Poder e gênero: a mulher e suas artimanhas em uma história de família



Pretende-se, neste ensaio, discutir a mulher e suas artimanhas a partir do romance, Uma história de família.

Publicado em 1992, "Uma história de família", apresenta aos leitores as temáticas da morte, da loucura, da vergonha e da culpa envoltas num ambiente sentimental.

Seu personagem principal é um doente que narra a sua história familiar por meio de suas recordações de infância e descobertas acerca do passado do tio Mário, já falecido, que era débil mental, em uma conversa imaginária. Utilizando-se de textos envolventes que atraem nossa atenção sobre o mistério da morte do "louco da família", Silviano Santiago traz críticas aos valores tradicionais, repletos de preconceitos, de uma família do interior de Minas Gerais.

Segundo podemos constatar, o autor usa uma linguagem clara e concisa para enfatizar o desejo dos parentes de tio Mário em vê-lo morto, mas ao mesmo tempo em que pedem a sua morte, sentem vergonha e culpa por isso, com freqüência:

Todos querem a sua morte já, por de certo divino ? para o seu bem no seu lugar, Decidiram aqui na terra, decidido está lá em cima. À vontade nossa dos homens impera, chegou a hora. Decisão feita em silencio tácito e conivente, São eles ? os mais próximos e as que mais te amam ? que decidem sobre o seu destino (SANTIAGO, 1992, p.7).


Subentendemos, a partir do romance, que o papel das mulheres e suas relações com os homens denota uma questão de poder, típico do século XXI quando começa a se discutir o relacionamento entre os sexos e estoura o movimento feminista pelo mundo, reivindicando direitos que até então eram negados às mulheres.Por isso é preciso se atentar para ao conceito foucautiano de poder. Segundo Foucault (1976) "Este poder está entre cada ponto do corpo social, entre homens e mulher, entre membros de uma família, entre cada um que sabe e cada um que não sabe, existindo relações de poder recíproco".
Por meio do conceito supracitado de poder encontramos na obra analisada vestígios de disputas no âmbito familiar. Nota-se isto, no momento em que o irmão (Gíacomo) do falecido esposo da mãe de Mário quer assumir o controle do negocio da viúva, no caso, a pensão que para ele significava dinheiro, poder e prestígio social, evitando que uma fêmea tomasse as rédeas do negócio e da família, fato impróprio para a época:

Faltar com respeito com a dama da pensão era o mínimo para ele, interessado mais no faturamento mensal do que nos bons costumes. Os hospedes não honrariam as despesas. Fiado atrás de fiado, o bom negocio do irmão iria pras cucuias em pouco tempo (SANTIAGO, 1992, p. 91).


Mas, a viúva usa toda a sua esperteza e consegue rapidamente arrumar uma pretendente para seu cunhado, afastando-o, juntamente com seu desejo matrimonial e de tutela, para ficar livre de uma vez por todas para o amante. Percebe-se, nesta parte do romance , como a mulher usava todas as suas armas para manipular os fatos e conseguir o que queria, burlando os costumes.

Vale salientar, que as mulheres nem sempre foram vítimas na história, Elas souberam criar estratégias para obter poder em meio a uma sociedade machista e conservadora.

Na sociedade mineira da época retratada no livro estudado, existe uma teia de poderes que envolvem diversos personagens, como por exemplo, a necessidade que a matriarca, imigrante italiana sentia em purificar a sua família para conquistar a invisibilidade social que tinha que ser conquistada a qualquer preço. Havia um esforço para que seus descendentes não apresentassem resquícios da cultura italiana. Deveriam se esforçar para serem brasileiros legítimos.

Provavelmente, sem querer, Santiago nos oferece material suficiente para se fazer uma discussão de gênero. Para tanto, usaremos a definição de Joan Scott:
O termo gênero passa a introduzir uma noção relacional em nosso vocabulário de analise. Segundo essa opinião as mulheres e os homens eram definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de um deles podia ser alcançada por um estudo separado (SCOTT, 1991, p. 5).

Depreendemos, então, que a mulher e sua relação com o homem, são representadas por duas personagens antagônicas, quanto ao modo de ser e de viver na obra em questão: a mãe de Mário, narrada como uma mulher forte e opressora e a esposa do farmacêutico Onofre, que é descrita com submissa e oprimida.

