MUDANÇAS ADVINDAS APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA LEI 12015/09.



MUDANÇAS ADVINDAS APÓS A ENTRADA
EM VIGOR DA LEI 12.015/09.


PRISCILA MARQUES MOTTA PEREIRA



RESUMO

Esta pesquisa tem por finalidade demonstrar aos alunos e pesquisadores de Direito em geral, os elementos que constituem a nova estrutura dos crimes contra a liberdade sexual, expondo de forma inequívoca as mudanças advindas após a entrada em vigor da Lei 12.015/09 no tocante a absorção do crime de Atentado Violento ao Pudor pelo de Estupro; a nova redação ao crime de Estupro de Vulnerável; ao art. 215 do Código Penal passando à nova tipificação de Violência Sexual Mediante Fraude.

Palavras-chave: Entrada em vigor da Lei 12.015/09. Crimes contra a liberdade sexual. Mudança na estrutura do delito de estupro.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo científico apresentará os aspectos epistemológicos sobre as mudanças advindas após a entrada em vigor da Nova Lei de Estupro.
O trabalho a ser apresentado de forma explicativa tem como objetivo apurar questões de maneira sistemática, utilizando todo método hermenêutico, bem como a pesquisa e a interpretação de doutrinas, legislações e posicionamentos jurisprudenciais.
Analisando os aspectos da presente pesquisa, entende-se que o crime de estupro, sempre representou a principal expressão de violência , uma vez que era um crime cometido de homens contra mulheres. Tal delito tomou maior proporção ao ter em sua redação substituída a palavra "mulher" por "alguém" , de forma que homens também podem ser vítimas desse crime, pois anteriormente, indivíduos do sexo masculino submetidos à cópula anal forçada, sofriam atentado violento ao pudor, cuja pena era a mesma prevista para o delito de estupro. Ainda à nova capitulação do artigo 213, o autor do crime de estupro quando o praticava em concurso material ou formal, ou até mesmo em sede de continuidade delitiva com o crime de atentado violento ao pudor, tinha sua pena aumentada significativamente, tendo em vista a gravidade do delito. Com o advento da Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009, o art. 214 do CP foi revogado e o art. 213, alterado.
Será debatido especialmente a hipótese de fusão entre os delitos do art. 213 e 214 do Código Penal que fez com que houvesse a absorção do tipo de Atentado Violento ao Pudor, no qual o autor será, de certa maneira, beneficiado pelo Princípio da Retroatividade da Lei mais Benéfica, aduzido no artigo 5º, XL da Constituição Federal de 1988.
A referida Lei alterou o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, ou seja, o Código Penal Brasileiro passando a vigorar com a denominação dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, além de transformar todo o sentido e significado do art. 213, como conseqüência ainda revogou os artigos 214 e 224 do dito diploma repressivo que tratavam do atentado violento ao pudor e da presunção da violência prevista então na antiga denominação dos crimes contra os costumes.
A matéria abordada dará ensejo às análises substanciais da referida norma legal, no qual colocou a mulher como sujeito ativo no tipo penal de estupro; criou a figura da vítima vulnerável; alterou a redação do artigo 215 do Código Penal que substituiu "Posse mediante fraude" por "Violação sexual mediante fraude".
Sob esse entendimento, os crimes contra a dignidade sexual, como atualmente denominado, sofreram modificações não somente em sua redação, mas também em sua reprimenda. A extrema representatividade das lesões causadas às vítimas de Crimes Contra a Liberdade Sexual, trazendo sempre como consequência a inaceitável irreversibilidade do dano causado ao emocional do sujeito passivo, é então reconhecida. O ato violento e hediondo, fora devidamente qualificado entre os crimes dessa espécie, reparando assim, acima de tudo, que para certas vítimas, quando da conduta dolosa sofrida, fixa-lhes permanentemente um trauma psicológico.
No entanto, cumpre ressaltar a necessidade de estudo aprofundado de tema que se reveste de suma relevância na prática jurídica penal brasileira, por suscitar na sociedade um sentimento de repulsa em relação ao autor do comportamento inadequado.

