos do País, protegendo a moralidade e a probidade administrativa no exercício do mandato ao recrudescer as modificações do sistema da LC nº. 64/90, não tem a faculdade de se revestir em uma pena para o cidadão. Como o cargo eletivo é um serviço público ao qual alguns se submetem para representar os demais brasileiros no âmbito governamental, nada mais natural que aqueles que não estejam preparados para tal tarefa sejam desonerados da árdua missão de decidir os rumos da coletividade.
Outro passo importante da LC nº. 135/2010 foi introduzir o dolo como elemento importante para a declaração de inelegibilidade. Por conseguinte, abriram-se duas novas oportunidades para a análise da declaração de perda da capacidade eleitoral passiva. De um lado procurou-se excluir do processo os casos pouco importantes, sem dano ao erário ou oriundos de erros formais em processos de rejeição de contas, a título de exemplo a não apresentação de uma nota fiscal que pode, posteriormente, ser acostada ao processo para comprovar a gerada despesa.
Uma vez sancionado, sucederam os primeiros questionamentos acerca da constitucionalidade do novo regramento, visto que as modificações oriundas eram muitos recentes em relação ao pleito que se aproximava. O TSE, em consulta realizada , conferiu efetividade às alterações realizadas pela LC nº. 135/2010 para as eleições do mesmo ano, por vislumbrar que a LC não trazia modificações substantivas no processo eleitoral, cuidando apenas do aperfeiçoamento, mormente, de procedimentos relativos às condições de inelegibilidade.
Ademais, na mesma consulta acima tratada, o TSE ressalta que a inelegibilidade não é uma pena, e sim uma condição de exercício do direito de ser votado, portanto a Lei da Ficha Limpa teria sim a propriedade de aplicar-se aos processos de candidatura que estavam em vigor:
O entendimento não só deste Tribunal, mas também do Supremo Tribunal Federal, é o de que a inelegibilidade não constitui pena. Afirmou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança nº. 22.087: (...) inelegibilidade não constitui pena. Destarte, é possível a aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Complementar nº. 64/90, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência.
Todavia, em março de 2011, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n.º 633.703/MG, decidiu pela não aplicação da norma no pleito de 2010, com embasamento no art. 16 da nossa Carta Magna, que preconiza o princípio da anterioridade da legislação que altera o processo eleitoral.

4. Do Tribunal de Contas da União

O Tribunal de Contas da União (TCU) é uma instituição brasileira com previsão constitucional que desempenha uma importante função ao Estado, qual seja: auxiliar o Congresso Nacional na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas. Essa atividade é denominada controle externo.
O modelo estruturado para o Tribunal de Contas da União não permite a sua inserção em nenhuma das três tradicionais funções. Sua função primeira é a de controle da administração pública, seja ela pertencente ao Legislativo, ao Executivo ou ao Judiciário. A ausência de subordinação hierárquica com qualquer órgão federal é exigência para a imparcialidade e independência requeridas para suas decisões .
Assim não há que negar estar o Tribunal de Contas formalmente vinculado ao Poder Legislativo. Porém, não tem as Cortes de Contas qualquer subordinação às casas do Legislativo. Vincula-se sem subordinar-se. A qualidade do TCU de auxiliar no exercício do controle externo não o subordina ao Congresso Nacional. Somente ao TCU compete o exercício das competências descritas no artigo 71 da CF e não podem as casas do Congresso Nacional avocar quaisquer dessas competências.
Nesse sentido se manifestou o ex-Ministro do TCU Bento José Bugarin, em palestra proferida em 09/11/2000 na sede do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas :
"Cumpre observar, no entanto, que a vinculação do TCU ao Poder Legislativo não significa qualquer relacionamento de subordinação com as Casas do Congresso Nacional. O Tribunal de Contas da União é totalmente independente, prestando auxílio ao Congresso Nacional, nos termos fixados pela Constituição. Isso significa que as decisões da Corte de Contas não podem ser modificadas pelo Congresso, assim como o Parlamento não pode, por exemplo, julgar as contas dos gestores públicos, pois a Carta Magna previu expressamente que essa competência é do Tribunal de Contas."

