Terror no Banheiro




Todo sábado Anselmo mantinha sua tradição. Após uma semana exaustiva de trabalho, dormia até a hora do almoço (às vezes saía com Mirella, sua namorada, para um cinema na sexta), passava boa parte da tarde jogando futebol com os amigos e, no começo da noite, após banho tomado, arrumado e perfumado, ia para a casa da namorada, onde ficava vendo televisão enquanto esperava ela se preparar para que pudessem ir jantar.

Anselmo, assim, já era meio que membro da família. Tanto que às vezes só tocava o interfone pra avisar que estava subindo e a porta já estava aberta para ele. Depois alguém costumava aparecer para dar um "oi", fosse Dona Matilde, mãe de Mirella, seu Adamastor para conversar sobre os resultados da rodada do campeonato de futebol ou a própria namorada, para um beijo rápido (mas isso raramente acontecia, ela detestava ser vista por ele sem estar devidamente arrumada).

Naquele sábado Dona Matilde o recebeu rapidamente para apresentar Carlos, o novo namoradinho de Priscila, irmã de Mirella. Pouco depois ela se retirou, para cuidar de outros afazeres, deixando os dois rapazes sozinhos na sala. Seu Adamastor encontrava-se em viagem e Anselmo sentou em sua poltrona favorita, quase que de frente para Carlos, que estava pudicamente retraído no sofá. Era visível que Carlos estava constrangido, rapaz tímido que era, ainda não acostumado ao ambiente. Tinha medo de fazer qualquer coisa errada, por isso conversava. Passaram a maior parte do tempo vendo televisão. Anselmo não estava nem um pouco preocupado, era aquele um momento que ele tirava para relaxar, pois sabia da fama das irmãs de levarem horas no ritual de se arrumar.

Algum tempo depois, ele começou a perceber que Carlos mantinha certa inquietação. Cruzava e descruzava as pernas, limpava o suor da testa, segurava um braço firmemente ao outro, ficava pálido. Ao perceber o olhar de curiosidade e preocupação que Anselmo lhe lançava, Carlos teve que admitir:

- Puxa... Acho que realmente não estou me sentindo bem...

Anselmo nada tinha contra o rapaz e, sendo praticamente um membro da casa, procurou confortá-lo, deixando-o bem à vontade:

- Não se preocupa não, cara! O banheiro fica ali no corredor, pode ir lá que elas ainda vão demorar bastante.

E lá foi Carlos, passos curtos e apressados, em total constrangimento. A casa era grande, com vários cômodos, mas o banheiro do corredor (na verdade um requintado lavabo) ficava próximo e foi rapidamente encontrado. Estava mesmo agradecido a Anselmo pela dica e com o fato de ninguém mais o ter visto adentrando o recinto.

O tempo foi passando... Cerca de quarenta minutos depois, Anselmo estava preocupado. O que teria acontecido com o rapaz? Será que o caso era realmente sério, algum problema que ele não havia revelado? Era impressão sua ou tinha acabado de ouvir um gemido, um lamento? Seria da televisão ou vinha do banheiro? Levantou-se e bateu levemente na porta do banheiro ? "Olá? Tudo bem aí?".

Não, não estava nada bem. Carlos fora acossado por uma feroz e implacável dor de barriga. Graças a Anselmo, pôde usar o banheiro em tempo de evitar qualquer consequência desastrosa que poderia gerar imensurável constrangimento. No entanto, somente depois de consumado o ato, percebeu que não havia papel higiênico no recinto. Também não havia bidê, era aquele um lavabo para visitas que, embora muito bem arrumado, decorado e cuidado, pouco era usado. O que fazer? Gritar pedindo papel estava fora de cogitação! Queria se livrar da situação o mais rapidamente possível, sem deixar pistas, vestígio algum do que tivesse acontecido. Queria acabar com o problema logo e voltar para o sofá, ficar vendo televisão com postura calma, apenas esperando sua amada, como se nada, absolutamente nada de diferente tivesse ocorrido.

O que fazer? No desespero, muitas vezes, o homem perde a razão. Carlos viu a toalha de rosto, branquinha, pendurada ao lado da pia. Não pensou duas vezes, era preciso resolver o problema. Usou da toalha para se limpar da melhor forma possível. Em seguida, para se livrar da prova do crime, enrolou a mesma como que num formato de bola e... Atirou dentro do vaso!

Ao dar descarga, a toalha se recusava a descer com o resto. Colocou-se à porta do encanamento, bloqueando o caminho como que se sua intenção fosse deixar claro ao mundo a revelação do criminoso. Como Carlos havia se preocupado em dar uma longa e generosa descarga, o que julgava suficiente para que todo aquele pesadelo fosse embora, o vaso começou a transbordar. Ele só percebeu isso quando era tarde demais, pois, tal era sua inquietação, havia fechado os olhos (meio que torcendo, meio que buscando forças) enquanto pressionava o botão salvador da descarga. Abriu os olhos em pânico ao ouvir a água transbordando para fora do vaso...

Na verdade, não era mais água... Era um caldo escurecido e fétido, que agia como um monstro de vida própria a tomar o território do banheiro. Contrastava com o azulejo branquinho do chão, apossava-se do tapete felpudo, que perdia sua cor pastel original enquanto molhado pela água negra. Carlos se arrepiou todo ao constatar, com terror, o que agora acontecia.