1- MODIFICAÇÕES QUANTO AO SUJEITO ATIVO E A INCORPORAÇÃO DO CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR AO ART. 213, CP.


O crime de estupro anteriormente definido em nosso Diploma Legal, estabelecia que a pessoa a quem se constrange é a mulher, de forma que a vítima deste crime só poderia ser do sexo feminino, sendo ela maior ou menor, virgem ou não, honesta ou prostituta. O constrangimento visava a conjunção carnal, isto é, a união sexual. O conteúdo do antigo art. 213: "Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça", na qual trazia consigo a figura da mulher apenas como sujeito passivo no crime de estupro, uma vez que tal delito configurava-se tão somente mediante cópula vagínica. Sendo assim, permanecia implícito que só a mulher poderia ser a vítima, o agente passivo; enquanto o autor somente poderia ser homem, usando de violência ou grave ameaça, fazendo penetrar o seu pênis na vagina da vítima, admitindo-se também a tentativa quando o ato não fosse concretizado por força de circunstâncias alheias a vontade do agente, bem como a co-autoria que podia tanto ser homem quanto mulher.
A tradição vivida desde a década de 40 em que somente o homem poderia ser a pessoa ativa e a mulher a pessoa passiva no crime de estupro, ganhou nova roupagem nos dias de hoje, introduzindo não só o homem como o sujeito passivo, mas também a mulher como o sujeito ativo em tal delito.
O novo art.213 do CP "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso", incluiu em seu conteúdo o crime de atentado violento ao pudor, fazendo com que o antigo artigo 214 fosse absorvido . Assim, as antigas previsões transformaram-se com a citada junção das suas redações na recente definição do crime de estupro, gerando assim uma nova interpretação no ordenamento jurídico. Quanto à questão da tentativa e co-autoria, continua a admitir-se no novo dispositivo penal. Em razão de tal modificação, não restou alternativa para a continuidade do art. 214 senão a sua revogação, embora não se tenha deixado ao desamparo jurídico-penal a figura da futura vítima daquele extinto delito que passou a partir de então a ser vítima do crime de estupro.
Ao crime de estupro e de atentado violento ao pudor, antes da nova lei, não se reconhecia a figura do crime continuado, segundo entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência.
Quanto ao crime continuado, consta do Código Penal:

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços."

Conforme o doutrinador Celso Delmanto:

"Há crime continuado (também chamado de continuidade delitiva) quando o agente comete dois ou mais crimes da mesma espécie, mediante mais de uma conduta, estando os delitos, porém, unidos pela semelhança de determinadas circunstâncias (condições de tempo, lugar, modo de execução, ou outras que permitam deduzir a continuidade)."

Prevalecia na doutrina e na jurisprudência de tribunais superiores, antes da nova lei, que não se configurava continuidade delitiva entre o crime de estupro e o de atentado violento ao pudor por constituírem delitos de espécies diversas. Havia, a respeito duas correntes: a primeira, dizia que eram crimes de igual espécie os que se assemelhavam pelos mesmos elementos objetivo e subjetivos, ainda que não estivessem descritos no mesmo artigo. Para a segunda posição, eram, apenas, os crimes previstos no mesmo legal, mas admitindo-se a continuidade entre as suas formas simples, agravadas, qualificadas, consumadas ou tentadas
De outro modo, com o advento da Lei 12.015/09 o debate readquiriu importância por ter ocorrido a unificação dos artigos 213 e 214 do Código Penal.
Dessarte, explica o mesmo que o novo artigo 213 descreve e estabelece uma única ação ou conduta do sujeito ativo, ainda que mediante uma pluralidade de movimentos. Há somente a conduta do agente de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça.