Ainda sobre a autonomia dos Tribunais de Contas, ressalta Lafayette Pondé :
"Não há como se possa dizer o Tribunal de Contas órgão da estrutura legislativa, ou dela dependente, senão no amplo sentido em que todos nós somos, cidadãos ou órgãos públicos, entre os quais o próprio legislador ? subordinado ao imperioso dever de respeito e obediência às leis. A função do Tribunal ultrapassa a interferência episódica, de natureza puramente opinativa, com que se comunica naquele processo, não de elaboração de lei mas de conteúdo administrativo, e, ultrapassando-a, estende sua ação por igual sobre ?as unidades dos três Poderes? assim como sobre todo e qualquer administrador ou gestor responsável pela aplicação dos dinheiros públicos."

O Tribunal de Contas da União, atualmente, é integrado por nove ministros, todos nomeados pelo Presidente da República embora apenas um terço seja de sua escolha, sendo um auditor, um membro do Ministério Público junto ao TCU e o terceiro por sua livre escolha. Os outros dois terços são de responsabilidade do Congresso Nacional. Sua sede é no Distrito Federal e há representações em todos os estados brasileiros.

4.1- Competência

O Tribunal de Contas da União (TCU) tem suas competências previstas nos artigos 33, § 2o, 71 a 74 e 161, parágrafo único, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 33. A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios.
(?)
§ 2º - As contas do Governo do Território serão submetidas ao Congresso Nacional, com parecer prévio do Tribunal de Contas da União.
(?).

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
§ 1º - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2º - Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
§ 4º - O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades.

Art. 72. A Comissão mista permanente a que se refere o art. 166, §1º, diante de indícios de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos necessários.
§ 1º - Não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de trinta dias.
§ 2º - Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que o gasto possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública, proporá ao Congresso Nacional sua sustação.

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.
§ 1º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:
I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;
II - idoneidade moral e reputação ilibada;
III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;
IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.
§ 2º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:
I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento;
II - dois terços pelo Congresso Nacional.
§ 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40.
§ 4º - O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.
§ 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

Art. 161. Cabe à lei complementar:
I - definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, parágrafo único, I;
II - estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados e entre Municípios;
III - dispor sobre o acompanhamento, pelos beneficiários, do cálculo das quotas e da liberação das participações previstas nos arts. 157, 158 e 159.
Parágrafo único. O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o inciso II.
Daí afirmar-se que o TCU é um órgão constitucional e como tal exerce atribuições estatais que lhe são conferidas pela Norma Maior. Sobre órgãos, escreve Lourival Vilanova:
Com a repartição de funções, instituição de órgãos específicos para funções específicas, cada órgão é um centro parcial de imputação, como o Estado é o centro total de imputação, de criação e de aplicação do direito. Cada órgão é um plexo de atribuições, de faculdades, de poderes e de deveres: é um feixe de competência. Como núcleo parcial de competência, é um ponto de imputação (de referência, de atribuição, de pertinência).

