Análise Do Conto



Antes de abordarmos a obra (conto "A Feiticeira" de Inglês de Sousa) propriamente dita, iremos primeiro contextualizar a época, os costumes, os conhecimentos científicos vivenciados por Inglês de Sousa, tanto em sua cidade natal como na cidade do Recife na qual foi aprofundar seus estudos na Faculdade de Direito, onde havia um grande discurso com relação ao moderno conhecimento científico – o POSITIVISMO. E é também nesta época que se permeiam os estilos literários REALISMO e NATURALISMO, este o qual pertence Inglês de Sousa.

Segundo Walter Pinto no seu artigo "O rigor científico da ficção de Inglês de Sousa" – o mestre em antropologia pela UFPA Mauro Viana Barreto, considera Inglês de Sousa o "introdutor" do naturalismo do Brasil, pois as obras deste autor já possuíam traços deste estilo e são anteriores as obras daquele que outros críticos literários consideram como precursor – Aluísio de Azevedo com 'O Mulato" – e ainda vai mais além, afirmando que os críticos parecem desconhecer os três livros publicados por Inglês de Sousa, sendo estes: "O Cacaulista" (1876), "História de um Pescador" (1877) e "O Coronel Sangrado"

Herculano Marcos Inglês de Sousa nasceu em 1852 na cidade de Óbidos, onde viveu até os 15 (quinze) anos de idade. Em suas obras utiliza-se de elementos das práticas sociais cotidianas de sua região, imbricadas de 'modernidade' trazidas pela industrialização, representadas pelos barcos a vapor, que serviam para escoar a produção de cacau, muito cultivado em Óbidos pelas famílias mais abastadas – classe a qual inclui-se Inglês de Sousa; e a 'tradição' que permeava o local com seus costumes, hábitos, "crendices".

Ainda no artigo de Walter Pinto consta que para Barreto a produção de Inglês de Sousa se distingue dos romances do Naturalismo clássico, pois não trata tanto da descrição do ambiente/ cenário, mas, fundamentalmente, da reconstituição, reconstrução, recriação do modo de vida dos ribeirinhos do Rio Amazonas.

Apesar de o cenário não ser descrito exaustivamente, este permeia a obra de Inglês de Sousa como no caso do conto "A Feiticeira", quando fala: "Não descreverei o sítio do tenente Ribeiro, porque ninguém há em Óbidos que o não conheça,..". Porém descreve com mais detalhes a casa de Maria Mucoim:

"A casa, pequena e negra, compõe-se de duas peças separadas por uma meia parede, servindo de porta interior uma abertura redonda tapada com um topé velho. A porta exterior é de japá, o teto de pindoba, gasta pelo tempo, os esteios e caibros estão cheios de casas de cupim e de cabas."

A partir de uma visão mais atual – década de 80 do século XX com o surgimento de uma difusão maior dos Estudos Culturais, principalmente surgida na Inglaterra, na cidade de Birmingham, onde ""... trata-se de uma ênfase à dimensão subjetiva e à pluralidade dos modos de vida vigentes em novos tempos" (in: Cartografias dos estudos culturais: Uma versão latino-americana – Ana Carolina de Escosteguy p. 35).

Dentro dessa concepção, pode-se enquadrar esta obra como sendo uma LITERATURA DA AMAZÔNIA (nomenclatura adotada pelo Prof. Dr. José Guilherme Fernandes em 'LITERATURA BRASILEIRA DE EXPRESSÃO AMAZÔNICA, LITERATURA DA AMAZÔNIA OU LITERATURA AMAZÔNICA?"), pois tratam de aspectos do povo deste lugar, seus costumes, suas práticas sociais.

O conto "A Feiticeira" narra à história vivenciada pela personagem Antônio de Sousa, quando de uma diligência policial feita por ele, a fazenda do tenente Ribeiro, e desdenha das crenças mais populares da cidade de Óbidos, afirmando sua total descrença.

Por outro lado, a personagem que narra esses fatos - o velho Estevão – fica muito admirado do modo de agir do tenente Antônio Sousa e diz que não seria capaz de ouvir tais leviandades, sem que seu coração não se apertasse, e de certa forma atribui a não crença nesses fatos por parte do tenente Antônio Sousa ser, ainda, muito moço: "Quando a gente se habitua a venerar os decretos da Providência, sob qualquer forma que se manifestem, quando a gente chega à idade avançada em que a lição da experiência demonstra a verdade do que os avós viram e contaram, custa ouvir com paciência os sarcasmos com que os moços tentam ridicularizar as mais respeitáveis tradições...".

