Livre concorrência e poder econômico



Livre concorrência e poder econômico

Os traços estruturais da ordem econômica e de sua tutela estão estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Nela encontramos os parâmetros jurídicos que ordenam a economia. Dois dispositivos centrais desta ordenação são o Art. 170 e o Art. 173.
O Art. 170 da Constituição de 1988 estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da soberania nacional, da propriedade privada; da função social da propriedade; e da livre concorrência.
O Art. 173 estabelece que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só é permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. E no seu § 4º determina que a lei reprima o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
Neste artigo está assentada a economia de mercado, com possibilidade restrita de o Estado atuar diretamente na exploração da atividade econômica. Além disso, o § 4º estabelece o legislador deverá regular em lei uma política de repressão ao abuso do poder econômico quando este vise a dominar o mercado, eliminar a concorrência e aumentar preços arbitrariamente.
Portanto, a repressão ao abuso do poder econômico é o núcleo do comando normativo constitucional da defesa da concorrência. É a partir desta diretriz normativa que o constituinte determina ao legislador ordinário que configure instrumentos de intervenção repressiva na ordem econômica visando à defesa da livre concorrência.
Segundo VARELLA BRUNA (2001, p. 171), o poder econômico pode ser entendido como "... a capacidade de determinar comportamentos econômicos alheios, em condições diversas daquilo que ocorreria em regime concorrencial puro, que se expressa não só, mas fundamentalmente, através da capacidade de controlar os preços de mercado, não necessariamente em termos absolutos".
Nesta concepção, um agente econômico, detentor de quantidade relevante de poder econômico, seria capaz de, maximizando lucros, apropriar-se de parcela da renda social superior à que legitimamente teria se fosse desprovido desse poder. Seria capaz, portanto, de subverter a correta distribuição da renda social.
Dois aspectos merecem destaque. O primeiro é que, contrariando a perspectiva de uma concorrência perfeita, o poder econômico deve ser compreendido como um dado estrutural da economia de mercado. Como observa VARELLA BRUNA (2001) "... não mais se pretende a instauração de um modelo de concorrência perfeita, antitético à própria existência do poder econômico. Ao contrário, o poder econômico é tido como um dado da realidade, um fator estrutural, que faz parte de uma técnica de produção social, atribuindo-se a esse poder uma função (social) de servir ao desenvolvimento e à justiça social."
Ou seja, a consciência de uma tendência do mercado a se configurar como oligopólio ou monopólio afasta a possibilidade concreta de se pretender disciplinar a atividade econômica em direção a um modelo ideal de mercado com concorrência perfeita.
E aqui se chega ao segundo aspecto. Na visão de VARELLA BRUNA (2001), apesar do poder econômico ser um aspecto estrutural das economias de mercado ele estaria em relação antitética com a concorrência. Seriam forças com polaridade negativas.
É por isso que o texto constitucional estabelece como núcleo da política da defesa da concorrência a repressão ao abuso do poder econômico. Este abuso se configura a partir de condutas nas quais o poder econômico é desviado de sua função social, tendo por efeito, em especial, a lesão à livre concorrência.

BIBLIOGRAFIA

BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001.


Autor: Sérgio Augusto Ligiero Gomes


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