Em outras palavras, afirma-se que as incumbências constitucionais da Corte de Contas são: (i) Apreciar as contas anuais do Presidente da República; (ii) Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos; (iii) Apreciar a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessões de aposentadorias, reformas e pensões civis e militares; (iv) Realizar inspeções e auditorias por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional; (v) Fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais; (vi) Fiscalizar a aplicação de recursos da União repassados a Estados, ao Distrito Federal ou a Municípios; (vii) Prestar informações ao Congresso Nacional sobre fiscalizações realizadas; (viii) Aplicar sanções e determinar a correção de ilegalidades e irregularidades em atos e contratos; (ix) Emitir pronunciamento conclusivo, por solicitação da Comissão Mista Permanente de Senadores e Deputados, sobre despesas não autorizadas; (x) Apurar denúncias apresentadas por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato sobre irregularidades ou ilegalidades; e (xi) Fixar os coeficientes dos fundos de participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e fiscalizar a entrega dos recursos aos governos estaduais e às prefeituras.
Além disso e não menos importante, em razão do exercício das competências constitucionais, outras incumbências lhe foram atribuídas por lei. Senão Vejamos:
Primeiro. A Lei nº 8.443/92 facultou ao Tribunal decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, acerca de dúvida na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes a matéria de sua competência .
Frise-se que a resposta à consulta tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não de fato ou ato concreto.
O TCU responde a consultas formuladas pelas seguintes autoridades, conforme estabelecido no art. 264 do Regimento Interno do Tribunal:
Art. 264. O Plenário decidirá sobre consultas quanto a dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência, que lhe forem formuladas pelas seguintes autoridades:
I ? presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal;
II ? Procurador-Geral da República;
III ? Advogado-Geral da União;
IV ? presidente de comissão do Congresso Nacional ou de suas casas;
V ? presidentes de tribunais superiores;
VI ? ministros de Estado ou autoridades do Poder Executivo federal de nível hierárquico equivalente;
VII ? comandantes das Forças Armadas.
§ 1o As consultas devem conter a indicação precisa do seu objeto, ser formuladas articuladamente e instruídas, sempre que possível, com parecer do órgão de assistência técnica ou jurídica da autoridade consulente.
§ 2o Cumulativamente com os requisitos do parágrafo anterior, as autoridades referidas nos incisos IV, V, VI e VII deverão demonstrar a pertinência temática da consulta às respectivas áreas de atribuição das instituições que representam.
§ 3o A resposta à consulta a que se refere este artigo tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto.
Segundo. A Lei nº 8.730/93 atribuiu ao TCU competência para manter, com base em cópias da declaração de rendimentos fornecida à Secretaria da Receita Federal (SRF), registro próprio dos bens e rendas do patrimônio privado das autoridades públicas, controlando a sua legalidade e legitimidade. Internamente, essa matéria está regulada pela Instrução Normativa no 5/94 .
Terceiro. Conforme prevê a Lei nº. 8.031/91 compete ao TCU, no exercício do controle externo, cumpre fiscalizar o processo de privatização das empresas incluídas no Programa Nacional de Desestatização (PND), bem como as concessões, permissões e autorizações para a exploração de bens e serviços públicos. Essa modalidade de fiscalização e acompanhamento está definida nas Instruções Normativas no 7/94 e no 10/95 do TCU, respectivamente .
O Tribunal analisa os documentos e informações recebidas ao final de cada estágio do aludido processo (seis ao todo), bem como por meio da realização de inspeções e auditorias. Nessas oportunidades, o TCU se pronuncia a respeito da legalidade, legitimidade e economicidade dos atos praticados.
Quarto e último. Tomam a forma de representações as exposições dirigidas aos Colegiados ou aos Relatores acerca de irregularidade, ilegalidade ou omissão verificada em assuntos de competência do Tribunal. Essas representações podem ser feitas pelas Unidades Técnicas do Tribunal ou equipes de auditoria. Além disso, a Lei no 8.666/93, em seu art. 113, § 1o, facultou a qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica representar ao TCU contra irregularidades na aplicação do referido dispositivo legal e a Lei no9.452, de 20/03/97, facultou às câmaras municipais representar ao TCU, sobre a não-notificação da liberação de recursos federais para os respectivos municípios .
4.2 - Do julgamento das contas

Segundo estabelece o artigo 16 da Lei nº. 8.443/92 o Tribunal de Contas da União julgará as contas:
Art. 16. As contas serão julgadas:
I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;

II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário;
III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:
a) omissão no dever de prestar contas;
b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;
d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.
§ 1° O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestarão de contas.
§ 2° Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária:
a) do agente público que praticou o ato irregular, e
b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado.
§ 3° Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público da União, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis.


Ou seja, quando examinadas as hipóteses de deliberação pelo Tribunal de Contas, conforme demonstra o artigo acima reproduzido, verifica-se que as contas podem ser regulares, regulares com ressalvas ou irregulares.
Diante da leitura do inciso I do artigo 16 da lei nº 8.443/92 afirma-se que as contas são conceituadas como regulares quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável.
O professor e doutrinador Jorge Ulisses Jacoby Fernandes afirma que "a primeira e mais relevante consequência do julgamento pela regularidade é a quitação plena ao responsável" .
Por sua vez, devem ser julgadas regulares com ressalvas as contas, quando evidenciarem improbidade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao erário.
Enquadram-se, nessa categoria, as Tomada de Contas Especiais que revelam: (i) aplicação de recurso na finalidade prevista, com inobservância do prazo de conclusão das obras; e (ii) ausência de algum documento que, embora destinado a comprovar despesas, não pode ser fornecido, ou foi extraviado, mas é possível atestar a prestação do serviço ou fornecimento por outro meio.
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes em sua obra denominada de "Tomada de Contas Especial ? Processo e Procedimento na Administração Pública e nos Tribunais de Contas" ressalta um novo fato que vem ensejando o julgamento das contas como regulares com ressalvas:
Sem observância da literalidade da lei, alguns Tribunais têm enquadrado no julgamento de contas regulares com ressalvas fatos em que houve prejuízo ao erário mas não houve má-fé por parte do agente responsável, fazendo animus motivo para a descaracterização da irregularidade. Em outros julgamentos ainda, quando não identificada a autoria do fato danoso, as contas têm tido o mesmo julgamento.
Por fim, as normas que regem os Tribunais de Contas guardam certa uniformidade em relação às causa de julgamento pela irregularidade das contas.
Seguindo o que dispõe a Lei Orgânica do TCU, são irregulares as contas quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências: (a) omissão no dever de prestar contas; (b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; (c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico; e (d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos .
Em suma, as contas são julgadas irregulares quando presentes anormalidades graves, que possam concluir pela existência de grave prejuízo ao erário.