"Outrossim, é de vital importância observar que o constrangimento é dirigido a que a vítima pratique ou deixe que com ela se pratique atos libidinosos, sejam eles de qualquer espécie, seja através de conjunção carnal, seja através de coito anal, seja através de felação etc., já que tais modalidades nada mais são do que espécies do gênero ato libidinoso, e, tanto isso é verdade, que o tipo penal em questão é explícito ao mencionar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a confirmar, pois, tal afirmação".

Sob outro ângulo, a Lei por ser mais benéfica deve retroagir para beneficiar os casos anteriores, aplicando-se, quando presentes os requisitos do artigo 71, a continuidade delitiva, ainda que exista trânsito em julgado.
Por isso, analisando o caso concreto perpetrado antes da nova lei que:

"A Lei nº 12.015/09 constitui lei penal mais benéfica, donde aplicar-se retroativamente, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição Federal, e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal (...) os fatos imputados ao ora paciente foram cometidos nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e local e contra a mesma vítima, razão por que, aliás, a continuidade já havia sido reconhecida pelo Tribunal local. Afastada, pois, a base legal da decisão ora impugnada, deve restabelecida a decisão do Tribunal de Justiça."

Por serem crimes da mesma espécie, pela nova lei, se as condutas forem praticadas nas mesmas circunstâncias (condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes) deve-se reconhecer a existência de crime continuado até mesmo retroativamente se for o caso, por ser a Lei 12.015/09 mais benigna, posto que os delitos não precisam estar previstos no mesmo tipo para serem configurados de idêntica espécie.

A elementar do tipo da ultrapassada denominação relacionada ao crime de estupro que revelava seu sujeito passivo somente a mulher, fora substituída pela expressão "alguém". Tal supressão e substituição destas palavras modificaram todo o sentido desse crime. A partir de então o sexo do ofendido é indiferente para a caracterização do delito. Não exclui o crime a circunstância de ser a vítima menor, inconsciente, débil mental, enfermo, deficiente físico, homossexual ou prostituta. Todos protegidos em sua liberdade sexual. Neste sentido algumas vítimas dessas classes sociais figuram como qualificadora para o autor do delito.
Em análise da nova denominação do termo estupro, observa-se a igualdade entre o antecessor e atual artigo referente ao ato denominado conjunção carnal, contudo, quanto à introdução na redação do ato libidinoso, significa nas palavras de FERNANDO CAPEZ:

"Ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere ao ato, ou seja, a uma realização física completa (?). Por exemplo: agente que realiza masturbação na vítima introduz o dedo em seu órgão sexual, introduz instrumento postiço em seu órgão genital, realiza coito oral etc.".

Em decorrência das alterações e supressões ocorridas no Título VI Parte Especial do Código Penal, consequentemente o legislador teve que promover as devidas modificações na Lei 8.072/90 - Lei dos Crimes Hediondos.
Nota-se que a nova Lei trouxe as qualificadoras do crime de estupro nos próprios §§ 1º e 2º do art. 213 e no recém criado art. 217-A; enquanto que no estupro de natureza simples (caput do art. 213) o seu agente ativo pode ser condenado a uma pena que varia de 6 a 10 anos de reclusão, com a forma qualificada decorrente da conduta criminosa em que resulta lesão corporal de natureza grave para a vítima, ou sendo essa menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos (§ 1º do art. 213) a pena é acrescida e o autor pode sofrer uma reclusão de 8 a 12 anos. Se da conduta resulta a morte da vítima (§ 2º do art. 213) a pena passa a ser de 12 a 30 anos de reclusão, ou seja, atinge ao máximo da condenação estabelecida no nosso ordenamento jurídico-penal.