Precisava pensar rápido! Felizmente, não se sabe o porquê, talvez por esquecimento da empregada, talvez por hábito familiar, ou talvez simplesmente por providência divina, havia uma vassoura encostada à parede, que ficara atrás da porta. Carlos imediatamente dirigiu-se a ela, deixando terríveis pegadas da água amaldiçoada pelos azulejos ainda não dominados pelo negrume. Com a vassoura, pretendia forçar a toalha, a culpada de tudo, a aceitar seu destino de desaparecer para sempre da vida daquela bondosa família. Enfiou a vassoura no vaso e começou a socar freneticamente, num movimento contínuo e viril, como quem usa um pilão para transformar raiz de mandioca em farinha. Chomp, chomp, chomp! A toalha resistia... Chuck, chuck, chuck... Não podia desistir. Chomp-Chuck-Champ!!! Não conseguia! Fechava os olhos, usava de toda a sua força, nada! Continuava tentando, agora mais forte ainda, deixou escapar um certo grito de agonia, que vinha do fundo de sua alma: "Nnnaaaaauuuuuuummmmm!!!". Aquilo realmente não podia estar acontecendo. Era um pesadelo, era só ele continuar de olhos fechados que acordaria a qualquer instante!

Foi nesse momento que Anselmo bateu à porta. Anselmo até ficou meio que surpreso ao ouvir o barulho da chave abrindo a porta, momentos depois. Mas a cena deplorável que vislumbrou lhe causou grande assombro: Carlos, de camisa e sem calças, todo marcado por manchas e pingos escuros, o cabelo escorrido de suor, o rosto consternado. Olhou para o chão, um verdadeiro lodaçal. O vaso revelava um cabo de vassoura, como se tivesse sido mortalmente atingido por uma lança a lhe perfurar as entranhas. E as paredes? Ah, as paredes... Dona Matilde era muito ciosa das coisas de sua casa. Tudo tinha que se bom, bonito, bem cuidado. A paredes do lavabo eram revestidas com papel de parede, apresentando motivos florais em cores suaves, predominando o rosa. Mas agora estavam marcadas por pingos negros, como se tivessem sido atacadas por um fungo, alguma doença maldita e incurável. Anselmo sentiu vergonha e desespero por Carlos:

- Meu deus, cara! O que você fez aqui? Ai, ai, ai...

Imediatamente fechou a porta. Era necessário dar um jeito na situação. O cheiro era insuportável nesse momento, mas ele meio que nem sentia, estarrecido por todo aquele cenário de guerra. Ironicamente, sua atitude foi a mesma de Carlos: seguraram os dois o cabo da vassoura, tentando desentupir o vaso. Mas isso só espalhava ainda mais a água fétida e maldita, era um problema sem solução.

Para piorar tudo, as meninas tinham terminado de se arrumar e estavam, com Dona Matilde, procurando pelos dois na sala. Ouviram os barulhos estranhos que vinham do lavabo do corredor e foram bater à porta, com grande desconfiança. Dona Matilde foi à frente, as filhas observando atrás. O que poderia estar acontecendo? Dois homens juntos no banheiro? E o que significavam aqueles barulhos? Já demonstrando nervosismo por pensar o pior, Dona Matilde bate rispidamente à porta:

- Ei, o que está acontecendo? Vocês estão aí? O que se passa????

- Espere, não podemos abrir agora! ? foi a resposta de Anselmo. Carlos sequer conseguia falar ou pensar em qualquer coisa a essa altura.

- Abram já essa porta! Não estou entendendo. Quero saber o que está acontecendo já!

- Calma Dona Matilde! Espere um pouco, por favor. ? e os dois continuavam tentando desbloquear o vaso sanitário, sem nenhum sucesso. A toalha ofendida realmente tinha se decidido por ganhar a questão.

- Que esperar coisa nenhuma! Abram já essa porta! ? Dona Matilde ficou nervosa de vez ? O que está acontecendo? Estão na minha casa! Que negócio é esse de dois homens num banheiro? Isso aqui é uma residência de família!!!

Silêncio...

- Vamos, abram já! ? e Dona Matilde agora batia violentamente à porta. As filhas, em consternação, começavam a chorar, temendo que o pior estivesse por vir.

- Dona Matilde, não é nada disso que a senhora está pensando! Estamos resolvendo um problema...

- Como assim? O que aconteceu? É droga?!? Como ousam trazer drogas pra minha casa? Saiam já daí!!!

Anselmo sabia que não podia sustentar a situação. O jeito era revelar tudo mesmo. Afinal de contas, a culpa era toda de Carlos, ele que assumisse a responsabilidade. Ele não queria mais saber de nada. Largou o cabo da vassoura, dirigiu-se à porta e abriu...

Dona Matilde soltou um grito de espanto ao se deparar com a cena. O banheiro imundo, um mal-cheiro indescritível. Os dois rapazes sujos, as paredes e o tapete irrecuperáveis... Carlos, de camisa e sem calça, segurando uma vassoura e ainda golpeando o vaso sanitário... Mirella e Priscila imediatamente aguçaram seus prantos. Aquilo realmente não podia estar acontecendo.

Mas Anselmo nunca pôde se explicar. Teve que aceitar a situação, ao ser expulso aos gritos, junto com Carlos, por Dona Matilde. A vizinhança acabou vindo à porta, o zelador apareceu para escoltar os rapazes, enfim, foi uma confusão só. Nunca mais pôde se dirigir a Mirella, acabou sendo conjuntamente condenado por um crime que não cometeu. Teve que optar por deixar os anos passarem e tentar esquecer.

Autor: José Marcelo Rigoni


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