5. Da inelegibilidade decorrente da rejeição de contas pelo Tribunal de Contas da União

5.1 ? Da improbidade administrativa

Transcrevo logo abaixo, a atual redação da alínea "g" do inc. I do Art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, que versa sobre as causas de inegibilidade decorrente das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas dos Municípios, Estados e da União:
Art. 1º São inelegíveis:
I ? para qualquer cargo:
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

É possível vislumbrar no excerto acima transcrito que a Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), ao alterar o disposto da alínea "g" do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº nº. 64/90, restringiu os efeitos eleitorais das decisões condenatórias proferidas pelas Cortes de Contas, passando a impor que, para o caso de inelegibilidade vislumbrado na supracitada alínea, além da existência de uma irregularidade insanável, o julgamento certifique a ocorrência de "ato doloso de improbidade administrativa".
O dever de probidade está constitucionalmente integrado na conduta do administrador público como elemento necessário à legitimidade de seus atos. O velho e esquecido conceito romano do probus e do improbus administrador público está presente na nossa legislação administrativa, como também na Constituição da República que pune a improbidade na Administração, com sanções políticas, administrativas e penais(...).

Nessa linha cabe tecer algumas considerações acerca do que vem a ser o ato de improbidade administrativa, o qual pode ser conceituado como sendo todo aquele praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, com visível falta de honradez e de retidão de conduta no modo de agir perante a administração pública direta, indireta ou fundacional envolvidas pelos Três Poderes.
Consoante Djalma Pinto:
A improbidade administrativa é um atestado de deslealdade ao povo, titular do poder na democracia. (...) É a desonestidade no exercício do cargo.
(...) Consiste a improbidade administrativa na atuação de forma desonesta do agente público ou do particular, respectivamente, no desempenho da função ou numa eventual relação mantida com a Administração pública. Pressupõe uma conduta em detrimento de valores, juridicamente tutelados, expostos a lei que a disciplina. (...).

A norma que descreve as condutas violadoras da probidade administrativa no ordenamento jurídico nacional é a lei nº. 8.429/92. A improbidade é uma infração administrativa com sanção política e criminal e pode até resultar numa reparação civil.
Por conseguinte, o ato de improbidade administrativa ocorre quando o sujeito ativo, investido de função ou cargo público, seja ele qual for, temporária ou efetivamente, responsável pelo gerenciamento, destinação e aplicação de valores, bens e serviços de natureza pública, obtenha no mínimo um dos três resultados específicos a seguir elencados:
Primeiro. O enriquecimento ilícito (artigo 9º, Lei n° 8.429/1992) , ou seja, atos que importem auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do cargo, mandato, função, emprego ou atividade.
Segundo. Lesão ao erário por ação ou omissão, dolosa ou culposa, ainda que não receba direta ou indiretamente qualquer vantagem (artigo 10, Lei n° 8.429/1992) .
Terceiro e último. Determinada ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. (artigo 11, Lei n° 8.429/1992) .
Assim, nos termos emprestados à Lei Complementar nº. 64/90 pela LC nº. 135/2010, passou-se a exigir, além da rejeição das contas, a existência de ato doloso de improbidade administrativa. Em outras palavras: para que a declaração de irregularidade tenha como corolário a inelegibilidade do responsável, não mais se satisfaz o legislador com o mero elemento objetivo, qual seja, irregularidade insanável, eis que demanda também o elemento subjetivo, no caso, o dolo.
Como consabido, o dolo é a manifestação de má-fé, por isso não se presume a sua existência na constituição da relação jurídica. Deve, portanto, ser provado por indícios e circunstâncias, tendo o ônus da prova quem o alega.
Todas as espécies de atuação suscetíveis de gerar enriquecimento ilícito pressupõem a consciência da antijuridicidade do resultado pretendido. Nenhum agente desconhece a proibição de se enriquecer às expensas do exercício de atividade pública ou de permitir que, por ilegalidade de sua conduta, outro faça.