2 - ESTUPRO DE VULNERÁVEL

O estupro presumido era previsto anteriormente no art. 224 do Código Penal que possuía a denominação de presunção de violência, englobando também naquele dispositivo os crimes contra os costumes. É a denominada violência ficta.
O legislador tinha em vista, circunstância em que a vítima não tinha capacidade de consentir validamente ou não tinha capacidade de resistência. Com base na presença dessas circunstâncias, criou-se uma presunção legal do emprego de violência, pois, se não havia capacidade para consentir ou para resistir, presumia-se que o ato foi violento. Difere da violência real, pois neste há efetiva coação física ou moral.
Tal presunção de estupro era aplicada para o caso da vítima ser menor de 14 anos, tanto na doutrina como na jurisprudência, a tendência era emprestar valor relativo, e não absoluto; o caso da vítima ser alienada ou débil mental desde que o agente ativo conhecesse dessa condição ou ainda para o caso em que a vítima não pudesse oferecer resistência ao ato criminoso, ou seja, tal artigo era tão somente e todo ele subjetivo com interpretações dúbias das supostas presunções.
Assim, para ser punido, o autor do crime deveria ter consciência da realização do tipo penal e de sua antijuridicidade, bem como possuir discernimento para comportar-se de acordo com esse entendimento. Com isso, restava vedada a responsabilidade penal objetiva, que implica punição pela simples relação causa-efeito. Nesse contexto, presumir de maneira absoluta a existência de violência, mesmo que de fato ela não tivesse ocorrido, pela circunstância objetiva da vítima ser menor de 14 anos, encontrava-se em dissonância da nulla poena sine culpa, por duas razões: 1ª) punia-se com pena igual aquele que realmente se utiliza de violência contra um menor de 14 anos e aquele outro que, por exemplo, mantém relação sexual com uma menina de 13 anos, sem qualquer violência e com o seu consentimento, mesmo que esse consentimento não seja juridicamente aceito; 2ª) se o autor agiu com erro quanto à idade da vítima, que, aparentando ser mais velha e portando-se como mulher feita, pudesse ter mentido a respeito.
Desta feita, analisando cada caso concreto, a maior parte da jurisprudência tem entendido como relativa a presunção de violência do art. 224, CP, em casos nos quais a vítima se fez passar por mais velha, é promiscua ou já havia mantido relações com outras pessoas. Todavia, esta orientação que parecia ser a mais equilibrada diante da sistemática do Código Penal, também não satisfez. Com efeito, ao levar à absolvição do acusado, deixaria este livre, inclusive, para reincidir na prática até com a mesma menor, "legitimando" a prostituição infantil. Igualmente, dava tratamento desigual à criança que "por imposição de seu destino, foi obrigada a vivenciar um contexto não condizente com a sua faixa etária" e àquela por sorte encontra-se "inserida no seio familiar, que frequenta regularmente a escola, que recebe e assimila regras de conduta e moral".
Diante das suas constantes suposições dos casos ocorridos, o referido dispositivo legal tornou-se criticado pela doutrina penal. Para alguns juristas o seu teor principal, ou seja, a presunção da violência, não condizia com o nosso Estado Democrático de Direito por desprezar a responsabilidade subjetiva, sendo intolerável a responsabilidade objetiva. Por isso seria inconstitucional, embora houvesse jurisprudências diversas.
Conforme jurisprudência da época, podemos citar à luz desse entendimento:

"Criminal. HC. Estupro. Condições pessoais da vítima e consentimento. Violência presumida. Caráter absoluto. Recurso provido. I ? A presunção de violência pela idade da vítima ? previsto no art. 224, I, CP ? tem caráter absoluto, não podendo ser afastada em razão de seu comportamento pessoal. II ? Recurso ministerial provido para restabelecer a sentença de primeiro grau." ( STJ, 5ª Turma, REsp 213.291-SP, p. 218 Rel. Ministro Gilson Dipp, J.9-4-2002, DJ, 13-5-2002)

