Literatura



Ensino de Literatura no Ensino Médio

Maria Solange Rocha*

Introdução

O ensino de literatura enquanto disciplina escolar no ensino médio tem sido alvo de inúmeras inquietações. Percebemos que tal ensino não vem ocorrendo de forma a levar os alunos a adquirir o letramento literário. Isto se deve ao pouco espaço atribuído a leitura literária nas aulas e quando o contato do aluno com a obra estética ocorre é sem uma mediação adequada, pois os professores geralmente desconhecem as contribuições da teoria literária para facilitar a interação do aluno com o texto. Por isso este estudo tem por objetivo pesquisar os problemas relacionados ao ensino desta disciplina considerando o papel que a literatura deve desempenhar na sociedade, os objetivos, conteúdos e metodologias utilizadas em aulas de literatura no ensino médio no município de Bela Cruz. Esta pesquisa tem por finalidade contribuir para uma melhoria no ensino da referida disciplina.

Desenvolvimento

Para a realização deste trabalho, utilizamos o método de pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. Iniciamos com a escolha da temática, depois partimos para a seleção e aquisição da bibliografia específica sobre ensino de literatura. Fizemos a leitura e fichamento dos textos e depois elaboramos o questionário que foi aplicado a um professor do ensino médio que leciona literatura, em seguida, partimos para a elaboração do texto, no qual analisamos as respostas do docente comparando-as com a bibliografia consultada.
Muitos aspectos relacionados ao ensino de literatura tem sido alvo de críticas um deles diz respeito ao para que da literatura. Qual o seu papel na vida do homem?
Antônio Cândido (2002), no texto intitulado A literatura e a formação do homem, apresenta algumas variações sobre a função humanizadora da literatura.
Segundo o estudioso, "um certo tipo de função psicológica é talvez a primeira coisa que nos ocorre quando pensamos no papel da literatura. A produção e fruição desta se baseiam numa espécie de necessidade universal de ficção e de fantasia, que decerto é coextensiva ao homem" ( CANDIDO, 2002, p. 80 ). Como observamos, uma das funções da literatura é suprir a necessidade de ficção e fantasia que é uma carência universal do homem, ou seja, tanto a criança como o adulto, tanto o analfabeto como o instruído. Todos sentem esta necessidade porque ela é inerente ao ser humano.
Para Cândido, a literatura longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica (esta apoteose matreira do óbvio, novamente em grande voga), ela age como impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela ? com altos e baixos, luzes e sombras" (p. 83). Assim, outra função da literatura seria a de educar, agindo na formação da personalidade do indivíduo, pois ela não educa como os livros didáticos ou como gostariam os moralistas. A literatura trabalha de forma indiscriminada e vasta, falando de todos os aspectos relativos ao ser humano.
Ainda para o mesmo autor, uma terceira função da literatura seria a de constituir ela um conhecimento de si e de mundo, pois "o leitor, nivelado ao personagem pela comunidade do meio expressivo, se sente participante de uma humanidade que é a sua e, deste modo, pronto para incorporar à sua experiência humana mais profunda o que o escritor lhe oferece como visão da realidade" (p. 92).
Nesse sentido o artista recolhe o conteúdo literário da realidade que nos circunda. Esta realidade passa a ser representada por ele a partir da sua sensibilidade para que a obra seja fiel aos caracteres do mundo físico e passe a ser um conhecimento da realidade. Dessa forma "ensinar literatura não é apenas elencar uma série de textos ou autores e classificá-los num determinado período literário, mas sim revelar ao aluno o caráter atemporal, bem como a função simbólica e social da obra literária" (MARTINS, 2006, p. 91).
Muitas vezes os alunos desconhecem as variações da função humanizadora da literatura (a de satisfazer à necessidade universal de fantasia; a de contribuir para a formação da personalidade e a de conhecimento de si e de mundo) fazendo com que o ensino desta disciplina perca, em parte, seu sentido.
Tendo esclarecido sobre o papel que a literatura deve desempenhar na sociedade justificando dessa forma este ensino, partamos para a abordagem aos objetivos.
As orientações oficiais delimitam os objetivos do ensino de literatura em "formar para o gosto literário, conhecer a tradição literária local e oferecer instrumentos para uma penetração mais aguda nas obras ? tradicionalmente objetivos da escola em relação a literatura ? decerto supõem percorrer o arco que vai do leitor vítima ao leitor crítico" (PCNs, 2006, p. 69).
O leitor vítima é entendido aqui como aquele que se interessa apenas pelo, conteúdo narrado e o leitor crítico, além de ser atraído pelo conteúdo, interessa-se também pela forma de narrar.
Mas segundo os PCNs, 2006, p. 55. "faz-se necessário e urgente o letramento literário: empreender esforços no sentido de adotar o educando da capacidade de se apropriar da literatura, tendo dela a experiência literária". Observamos um alerta para a pouca produtividade colhida pelo ensino literário da forma como o mesmo vem se efetivando, chamando a atenção para o cumprimento de seus objetivos, pois a experiência só é possível se o aluno tiver contato direto com a obra estética o que tem se observado raramente nas aulas da referida disciplina. Esta observação nos remete a atenção para os conteúdos e metodologias ministradas nas aulas de literatura.
Os PCNs diagnostica:

"Constata-se, de maneira geral, na passagem do ensino fundamental para o ensino médio, um declínio da experiência de leitura de textos ficcionais, seja de livros da literatura infanto-juvenil, seja de alguns poucos autores representativos da literatura brasileira selecionados, que aos poucos cede lugar à história da literatura e seus estilos. Percebe-se que a literatura assim focalizada ? o que se verifica, sobretudo em grande parte dos manuais didáticos do ensino médio ? prescinde da experiência plena de leitura do texto literário pelo leitor. No lugar dessa experiência estética, ocorre a fragmentação de trechos de obras ou poemas isolados (...)" (PCNs, 2006, p. 63.

Verificamos que os alunos, ao passarem do ensino fundamental para o ensino médio, deixam de ter contato direto com obras estéticas o que deveria ser o oposto, pois pressupõe-se que ao chegar na última etapa do ensino escolar, o discente tenha mais maturidade e se mostre mais receptivo a leituras de obras de referência. Mas a adoção exclusiva do livro didático pelos professores como seleção de conteúdos e de como abordá-los transformou o que deveria ser apenas um instrumento de auxílio em algo prejudicial ao ensino.
As orientações oficiais propõem uma mudança na proposta dos livros didáticos de forma a contribuir para a "formação do leitor da literatura rumo a sua autonomia. Se isso ocorrer, os livros didáticos deverão manifestar sua própria insuficiência como material propício para a formação plena de leitores autônomos da literatura, ao incluir, nas suas propostas didáticas, a insubstituível leitura de livros". (PCNs, 2006, p. 64).
Os PCNs ainda sugerem, para suprir o vazio deixado pela falta de leitura de obras integrais no ensino médio, uma seleção que abranja os três anos de escolaridade, sendo o tempo da disciplina suficiente para uma boa formação (2006, p. 64). Mesmo havendo a efetivação dessa proposta os professores não devem se orientar apenas pelo livro didático, os mesmos, como leitores assíduos de obras de referência da literatura, poderão fazer escolhas do seu gosto para compartilhar com os alunos.
A proposta de leitura de obras integrais durante os três anos deve persistir tanto no caso de a escola adotar ou não o livro didático. Nos dois casos é necessário que a seleção seja feita em comum acordo entre os professores. E a seleção pode ser reavaliada conforme o tempo for passando (PCNs, 2006, p.73).
Para tanto os PCNs indicam:

Pensamos que se deve privilegiar como conteúdo de base no ensino médio a Literatura Brasileira, porém não só com obras da tradição literária, mas incluindo outras, contemporâneas significativas. Nada impede, e é desejável, que obras de outras nacionalidades, se isso responder às necessidades do currículo de sua escola, sejam também selecionadas. Também é desejável adotar uma perspectiva multicultural, e que a literatura obtenha a parceria de outras áreas, sobretudo artes plásticas e cinema (PCNs, 2006, p. 73-74).

Ou seja, para formar o gosto literário, conhecer a tradição local e se apropriar da obra estética obtendo nele fruição, objetivos do ensino de literatura para o ensino médio é necessário que os alunos experienciem obras variadas, como as clássicas e contemporâneas, nacionais, regionais e até internacionais e seja exposto a outros tipos de fazer artístico, considerando o diálogo entre literatura e outras artes, reconhecendo a diversidade de linguagens e códigos. Mas como fazer com que os alunos se interessem por essa gama de textos estando eles habituados com a ficção juvenil, os best selers e outras obras consagradas pela mídia?
Braga (2006), em seu artigo intitulado O ensino de literatura na era dos extremos, relata como era a abordagem ao texto literário há tempos atrás. "Em nossa trajetória enquanto estudante, não raro, ouvimos colegas queixando-se da inacessibilidade dos significados da literatura, pois ?jamais conseguiram chegar às conclusões que os professores desejavam? e, por ser assim tinham aversão pela disciplina que se propunha como um enigma" (p. 03). Dessa forma os professores de hoje foram formados e continuam reproduzindo esta forma de ensino em que o texto literário é entendido como estático e unívoco.
Conforme verificamos em Alves Martins:

Na verdade, importante seria, na leitura literária, a tentativa de não negligenciar o pacto ficcional que o jogo da linguagem e do imaginário tenta estabelecer com os leitores e que somente estes seriam capazes de instaurar, ou de ignorar, no seu comportamento participativo. Da mesma forma, importante seria não tratar como informativo ou instrucional, cobrando respostas objetivas e fechadas, textos essencialmente subjetivos e abertos como os literários ( MARTINS, 2006, p.1).

Observamos que as mediações feitas pelos professores não consideram o texto literário como plurissignificativo que permite várias leituras, sendo seus sentidos completados pela participação dos leitores, no ato da interação leitor/texto. Isso ocorre devido ao desconhecimento das contribuições da teoria literária para o diálogo do leitor com o texto que poderia auxiliar no ensino-aprendizagem da literatura, fazendo com que os alunos se sentissem atraídos pela obra estética e encontrassem prazer em sua leitura. Como ratifica Martins (2006, p. 84), "se a teoria literária tivesse maior penetrabilidade em sala de aula, a voz do aluno, no ato da recepção textual, não seria recalcada pelos roteiros de interpretação, pelas fichas de leituras, pelos exercícios propostos pelos livros didáticos e pela leitura já instruída pelo professor".
Os PCNs orientam no sentido de como devem ser as atividades tendo em vista motivar o interesse do aluno pelo texto literário:

Parece, portanto, necessário motivá-los à leitura desses livros com atividades que tenham para os jovens uma finalidade imediata e não necessariamente escolar (por exemplo, que o aluno se reconheça como leitor, ou que veja nisso prazer, que encontre espaço para compartilhar suas impressões de leitura com os colegas e com os professores) e que tornem necessárias as práticas de leituras (PCNs, 2006, p. 70-71).

Ou seja, colocar a leitura como algo prazeroso e necessário e não como uma obrigação, um pretexto para resolver exercícios enfadonhos como as fichas de leitura. A partilha da leitura feita pelos alunos entre os mesmos, a socialização de suas idéias é muito importante, pois permite a reconstrução de leitura a partir das idéias do outro
Para Martins, "abordar a literatura, tendo em vista as noções de intertextualidade, interdisciplinaridade, transversalidade e intersemiose é, sem dúvida uma premissa fundamental para que o aluno desenvolva uma compreensão mais crítica do fenômeno literário, sendo este inserido nas práticas sociais e culturais" (MARTINS, 2006, p.87).
Nesse sentido a autora propõe a análise do texto Poema tirado de uma notícia de jornal, de Manuel Bandeira, como exemplo para o professor trabalhar as noções citadas acima.
Propostas dessa natureza se justificam por serem desafiadoras e explorarem todas as potencialidades de conhecimento subjacente ao texto literário, entendendo-o como um fenômeno cultural, histórico e social, instrumento político capaz de desvendar as contradições e conflitos da realidade. É dessa forma que o texto literário propicia ao aluno o exercício da reflexão, o afinamento das emoções e a capacidade de adentrar nos problemas da vida.
No entanto, de acordo com PCNs (2006, p.80), para que o letramento literário (entendido como a capacidade de compreender os significados da escrita e da leitura literária para quem as utilizam nos contextos sociais) seja possível é necessário que tenha espaços para a leitura nas escolas, sustentado por uma biblioteca com acervo suficiente para atender aos alunos, contribuindo para a existência de uma comunidade de leitores.
Resultados e discussões