5.2 Do dolo e do juízo de insanabilidade das irregularidades

Uma das tarefas mais importantes para o aperfeiçoamento da democracia brasileira é aquela definida na legislação eleitoral: a formulação da lista dos agentes que tiveram suas contas rejeitadas em processo de restrição das inscrições para cargo eletivo, sendo que a mais relevante consequência do julgado condenatório, decorrente da irregularidade é servir de base para a possível declaração da inelegibilidade.
Convém caracterizar a irregularidade insanável nos motes da lei nº. 135/2010. Nas palavras de Edson de Resende Castro:
(...) irregularidade insanável, capaz de gerar a inelegibilidade desta alínea [alínea "g"], é aquela que traz em si a nota da improbidade administrativa, por causar prejuízo ao patrimônio público, possibilitar o enriquecimento sem causa ou atentar contra os princípios norteadores da Administração.

Portanto, há que se saber que não são quaisquer irregularidades que podem ensejar a perda da capacidade eleitoral passiva do indivíduo, pois a Lei das Inelegibilidades, conforme outrora exposto, não tem o condão punitivo e, ademais, não se quer estabelecer uma sanção desproporcional à conduta realizada pelo cidadão.
A conduta consciente do indivíduo que ocupa um cargo público deve ser analisada pelo órgão competente para a aferição, além da existência da irregularidade insanável e do dolo, pois uma mera anormalidade de contas, eivada do esquecimento de anexar uma nota fiscal ao livro contábil de um município, não pode configurar uma ação ímproba. Contudo, a falta de licitação quando esta era imperiosa, por exemplo, causa um prejuízo irremediável à Administração Pública e ao povo.
A definição acerca da insanabilidade das contas derivada de dolo no exercício das finanças públicas não pode ser encontrada nas decisões de rejeição de contas do TCU, visto que somente o Poder Judiciário poderá reconhecer a existência de ato doloso de improbidade administrativa para efeito de inelegibilidade, posto que o Tribunal de Contas da União seja um órgão administrativo que fiscaliza, e não tem, portanto, competência para estabelecer outra forma de juízo de valor.
O Supremo Tribunal Federal, em entendimento do Ministro Carlos Velloso, ratifica esse posicionamento ao julgar o Mandado de Segurança nº. 22.087/2:

À Justiça Eleitoral compete formular juízo de valor a respeito das irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas, vale dizer, se as irregularidades configuram ou não inelegibilidade.

Acerca do tema, o Ministro do TCU Raimundo Carreiro, expressou seu entendimento quanto a aplicação da alínea "g", inciso I, artigo 1º da Lei Complementar nº 64/1990, em matéria jornalística veiculada no sítio eletrônico R7:
Lei do Ficha Limpa dificulta punição a políticos com contas reprovadas no TCU
Autoridades criticam lei que barra políticos condenados e têm diferentes interpretações.
O ficha limpa começa a valer nas eleições deste ano para barrar políticos com condenação na Justiça por órgão colegiados [mais de um juiz], mas ainda é alvo de críticas e debates jurídicos. Autoridades avaliam que deve ser mais difícil e demorado impedir a candidatura de políticos com contas reprovadas no TCU (Tribunal de Contas da União), órgão que fiscaliza os gastos do governo.
Para o Ministro do TCU Raimundo Carreiro, as decisões dos tribunais de contas vão perder força. De acordo com o novo texto, não poderá se eleger quem tiver contas rejeitadas por irregularidades feita com a intenção de cometer um crime (o chamado ato doloso). É o caso dos desvios de dinheiro.
- As decisões dos tribunais de contas acabaram. Só a Justiça pode determinar improbidade administrativa.
O TCU é um órgão administrativo que fiscaliza, e não tem poder de punição. No entanto, se um político entrava para a lista de administradores quem cometeram irregularidades na execução dos gastos, isso podia impedi-lo de se reeleger se o Ministério Público entrasse com denúncia pedindo a impugnação da candidatura. Com a mudança, é preciso que haja condenação na justiça.
Sérgio Ciqueira Rossi, secretário-diretor geral do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), afirma que as decisões do legislativo e dos tribunais de contas, quando questionadas, dependerão mesmo do que vier a ser decidido pelo Judiciário. Rossi expressa seu próprio entendimento sobre o tema, e não do órgão.
(...)