A nova redação é bem mais clara e objetiva do que a sua anterior, posto que o entendimento do crime de estupro de vulnerável tenha sido retirado, adaptado e melhorado no tocante à presunção de violência, também revogado pela nova Lei.
O entendimento do estupro de vulnerável nasceu de forma mais real, mais presente, mais viva e busca punir toda relação sexual ou ato considerado libidinoso ocorrido com ou sem consentimento do menor de 14 anos de idade e das outras pessoas citadas portadoras de circunstâncias especiais e diferenciadas das consideradas pessoas normais.
Para a concretização da infração basta o agente ativo praticar a cópula vagínica ou qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal, não importando o meio usado para a perpetração do ato, se por violência, ameaça, fraude ou consentimento da pessoa passiva. De qualquer forma, havendo esses atos sexuais direcionados e realizados com tais pessoas relacionadas, estará caracterizado o crime de estupro de vulnerável.
O § 2º do art. 217-A fora vetado, enquanto que o § 3º fala que se da conduta criminosa resultar lesão corporal de natureza grave para a vítima, então o agente ativo do delito estará sujeito a pena de reclusão de 10 a 20 anos. Já no § 4º está implícito que se do ato criminoso levar a vítima à morte, então o seu agressor estará sujeito a uma pena que varia de 12 a 30 anos de reclusão.


