O fantasma
Estavam na fase da vida em que os filhos se desgrudam da barra da saia da mãe para explorar o território, conhecer o mundo que, para eles parecia ser um grande parque de diversões.
Moravam numa pequena cidade do interior, onde havia apenas um cinema e um salão de baile. Não havia muitas opções de lazer.
- Vamos tomar um banho no rio? Propôs Tiago certa tarde.
- Ah! Hoje ta frio! Exclamou Henrique, entediado.
- Quem chegar primeiro do outro lado é campeão.
- Ele sempre ganha! Afirmou Pedro.
- Claro, eu sou mais forte, mais rápido! Respondeu Henrique, sem muito entusiasmo.
- Mas, não é o mais inteligente, nem o mais corajoso.
Retrucou Tiago. - Quero ver se você ganha numa prova de coragem.
- Claro que ganho! Exclamou Henrique, batendo com a mão fechada no peito. - Sou o mais forte, mais veloz e corajoso.
- Vamos fazer uma prova, então.
- Que prova?
- Vocês conhecem a casa da velha Roselena?
- Todo mundo conhece. Disse Pedro. - Dizem que é assombrada. Dizem que a velha Roselena era muito egoísta, avarenta. Vivia sozinha na casa e quando morreu, a alma dela não saiu da casa e ela assombra todo mundo que mora lá.
- Pois é. Concordou Tiago. - A casa está abandonada.
- E vocês acham que tenho medo de entrar lá? È claro que entro! Não tenho medo nenhum!
- Algumas pessoas que passaram por ali à noite, disseram ter visto um vulto branco de mulher, rondando a propriedade. Disse Pedro, com uma expressão de dúvida.
- Bobagens! Retrucou Henrique. - É tudo invenção. Quero ver se vocês também tem coragem de entrar lá. Vamos fazer um sorteio para ver quem vai primeiro.
Henrique pegou três gravetos, quebrou dois com o mesmo tamanho e um menor e os escondeu na mão, deixando apenas um pedaço a vista. Tiago pegou um, Pedro pegou outro e o terceiro ficou com Henrique. Cada um mostrou o seu pedaço. Pedro havia ficado com o menor.
- Pedro é o primeiro. Disse Henrique e em seguida ele fez o sorteio com Tiago. Tiago seria o segundo.
- Ah! Vamos fazer um novo sorteio. Não quero ser o segundo!
- Nada disso! Você propôs a prova e agora quer recuar? Medroso! Vamos lá! Já é quase noite.
- E parece que vem chuva aí. Disse Pedro, olhando para o céu.
- Vamos deixar para outro dia? Indagou Tiago.
- Nada disso! Respondeu Henrique. - Vamos acabar logo com isso. Ou vocês não têm coragem?
- Vamos lá. Disse Pedro e se pôs a caminho, como se tivesse mesmo muita coragem. Na verdade ele não sabia se teria coragem para entrar, mas não poderia demonstrar medo e nem se recusar a entrar na casa mal assombrada, caso contrario seria chamado de covarde pelo resto da sua vida. Meia hora depois os três rapazes chegaram à frente da casa da falecida Roselena, nos limites do povoado. Era uma casa de madeira caindo aos pedaços, de cor escura, desbotada, o mato seco ao redor completava o quadro sombrio e ameaçador. O céu começava a ser coberto por negras nuvens fazendo com que a escuridão da noite chegasse mais depressa, trazendo trovões e relâmpagos como que para completar aquela atmosfera de suspense beirando ao terror.
Em frente ao portão coberto de heras, Henrique tocou o ombro de Pedro.
- Vai, ou desiste e serás chamado não de Pedro, mas de Covarde. Entre pela frente e saia pelos fundos.
Pedro respirou fundo imaginando que sairia de lá correndo e cagando nas calças. Subiu os degraus da escada que rangeram sob seus pés como se fossem monstros rosnando sob o soalho. Chegando a porta ele tentou abri-la, mas não conseguiu. Voltou-se para trás e viu Henrique fazendo sinais para que insistisse. Pedro exerceu um pouco mais de força e o trinco cedeu, abrindo a porta. Ele olhou para dentro e divisou na obscuridade do interior, as formas escuras de uma sala vazia com o soalho coberto de folhas secas e pó. Um relâmpago iluminou a escuridão seguindo-se o estrondo de um trovão e uma ventania que fez a casa protestar gemendo. Impelida pelo vento, a porta fechou-se com um estrondo atrás de Pedro. Ele estremeceu e correu para abri-la e fugir dali, mas não conseguiu, a maçaneta ficou emperrada. Olhando ao redor procurou dizer a si mesmo que ali não havia nada, que não havia motivo para ter medo. Foi até a janela e olhou por uma fresta no exato momento em que seus dois amigos saiam em disparada, como se tivessem visto alguma coisa apavorante. Pedro decidiu que devia esquecer a porta de entrada e procurar sair pelos fundos. Com as pernas bambas, ele se dirigiu para os fundos. Seguiu por um corredor e chegando ao aposento que antes era a cozinha, abriu a porta que dava para a rua e saiu precipitado, esbarrando na mulher que surgiu de repente na sua frente.
Imagine só o que acontece quando você é obrigado a entrar numa casa abandonada, onde o fantasma de uma mulher foi visto e você tem esperança de que não há nenhum fantasma ali, e de repente você esbarra num vulto branco parado sob a escuridão do alpendre?
Pedro sentiu o estomago subir até a garganta, as pernas amoleceram como se transformassem em geléia. Ele nem forças teve para sair correndo. Imaginou que seria carregado para a escuridão e torturado por monstros horríveis, mas uma voz suave levo-o para a realidade.
- Ui! Que é isso? Quem é você? Perguntou a aparição.
Naquele exato momento a chuva começou a cair. Pedro olhou-a atentamente, as gotas de chuva caindo no rosto dela, um belo rosto de carne e osso. Não, não era um fantasma. Ela soltou uma exclamação e procurou abrigo na casa pois o alpendre estava com algumas telhas quebradas e a tempestade se intensificava. Pedro também entrou. Agora ele reconhecia a mulher, era Zulmira, a bela viúva. Quando ela surgiu de repente na penumbra que antecede a noite, Henrique e Tiago pensaram que era o fantasma de Roselena e fugiram apavorados.
- Meu nome é Pedro...
Zulmira sentou-se no chão, encostando-se a parede.
- Pedro. Acho que a chuva não vai passar tão cedo! O que estava fazendo aqui? Abrigava-se do temporal? Eu também corri pra cá antes que a chuva caísse...
- Sim. Respondeu Pedro, sem saber o que fazer.
- Sente-se aqui, está ficando frio!
O rapaz sentou-se e a mulher disse:
- Eu tinha ido à casa de minha tia e...
De repente um relâmpago iluminou a escuridão e logo em seguida o trovão abalou a casa. Zulmira soltou um grito e sem nenhum pudor abraçou-se a Pedro. O rapaz sentiu no rosto a maciez e o perfume do busto dela.
Quanto mais tempo chover, melhor. Pensou ele.
fim
Autor: Antonio Stegues Batista
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