Destarte, após o transito em julgado do acórdão condenatório proferido pela Corte de Contas, caberia ao Ministério Público ajuizar a competente ação civil pública de improbidade administrativa caso entendesse existir elementos suficientes da existência de algum ato doloso que caracteriza crime de improbidade administrativa.
Jurisprudencialmente é pacífico o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido da elegibilidade do candidato ante a ausência de elementos que permitam aferir a insanabilidade dos vícios relativos às contas rejeitadas. Neste sentido tem-se o entendimento do Ministro Felix Fischer:
AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSOS ESPECIAIS. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2008. INTEMPESTIVIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONFORMADORES DE IRREGULARIDADE INSANÁVEL. ELEGIBILIDADE. NÃO-PROVIMENTO.
(...) 3. Quanto ao segundo regimental, o e. TSE já decidiu que "como a regra é a elegibilidade do cidadão, na ausência de elementos nos autos que permitam aferir a insanabilidade dos vícios relativos às contas rejeitadas, não há como se reconhecer a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90" (REsp 30.358/RN, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, sessão de 17.10.2008)

Ou seja, devem existir nos autos do pedido de registro de candidatura elementos capazes de comprovar cabalmente a existência de vícios insanáveis, não podendo, assim, ser presumida a existência de vícios insanáveis pelo simples fato das contas terem sido rejeitadas.
Nesse mesmo sentido temos o entendimento do Ministro Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira:
ELEIÇÕES 2008. RECURSO ESPECIAL. REJEIÇÃO DE CONTAS. DECISÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE. EXIGÊNCIA. VÍCIOS INSANÁVEIS. CONTAS DE CONVÊNIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS.
1. Não se pode considerar, para fins de inelegibilidade, a rejeição tácita das contas, em virtude de omissão da Câmara Municipal na apreciação do parecer da Corte de Contas, sendo necessário que haja manifestação expressa do órgão competente. Precedente.
2. Não havendo nos autos o inteiro teor da decisão da Corte de Contas, não há como se concluir pela insanabilidade das irregularidades.
3. Como a regra é a elegibilidade do cidadão, na ausência de elementos nos autos que permitam aferir a insanabilidade dos vícios relativos às contas rejeitadas, não há como se reconhecer a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90.

Some-se a isso o fato de que a comprovação da existência de irregularidade cabe ao impugnante, conforme já pacificado o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral:
Registro. Inelegibilidade. Rejeição de contas.
1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que o ônus de provar que as contas foram rejeitadas por irregularidade insanável é do impugnante.

Na doutrina brasileira, admite-se que a deliberação acerca da possibilidade de saneamento das contas possa ser realizada tanto pelo TCU quanto pela Justiça Eleitoral, no momento da impugnação da candidatura. No que tange à jurisprudência, também há espaço para que os Tribunais de Contas possam discutir sobre a sanabilidade ou insanabilidade das contas.

Na prestação de contas, ao Tribunal de Contas compete julgá-las ou ao emitir o parecer prévio dirá das irregularidades sanáveis, quando mandará supri-las, e das insanáveis, quando determinar as providências cabíveis.

Segundo Jacoby Fernandes, a opção mais comum no sistema jurídico brasileiro tem sido a decisão pela Justiça Eleitoral acerca da insanabilidade, levando-se em conta o relatório e o voto da corte de contas. Este fato justifica-se pelo fato de que os Tribunais de Contas não possuem ainda uma adaptação de suas decisões para declarar se as contas padecem de irregularidade insanável ou não.
A respeito dessa celeuma, Edson Rezende, dissertando acerca da LC nº. 135/2010, assevera que "cabe à Justiça Eleitoral, quando da apreciação da candidatura, com ou sem impugnação (...), avaliar se a irregularidade constatada quando da rejeição de contas é insanável ou não".
O entendimento que me alinho é o de que o juízo acerca da possibilidade ou não de saneamento das contas, conforme o ensinamento de Jacoby Fernandes, pode ser operado tanto pelos Tribunais de Contas, como o TCU, quanto pela Justiça Eleitoral. Contudo, defendo que as Cortes de Contas têm competência constitucional para avaliar as contas dos ordenadores de despesas públicas e saber se há como sanar a irregularidade acaso encontrada.
Ressalto ainda que se a Corte de Contas considere que a prestação de contas de um candidato padece de vício insanável, sendo aquele que não pode ser corrigido de alguma maneira, cabe apenas ao Poder Judiciário a manifestação no que concerne à existência ou não da conduta dolosa para efeito de inelegibilidade eleitoral. Se não há dolo, não há razão para que o concorrente tenha seu nome incluído no CadIrreg ? Cadastro de Responsáveis com Contas Julgadas Irregulares (cadastro montado pelo TCU) ? e sua candidatura impugnada e indeferida.
Disso se conclui que à Justiça Eleitoral compete apreciar a existência ou não do dolo do gestor que tiver suas contas rejeitadas, total ou parcialmente, para efeito do deferimento ou não do registro de candidatura, nos termos da alínea "g", do inciso I, do artigo 1º, da lei nº. 64/90, com a alteração introduzida pela lei nº. 135/2010.
Conclusão