3 ? VIOLÊNCIA SEXUAL MEDIANTE FRAUDE


O art. 215, antes denominado "Posse Sexual Mediante Fraude", passa a ter nova tipificação passando a se chamar Violência Sexual Mediante Fraude, que tem como previsão legal: "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vitima."
Tutela-se aqui a liberdade sexual da mulher, ou seja, a liberdade de dispor de seu corpo, a liberdade de consentir na prática do ato sexual, sem que esse consentimento seja obtido mediante fraude .
A atual legislação reuni-se com o art. 215 e art. 216 da legislação anterior, tornando o crime mais severo, falando-se em fraude ou qualquer outro meio que impeça a livre vontade do agente, ou seja, que tire a capacidade de resistência do mesmo.
O referido artigo já havia sido alterado pela Lei 11.106/05, no qual a redação antiga previa como sujeito passivo a mulher honesta. Tal Lei, porém, excluiu a elementar "honesta" do tipo penal por encontrar-se ultrapassado. E a exemplo do ocorrido no crime de estupro, o legislador também unificou os crimes de posse sexual mediante fraude com o atentado violento ao pudor mediante fraude, que agora passa a ser denominado de Violação Sexual Mediante Fraude.
Além de alterar o preceito primário da norma, o legislador resolveu aumentar a pena prevista no preceito secundário ao fixar a pena de reclusão de dois a seis anos.
Originalmente o crime de posse sexual mediante fraude, também conhecido como "estelionato sexual", foi tipificado no artigo 215 do Código Penal como a conduta de "Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude: Pena - reclusão, de um a três anos". Com a redação dada pela Lei 11.106/2005, excluiu-se do dispositivo apenas o polêmico elemento normativo "honesta". De resto, manteve-se na íntegra o texto do artigo.
A exigência da honestidade na constituição passada do tipo penal, numa demonstração clara de antiquada tutoria da moral sexual e dos bons costumes, visava à preservação da castidade e da inocência da mulher.
Depois da retirada da expressão do texto legal, até a prostituta, antes sem qualquer chance de ser enquadrada, passou a ser vítima potencial da conduta prevista no art. 215, CP.
Na nova redação dada à norma pela Lei 12.015/2009 foi preferida a terminologia "violação" em lugar de "posse" como a melhor forma de configurar o crime.
Na época em que o artigo estava inserido na proteção dos crimes contra os costumes, o bem jurídico primário ou principal do crime era a honra sexual, protegendo-se secundariamente, a liberdade sexual.
Parte da doutrina criticava a falta de aptidão lesiva do crime em face da não exigência de violência ou grave ameaça na ação. Com a renomeação do Título VI, o foco mudou, pois agora a norma deve ser encarada sob o ponto de vista da dignidade sexual dentro do contexto do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, protegendo-se a livre manifestação de vontade da vítima. Na mesma linha do que ocorreu com o crime de estupro, o artigo 215 passou a contemplar tanto o homem como a mulher como sujeitos ativos e passivos, bem como incorporou as elementares de outro delito em seu texto. Nesta sede foi absorvida a infração penal constante no artigo 216, de atentado ao pudor mediante fraude, que pela Lei 11.106/2005 sofrera alteração para prever a conduta de "induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal".
Por força do artigo 4º da Lei 12.015/2009, esse artigo foi expressamente revogado. Da mesma forma que não houve descriminalização da conduta antes prevista no artigo 214 - transportada para o art. 213, não foi afetado o conteúdo do art. 216, posto que agora faz parte do 215.
Sobre o emprego da fraude pelo agente, os parâmetros são os mesmos. Há que se considerar que não é qualquer tipo de engano capaz de tipificar o crime sob comento, é indispensável o emprego de estratagemas que tornem insuperável o erro ao qual é levada a vítima e as circunstâncias devem ser tais que conduzam a mulher ou o homem a se enganar sobre a identidade pessoal do agente ou a cerca da legitimidade da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso.
Nesse ponto reside a principal distinção entre os artigos 213 e 215. Na violação mediante fraude a vontade da vítima não é vencida por violência ou grave ameaça, como no estupro, mas é viciada por engodo.
Com base na doutrina e jurisprudência da época da redação antiga se referem como exemplos possíveis do crime nesta modalidade: a substituição de uma pessoa por outra; a simulação de tratamento para cura; trabalhos espirituais; quando o agente simula celebração de casamento; nas hipóteses de casamento por procuração; no caso de aproveitamento pela sonolência da mulher e etc.
Assim como em diversos crimes, a lei pode estar se valendo da interpretação analógica, elencando um exemplo de modo de obstrução à livre manifestação de vontade da vítima para, logo após, generalizar com a expressão "ou outro meio que impeça ou dificulte...", deixando ao intérprete o encargo da inclusão de circunstâncias que não foram expressas. Por esse entendimento, a fraude seria o referencial para a identificação de outras condutas ilícitas cometidas por meios que dificultem ou impeçam a livre manifestação da vontade.
É importante ressaltar que os critérios distintivos mais importantes entre o § 1º do art. 217-A e a parte final do art. 215 estão na possibilidade de oferecer resistência e na consensualidade, havendo duas formas de se cometer crime de abuso sexual, tais como: a primeira, quando a vítima não resiste nem consente, porque está incapacitada de oferecer resistência; a segunda, quando a vítima consente invalidamente. Naquela hipótese de impossibilidade de oferecer resistência, a vítima, completamente indefesa, está impossibilitada, física ou psiquicamente de reagir ao abuso, como nos casos de "enfermidades, paralisias, síncopes, desmaios, estados de embriaguês, etc." Decorre de circunstância pessoal do ofendido (ex: ser paralítico) ou de ato provocado por terceiro (ex: narcotizar uma pessoa). Estes casos, sem sombra de dúvida, adequam-se à situação prevista na cláusula "não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência" do artigo 217-A, §1º do CP.
Por outro lado, no segundo entendimento, a vítima pode oferecer resistência, mas seu consentimento é considerado inválido, situação que se não estivesse presente, transformaria o episódio em fato atípico. Para os efeitos do Código Penal, o consentimento inválido, segundo a doutrina, pode ser encarado sob duas óticas: 1ª) Sendo decorrente de circunstância pessoal da própria vítima (ex: ser menor de 14 anos), estaria normalmente abarcado pelo artigo 217-A; e, 2ª) sendo configurado em face de ilusão produzida na mente da pessoa por ato artificioso ou ardiloso de terceiro, existindo um vício de consentimento provocado que poderia se enquadrar na proposição da parte final do artigo 215, desde que tenha o ofendido mais de 14 anos de idade, seja mentalmente são e possa oferecer resistência. Em outras palavras, a aquiescência aqui é inválida porque embasada em falsa percepção da realidade, incutida dolosamente por outrem. Não houvesse sido posta em erro substancial, a vítima certamente não concordaria com o ato sexual.
É notório afirmar, ademais, que, a teor do art. 215, os mecanismos utilizados para a obtenção da relação sexual devem impedir ou complicar a livre e espontânea manifestação de vontade, não constituindo fatores que repercutem na anulação de resistência da vítima.
Pela reforma, a redação do artigo 217-A, parágrafo único do Código Penal passou a ser: "Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa". Optou-se, portanto, nesse particular, pela cumulação da pena privativa de liberdade - de 2 (dois) a 6 (seis) anos - com a pecuniária, como forma de desestimular a prática do delito com o dolo específico de lucro.

