A Aposta




Mariana estava confusa. Não conseguia entender bem o que se passava. Sentia grande leveza em seu corpo, um torpor intenso que a impedia de falar, de expressar qualquer emoção. E era estranho, pois ela estava levitando, a alguns metros do chão, enquanto via seu próprio corpo, cabisbaixo, sentado à mesa externa de um bar, junto a amigos que, embora preocupados, fingiam que nada anormal estava acontecendo.

Mais estranho ainda era observar que ninguém percebia os vultos fantasmagóricos, escuros, que circulavam pelo ambiente. E, com grande insistência, um a um atravessavam seu corpo inerte, como que tentando tomar-lhe posse... Mas não tinham sucesso: por mais que insistissem, por maior que fosse a determinação que tentassem mostrar, os vultos sempre atravessavam seu corpo. Não conseguiam se instalar no mesmo. Confusa, ela apenas observava. O que estava se passando? O que acontecera com ela? Por que, e como, via seu corpo inerte? Afinal, quem era ela agora, onde estava? Seria um pesadelo? O que havia se passado, como tinha chegado ali?

Ela lembrou que, há pouco, seus gritos eram intensos. Não entendia como, agora, não conseguia esboçar nenhuma palavra, sequer abrir a boca. De fato, havia gritado como nunca, chorado de forma inconsolável, o que levou seus amigos a parar o carro e, em desespero, tentar acalmá-la. Pessoas começavam a se aproximar, procurando saber o que acontecia. Os amigos tentavam evitar maiores problemas, diziam que ela tinha crises, que já ia passar, etc. O fato é que estavam preocupados, simplesmente não sabiam o que fazer. Nada acalmava a moça, que mantinha o corpo hirto, berrando e chorando muito.

De fato, naquele momento, Mariana se via numa roda gigante, sozinha. No começo estava tudo bem, apesar da situação insólita. O brinquedo funcionava normalmente, mas, de um momento para outro, começou a acelerar de forma contínua, sem mais parar. Ela começou a entrar em pânico, percebendo que a roda girava cada vez mais rápido, rápido demais... Começou a ficar tonta, tinha medo de cair, a situação rapidamente mudara de insólita para desconfortável e, finalmente, para pânico. Estava sozinha, abandonada, ninguém que pudesse pedir ajuda. Era como se a roda gigante tivesse vida própria. E girava cada vez mais rápido, atingindo velocidade inconcebível. Ela já não mais conseguia ficar sentada, estava caindo, segurava firmemente no apoio da gôndola, seu corpo balançava já livre, pronto para ser arremessado ao longe. Unia todas as suas forças, sabia que a queda traria a morte certa. Seu coração disparara, não entendia como aquilo podia estar acontecendo. Simplesmente, de um momento para outro, estava na roda gigante, já em movimento... Só lhe restava segurar com todas as forças, esperando que o aparelho diminuísse a velocidade para que pudesse descer... E gritava a plenos pulmões, quem sabe alguém poderia lhe escutar e desligar o motor, livrá-la do pesadelo... Mas o tempo passava e nada adiantava... Ela acabou por perder a consciência, só retornando a abrir os olhos para ver seu corpo inerte, à mesa do bar, cercado pelos amigos que tudo faziam para passar a impressão que as coisas iam bem...

Nada disso era mesmo para ter acontecido. Parece que os amigos, de uma forma ou de outra, sabiam que cedo ou tarde Mariana iria retornar ao normal, estaria de volta à realidade. Pelo menos era isso que eles esperavam, caso contrário teriam sérios problemas. Levá-la a um hospital já seria um problema em si, teriam que dar explicações, a família dela iria acabar sabendo a verdade, enfim, seria complicação para todos. Melhor mesmo apostar que bastava aguardar um certo tempo para ela se recuperar. Era uma aposta arriscada, mas se desse certo todos estariam a salvo de confusão maior...

Depois dessa experiência, eles teriam que tomar cuidado em passar drogas para ela. Mariana já havia fumado maconha antes, mas com pouca frequência e sem observar efeitos alucinógenos tão intensos. Apenas sentira-se entorpecida e acabara dormindo... Isso acontecia em situações especiais, quando podia dormir fora de casa, em passeios com amigos e amigas. Mas algo estava diferente naquela tarde, quando resolveram sair de carro para um passeio pela cidade. Talvez ela fumara mais do que estava acostumada, talvez tenha sido rápido demais, talvez já estivesse meio eufórica antes (e não num momento em que se preparava para dormir)... O fato é que nunca havia tido alucinações assim antes. Nem se drogava com frequência ou apresentava tendência para tal. Queria apenas ser como seus amigos, integrar-se ao grupo, ficar alegre como eles ficavam após fumar...

Mas, agora, nem seu próprio corpo ela tinha mais. Tentava voltar, se mexer, falar, gritar, mas mantinha-se na mesma posição, flutuando a certa altura do chão, vendo seus amigos juntos a seu corpo inerte, atacado pelas constantes investidas dos espíritos. Nada ouvia, nada mais sentia. A situação era angustiante e ela nada entendia, sequer conseguia pensar direito.

A quantidade de fantasmas curiosos, circulando em volta de seu corpo, como se cada um esperasse a sua vez de tentar tomar posse do mesmo, seguia aumentando. Ela, porém, não sentia mais medo. Não conseguia entender como poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo e, de certa forma, embora compreendesse parcialmente o que se passava, não se importava mais em perder seu corpo para sempre. Talvez fosse por isso que não conseguia sair daquela posição, flutuando no mesmo lugar, enquanto assistia à cena... Se seu corpo fosse, enfim, reivindicado, seu espírito estaria livre? Qualquer que fosse o caso, sentia-se confusa, assustada, mas agora sentia certa paz interior. O medo, o terror que a situação na roda gigante havia lhe causado, já havia passado.

Transcorreram-se mais alguns momentos naquela situação de suspensão etérea. De repente, sentiu um grande puxão em seus pés, como se fosse atraída por um vácuo. No momento seguinte, estava de volta ao seu corpo. Imediatamente abriu os olhos e começou a falar sem parar, qualquer palavra que surgisse em sua mente, mesmo que não conseguisse de imediato formar frases com sentido. Percebeu que estava de volta. Sua mente voltava a funcionar... Estava ainda confusa, não sabia ao certo o que havia acontecido, o que era realidade, o que foi sonho, o que fantasiou, o que vivenciou. Tudo se misturava. Mas agora estava de volta, o corpo era seu novamente, já tinha controle de si, sabia como proceder, conhecia seu mundo. Grande foi o alívio dos amigos em saber que a aposta tinha dado certo, que ela se recuperara.

Autor: José Marcelo Rigoni


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