Nada
Olhos vidrados, olhos molhados. Situação esquisita. Neguim não sabia se continuava ou voltava pra dentro de casa. Em pé, congelado, Neguim viu e ouviu o choro. Era um choro grande, o choro de um homem grande. Neguim não entendeu nada. Como era possível aquele homão chorar?
Neguim chorou de medo quando ele o puxou pelo braço, o ergueu contra o sol e o abraçou carinhosamente, um abraço bem apertado, daqueles de tirar o fôlego. Ele chorou grandemente, gemeu, urrou assustadoramente. Neguim pensou na pisa que ia levar, por que achou que ele tinha descoberto a desobediência da ordem de não nadar dentro da caixa d?água do fundo quintal.
Nada foi dito. Palavra não foi falada. Os dois choraram. Cada um por seu motivo. Os dois sofreram. Os dois se amaram. Neguim entendeu, inexplicavelmente, que aquilo era a última lição, que não era uma reprimenda, que não aprenderia dele mais nada, que não haveria mais lição nenhuma. Neguim o abraçou com mais força. Não queria largá-lo nunca mais.
Neguim viu o papel, com manuscrito ilegível, com carimbo borrado, com assinatura de médico, jogado no buraco do fundo do quintal, o buraco onde se enterrava o lixo, o buraco antes da bananeira que ficava antes da caixa d?água, a caixa d?água onde Neguim não nadou nunca mais.
Autor: Francisco Braga
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