CONCLUSÃO:

Com a fusão dos arts. 213 e 214 do CP o tipo penal passa a ser singular conforme posição majoritariamente predominante na doutrina e jurisprudência, tendo em vista que para aquele que constrange a vítima mediante violência ou grave ameaça a ter conjunção carnal e depois pratica ato libidinoso diverso da conjunção carnal responderá por crime único de estupro, devendo o juiz analisar tais circunstâncias na fixação da pena, não podendo afirmar qual deles seriam mais graves, pois o que decidirá a gravidade serão as circunstâncias presentes em cada um. No que diz respeito aos respectivos artigos, conclui-se que com o advento da nova Lei decorreram muitas modificações em nosso ordenamento jurídico, principalmente no que concerne aos crimes cometidos anteriormente a sua vacância, posto que ao legislador não se atentar para o Princípio Constitucional da Lei Nova mais Benéfica, acabou por conceder a milhares de condenados o direito a revisão criminal e consequentemente a diminuição de suas penas.
No tocante à tipificação anterior, muitos defendiam que a conduta da posse sexual mediante fraude não merecia tutela penal, configurando uma impertinência legislativa que sdevia ser reformulada ou mesmo abolida do ordenamento jurídico pátrio. Porém, como fora exposto, com o advento da Lei 12.015/2009, esta infração penal foi finalmente reconstruída, constatando-se que a honra sexual não é mais vista como bem jurídico, a discriminação contra a mulher foi abolida e a ação ganhou relevância com a introdução das elementares "outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima".
Com relação à nova tipificação do art. 217-A, CP conclui-se que, embora inadmissível a presunção de violência, não pode o Direito Penal deixar de proteger os menores de 14 anos. É por isso que o legislador tratou de reformular não só o art. 224 do CP, mas também todos os crimes sexuais previstos, para adequar a antiga Parte Especial ao moderno diploma jurídico-penal. Harmonizando as mudanças do texto com a devida integração sistemática das normas, adaptou-se e incluiu-se na redação dessa Lei o estupro de natureza simples e o estupro de vulnerável. Essa adaptação põe fim à discussão doutrinária que fora criada relativa à questão do estupro simples ser considerado ou não um crime hediondo, não obstante o próprio STF ? Supremo Tribunal Federal, coerente com os princípios legais e coadunando com os seus próprios julgados e a equivalência de Lei, tenha reconhecido e reafirmado o caráter hediondo do estupro.


ABSTRACT:

This research aims to show students and researchers of law in general, the elements of the new structure of crimes against sexual freedom, stating unequivocally the changes brought about after the entry into force of Law 12.015/09 regarding absorption the crime of indecent assault by the Rape, the new wording to the crime of Rape of Vulnerable; the art. 215 of the Criminal Code through the new classification of Sexual Violence Through Fraud.

Keywords: Changes arising after the entry into force of Law 12.015/09. New structure of crimes against sexual freedom.





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Autor: Priscila Marques Motta Pereira Freire De Souza


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