No primeiro questionamento da pesquisa de campo, perguntamos ao professor qual sua opinião sobre o papel que a literatura deve desempenhar na sociedade. O docente não respondeu de forma adequada, mudando o foco da pergunta para os objetivos do ensino de literatura. Isso nos leva a hipotetizar que o professor desconhece as variações da função da literatura como humanizadora. A segunda pergunta foi concernente aos objetivos do referido ensino. O educador respondeu de forma satisfatória, aludindo a necessidade de formar o gosto pelo fazer literário e a formação de bons leitores e seguidores da literatura. Percebemos que o retorno do professor vai de encontro com os objetivos propostos pelos PCNs (2006).
No terceiro questionamento, indagamos sobre os critérios adotados pelo docente para selecionar os textos literários trabalhados nas áreas. O mesmo respondeu de forma pertinente, pois esclareceu que faz uso de muitos critérios, incluindo o gosto e o nível dos alunos, a escola literária em estudo e a atratividade dos textos.
O quarto quesito foi relativo às abordagens e metodologias privilegiadas pelo professor no ensino da disciplina em questão. Achamos que o docente poderia ter sido mais detalhista, pois resumiu suas metodologias em poucos tópicos, alguns bem pertinentes como os seminários, discussões em sala, filmes e paralelos a livros, as mesmas são atividades desafiadoras e atrativas, visto que nos levam a crer que o professor dá espaço para os alunos se expressarem e socializar suas idéias. O uso de filmes e paralelos a livros é uma atividade muito condizente, pois trabalha as noções de intertextualidade e intersemiose que contribuem para um melhor entendimento da obra estética, como sugere os PCNs e Martins. No entanto verificamos que as atividades mais utilizadas pelo professor são roteiro de leitura e estudo de texto. Essas atividades são alvo de críticas pelos estudiosos por se constituírem em práticas desestimulantes, onde aparecerá que o texto é utilizado apenas como pretexto para realizar exercícios cansativos, além disso, o roteiro de leitura pode podar as possibilidades de experimentação do texto pelo leitor, visto que na leitura literária se instaura uma espécie de jogo onde o autor dita as regras e o leitor vai em busca de seus significados.
No quinto e último questionamento, perguntamos em que medida o docente acha que os conteúdos curriculares limitam o trabalho na concretização dos objetivos para este ensino. O professor esclareceu que fica muito limitado em alguns pontos, mensionando que o tempo é insuficiente para a grande quantidade de conteúdos; os livros focam mais o estudo das escolas literárias o que torna mais desestimulante para os alunos; a dificuldade em se trabalhar qualquer obra literária é grande visto que a escola não dispõe de quantidade suficiente de exemplares.
Observamos, com relação ao tempo insuficiente, que se tratam de três anos e, como orientam os PCNs, se os conteúdos fosse organizados de forma a retirar do currículo o que é abundante como o estudo das escolas literárias e incluir mais leituras de obras o tempo seria suficiente para introduzir o letramento literário que pressupõe a leitura por toda a vida. Mas, para tanto, é necessário o investimento em livros para que as bibliotecas tenham um bom acervo. Por fim, o professor não deve se basear apenas no livro didático, tomando-o como muletas, mas percebemos que este recurso que deveria ser apenas um auxílio a mais, está ultrapassando suas atribuições, sendo usado como seleção dos conteúdos e de como ministrá-los.

Conclusão

Percebemos que o ensino de literatura no ensino médio vem ocorrendo de forma problemática. Com relação aos conteúdos e abordagens o que deveria ser colocado como prioridade que é a leitura de obras literárias está sendo relegada a segundo plano em favor do estudo dos Estilos de Época. O contato do aluno com o texto literário se dá por meio de fragmentos de obras e por metodologias inadequadas. Isso vem fazendo com que os alunos tenham cada vez mais aversão a leitura de obras estéticas, impedindo que os mesmos se tornem leitores críticos e percebam a riqueza de conhecimento advinda da referida arte. Isso decorre devido ao uso quase que exclusivo do livro didático pelos professores e pela falta de bibliotecas com bom acervo nas escolas.
Portanto faz-se necessário um investimento, por parte do poder público, em cursos de formação para professores que lecionam a referida disciplina, no sentido de que os mesmos conheçam as contribuições da teoria literária na prática escolar e façam uso mais apropriado do livro didático. Faz-se necessário, sobretudo, um investimento em livros literários para que as bibliotecas sejam equipadas com exemplares suficientes para atender a demanda da disciplina em questão.

Referências

BRAGA, Patrícia Colavitti. O ensino de literatura na era dos extremos. Letra Magna. Revista eletrônica de divulgação científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura. n. 05. Ano. 03.2006.
CANDIDO, Antônio. Textos de intervenção. São Paulo: Duas cidades, 2002.
MARTINS, Aracy Alves. A leitura literária nos livros didáticos. CARVALHO, Maria Angélica Freire de; MENDONÇA, Rosa Helena (org). Práticas de leitura e escrita. Brasília: Ministério da Educação, 2006.
MARTINS, Ivanda. A literatura no ensino médio: quais os desafios do professor? BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (org). Português no ensino médio e a formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006.
Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Ministério da Educação, Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Brasília : Mec/ Sentec, 2006.











*Acadêmica da Universidade Estadual Vale do Acaraú cursando o 8º período do curso de Letras.

Autor: Josiane Costa


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