Prosseguindo a obra, constatamos que há um choque cultural cada vez mais intenso; de um lado um mundo mais urbano – representado pelo tenente-delegado – e outro mais 'provinciano' ao qual foi destacado (Óbidos); onde há o embate entre este e a 'feiticeira' – Maria Mucoim.

O embate se dá a partir da curiosidade de Antônio de Sousa a respeito de Maria Mucoim, a qual deseja conhecer e atestar, de fato, se esta tem poderes que os ribeirinhos alegam: "- Então, tia velha, é certo que tem pacto com o diabo?" [...] "- É certo que você é feiticeira?".

Neste primeiro embate, após o olhar 'diabólico' da suposta feiticeira, Antônio de Sousa fica paralisado e o narrador dá a entender que o tenente deve ter tido medo pela primeira vez.

Mas, apesar disso, Antônio de Sousa não se dá por vencido e resolve ir até a casa de Maria Mucoim na tarde de uma sexta-feira sombria.

A caracterização do quarto de Mucoim, assim como de sua fisionomia, feitas pelo autor, tem influencia das criações medievais, época na qual tudo que fugia do caráter religioso cristão-católico, era considerado heresia, bruxaria, isto é, ações contra a construção daquele mundo ocidental, como fica bem explicito nos trechos:

O tenente Sousa viu na Maria Mucoim uma velhinha magra, alquebrada, com os olhos pequenos de olhar sinistro, as maças do rosto muito salientes, a boca negra, que, quando se abria num sorriso horroroso, deixava ver um dente, um só! Comprido e escuro. A cara cor de cobre, os cabelos amarelados presos ao alto da cabeça por um trepa-moleque de tartaruga tinham um aspecto medonho que não consigo descrever. A feiticeira trazia ao pescoço um cordão sujo, de onde pendiam numerosos bentinhos, falsos, já se vê, com que procurava enganar ao próximo, para ocultar a sua verdadeira natureza.



Em um quarto singular o quarto de dormir de Maria Mucoim. Ao fundo, uma rede rota e suja; a um canto, um montão de ossos humanos; pousada nos punhos da rede, uma coruja, branca como algodão, parecia dormir; e ao pé dela, um gato preto descansava numa cama de palhas de milho. Sobre um banco rústico, estavam várias panelas de forma estranha, e das traves do teto pendiam cumbucas rachadas, donde escorria um líquido vermelho parecendo sangue. Um enorme urubu, preso por uma embira ao esteio central do quarto tentava picar a um grade bode, preto e barbado, que passeava solto, como se fora o dono da casa.

O contraste de conceito de civilizado – do ponto de vista de Antônio de Sousa – é desfeito a partir do momento em que ele parte para a violência física: "... e exasperado pelo sorriso horrendo da velha, pegou-a por um braço, e, usando toda a força do seu corpo robusto, arrancou-a dali e atirou-a ao meio da sala de entrada. A feiticeira foi bater com a fonte no chão, soltando gemidos lúgubres".

A partir deste episódio irá ocorrer um novo confronto, agora de ordem fantástica (e não física), pois os seres que acompanham Maria Mucoim – devido a gestos desta – avançam em fúria incrível na direção do tenente, atacando-o, até que este diga inconscientemente uma invocação religiosa que fez com que os bichos recuassem.

Tal invocação, a nosso ver, constata a criação cristã da personagem Antônio de Sousa, que a pesar de ser um cético, acaba pro proferir de ordem religiosa em momento de grande perigo, no qual seu inconsciente fora aflorado e expresso verbalmente: "- Jesus, Maria!".

O desfecho da narrativa parece ser interrompido com outro acontecimento – a gargalhada de uma nova personagem. E isto, o desfecho (não desfecho), é uma característica da narrativa fantástica – deixando-o por conta do leitor.

Para nós, falar de Literatura da Amazônia dentro dos atuais conceitos de Estudos Culturais, é complexo, pois há conceito tradicional e estático, permeado de estereótipos do quem vem a ser Amazônia – Amazônia é só floresta? Amazônia é só rio? Amazônia é só índio? Amazônia é 'lugar sem homens'?

Será que como afirmou Platão em A República que "estamos habituados a admitir uma certa idéia (sempre uma só)"?

Ao nosso entender não, pois a Amazônia ou 'Amazônias' foi e é uma junção permanente de pessoas vindas de todas as partes do Brasil e do mundo, com isto, forjando a todo momento uma criação e recriação de sua configuração ética e cultural, literal e lingüística.


Autor: Roberto Dantas


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