A sociedade brasileira já ratificou o desejo de buscar incessantemente a moralidade e a probidade na administração pública e é dever do judiciário zelar por esta essência, obedecendo aos ditames da Constituição Federal.
O Direito Eleitoral, por seu condão de organizar o sistema democrático representativo, precisa ser eficaz. Contudo, como tal objetivo não estava sendo atingido completamente, os brasileiros resolveram buscar seus direitos para garantir que seus representantes fossem, realmente, a cara desse país.
O voto não pode homologar situações de corrupção, desvios de verbas públicas e má conduta na administração dos cargos governamentais. As causas de inelegibilidade estão na lei para proteger o instituto das eleições e a democracia. A integridade do governante deve ser um pressuposto de eficácia da cidadania, pois ele é, antes de tudo, um mensageiro da vontade do eleitor.
A iniciativa popular de um projeto de lei para tratar dos maus governantes evidencia isso. E o judiciário, diante do silêncio do legislativo, deve buscar no coração da lei o que a sociedade quer com vistas a auxiliar o povo na escolha dos seus candidatos, tendo em vista que, apesar dos processos serem públicos e, muitas vezes, a ficha criminal dos concorrentes ser vastamente conhecida, essa publicidade não impedia que os pretendentes de má conduta fossem eleitos.
Na Lei Complementar nº. 135/2010 é possível ver uma tentativa sem precedentes de moralizar o processo eleitoral no país. E, ademais, além das festejadas inelegibilidades para os candidatos "ficha-sujas", há uma causa da perda de inelegibilidade passiva que, apesar de não tão famosa, mereceu nossa atenção: a referência da alínea "g", do inciso I, artigo 1º, da referida lei.
O impedimento de prosseguir na corrida eleitoral do concorrente que não tenha gerido bem o erário público, de forma dolosa, quanto teve oportunidade para tal, evidencia que para o povo já basta de tanta impunidade. Ressalto que apenas os casos de improbidade administrativas eivados de dolo são abraçados pelo novel regramento. O político que, quando gestor, tenho realizado uma má administração da coisa pública sem a intenção de ferir o patrimônio de todos ou enriquecer-se não deve ser considerado inelegível, pois a este cidadão ainda há a oportunidade de aprender a bem gerir os recursos governamentais e bem representar seus eleitores.
Quanto ao órgão competente para a aferição do dolo na conduta do então candidato, restou comprovado que tal tarefa é de atribuição do poder judiciário, visto que, apesar dos Tribunais de Contas, especialmente neste trabalho tratamos do TCU, terem autoridade para afirmar se as contas estão ou não em conformidade e se há a possibilidade de sanabilidade dos vícios que porventura sejam encontrados, somente o judiciário tem a capacidade de verificar a existência da intenção dolosa na gestão do erário.
O povo mostrou seu poder e já definiu que não mais deseja que maus governantes sejam seus representantes. Destarte, a probidade e a moralidade devem ser buscada incessantemente não apenas pelo legislativo ou pelo judiciário, mas por todos



Referências


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BRASIL. Lei Complementar nº. 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências.

BRASIL. STF. Ac. nº 661, de 14/09/2000, Rel. Min. Nelson Jobim (...) O descumprimento da Lei de Licitação importa irregularidade insanável (art. 1º, I, "g", da LC nº. 64/90). (...).

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Autor: Juliana Bonfim Da Silva


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