A primeira é a dona da pensão, que se apega aos valores da família tradicional, sempre em busca da perfeição para mostrar à sociedade de Pains. No entanto, ela nega estes valores quando trai o marido com o farmacêutico num romance secreto. Mandona, senhora da verdade, parece ser a única pessoa no mundo a ter razão, dona do próprio nariz e negocio não aceita ser tutelada pelo cunhado após o falecimento do esposo.

Essa mulher forte e destemida tem vergonha da doença do filho. Ao mesmo tempo em que se sente culpada por ter esse sentimento, não aceita a morte da filha, que não sofria de nenhuma doença e acaba morrendo do parto, enfermidade comum naquele tempo: "Morte para tio Mário. Ressurreição para a irmã mais velha. Tinham a sua vida como uma morte em vida. Era só casar morte em vida com morte sem vida" (SANTIAGO, 1992, p. 35).


Corrompida pelos sentimentos de vergonha e culpa, teceu estratégias para viver uma vida imaculada com os olhos dos outros. Não obstante, ela rejeita o filho, tem desavença com o genro e trai o cônjuge arquitetando o seu assassinato. Arranca o mal pela raiz, exigindo do amante a morte do filho doente mental.

Nesta parte do romance, Silviano Santiago constrói uma personagem feminina de grande valor para os estudiosos da história da mulher, pois mostra uma mulher que é capaz de tudo para conseguir o que quer: "Se frequentemente as mulheres foram as vitimas, elas souberam manipular o poder e tornaremos se exploradoras e opressoras" (PERROT, 1994, p. 18).

A segunda mulher é relatada no livro como um ser frágil, que é dominada pelo marido e vive trancada e obediente em casa, uma verdadeira empregada domestica que serve ao seu senhor: "Moravam os dois na casa das cortinas brancas. Trabalhava como uma moura, cozinhava, lavando, encerando" conforme Santiago (1992).

É esta mulher esposa do farmacêutico, que nos revela o mistério da história da família do moribundo, através de seu testemunho contando ao Dr.Marcelo no seu leito de morte e repassado ao sobrinho de tio Mário numa carta.

A esposa do farmacêutico constitui a fêmea dominada e a subjugada pelo homem, características das mulheres que primeiro foram analisadas pelos historiadores que dedicam à historia das mulheres.A relação de poder aqui é vista como um poder autoritário e arbitrário centrado nas mãos do macho dominador que exerce influencia demasiadamente grande sobre o sexo oposto.

Silviano Santiago finaliza a sua trama dando um desfecho surpreendente, que nos faz mergulhar num repensar dos valores tradicionalmente aceitos como corretos pela ética e moral de nosso tempo.

Morte e loucura, vergonha e culpa são tão contemporâneos quanto a descoberta de remédios e invenções tecnológicas. Ainda se preza muito por valores morais e culturais antiquados, pois às vezes podemos nos apegar a preconceitos de raça, cor, sexo, classe, idade, doença.

Dessa forma, persiste em nossa sociedade, a homofobia, o racismo, a desigualdade social, a aversão aos doentes. Em contra partida, sentimos culpa e vergonha por sentir. Somos fruto de uma sociedade construída tradicionalmente.











UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA ? UNEB
CAMPUS UNIVERSITÁRIO PROF. GEDIVAL SOUSA ANDRADE


DCHT XXIV



Tânia Maria Machado de Carvalho












Poder e gênero: a mulher e suas artimanhas em uma história de família

















XIQUE-XIQUE-BA
2010

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA ? UNEB

CAMPUS UNIVERSITÁRIO PROF. GEDIVAL SOUSA ANDRADE
DCHT XXIV



Tânia Maria Machado de Carvalho









Poder e gênero: a mulher e suas artimanhas em uma história de família





Trabalho apresentado à Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial de avaliação do Componente Curricular Tradição e Ruptura na Literatura, ministrado pela profª. Jacimara Vieira dos Santos, no II semestre.











XIQUE-XIQUE-BA
2010

Referencias:


FOUCAULT, Michel. As malhas do poder conferência pronunciada em 1976 na Faculdade de Filosofia da UFBA (Trad.Prof.Ubirajara Rebouças).

PERROT, Michele. Em que ponto está a historia das mulheres na França? IN: Revista brasileira da História. Espaço Plural. ANPUH. São Paulo: Marco zero,Nº 28,1994.

SANTIAGO, Silviano. Uma historia de família. 4.ed.Rio de Janeiro: Rocco,1992.

SCOTT, Joan. Gênero uma categoria útil de analise histórica. Recife:SOS corpo,1991.

Autor: Tânia Machado De Carvalho


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