Sociedade "humanizadora": o adestrador onipresente



A humanização dos indivíduos em nossa sociedade consiste no controle social. O grande objetivo da organização das cidades, países etc., é conseguir vigiar os seus habitantes.
Quantos de nós percebemos em algum local o aviso: "Sorria, você está sendo filmado"? Para maioria isso traz tranqüilidade, pois na medida em que a violência banalizou-se, nos sentimos seguros sendo vigiados. Mas se observarmos esse evento com olhar mais desconfiado, perceberemos que, na verdade, estamos na mesma posição daquele a quem a câmera tem o objetivo de capturar a imagem; somos todos suspeitos e por isso observados. Entretanto, importa-nos uma percepção ainda maior e mais alarmante, que vai além da simples sensação de nossa privacidade invadida. Estamos sob os olhares onipresentes de um adestrador, que regula e tenta prever nossas ações para que elas não fujam do controle social. Essa é a tentativa de humanizar de forma mais adequada os indivíduos. Para explicitar melhor essa função humanizadora da sociedade, utilizamos as afirmações de Peter Sloterdijk quando se refere ao futuro dos meios de humanização, que vão muito além de sua crítica à faculdade domesticadora efetuada pelo humanismo.

"Quem hoje se questiona sobre o futuro da humanidade e dos meios de humanização deseja essencialmente saber se subsiste alguma esperança de dominar as atuais tendências embrutecedoras entre os homens. Quanto a isto,tem uma perturbadora importância o fato de que o embrutecimento, hoje e sempre, costuma ocorrer exatamente quando há grande desenvolvimento do poder, seja como rudeza bélica imperial, seja como bestialização cotidiana das pessoas pelos entretenimentos desinibidores da mídia." (Regras para o parque humano, págs.: 16-17)

Estes regimes sociais que são essencialmente controladores (nenhuma sociedade ou comunidade está isenta disso) buscam adestrar o homem, para que ninguém aja em desacordo com a ordem proposta. E como acontece com todo animal adestrado, os indivíduos teem sua recompensa pela sujeição a estes equipamentos de vigia, ou pelo menos, a suposta recompensa: que é a sensação de segurança num mundo cada vez mais inseguro, bestializado, onde o crime contra ente humano banaliza-se cada vez mais.
E ainda há o esquecimento de que: para que haja tanta vigilância a existência do marginal¹ é essencial. Isto é parte de todo Mecanismo social de controle. Aquele que está à margem, neste caso; é de fato, parte essencial do controle, pois a melhor forma de subjugar o homem é utilizar o próprio homem como o inimigo.
Estamos vivendo a sociedade das aparências, do controle e da seleção. A política do adestramento usa da ciência (tomo enquanto ciência todos esses aparatos tecnológicos que garantem a efetivação do controle) e da religião como formas eficazes da domesticação do homem. E o que mais impressiona é que o próprio homem está a par disso e tem de estar à margem dos possíveis destinos que a sociedade o impõe. Se não for dessa forma, não há como existir eficácia no pastoreio dos seres humanos.
E nosso sistema político-econômico atual tem ferramentas eficazes para isso. A propaganda do controle é eficaz não pelo que ela mostra, mas pela sua omissão. Afinal, somos todos forçados, pedagogicamente, desde a mais tenra idade a não refletir. E nisso as escolas têm tido êxito ímpar. O modelo educacional dos ensinos de base, por exemplo, do Brasil, são o retrato na inércia mental. Desta maneira fica mais fácil não descobrirmos quem é o opressor, pois este não está mais na figura de um ditador sanguinário, está por trás dos governos populistas, amistosos que prometem bolsas sociais, moradia etc., mas que impedem a maioria dos indivíduos de ascender socialmente. Este sistema cria, em grande contingente, os famosos analfabetos funcionais; esta é a verdadeira política do pão e circo. Estamos num regime [se observarmos a questão das práticas de controle social que têm mais manifestações do que somente em aparelhagem de segurança] totalitarista, embora pareça um absurdo dizer isso. Porém, como mostra Aldous Huxley nosso totalitarismo tem características peculiares que diferem muito do que a história nos narra.

"Não há razão, sem dúvida, para que os novos totalitarismos se assemelhem aos antigos. Governos baseados no porrete e no pelotão de fuzilamento, na miséria artificial, não são apenas desumanos (hoje ninguém se preocupa muito com isso); são ineficientes por demonstração e, numa época de tecnologia avançada, a ineficiência é pecado contra o Espírito Santo. Um estado totalitário realmente eficaz seria aquele em que o executivo todo-poderoso constituído de chefes políticos e de um exercito de administradores, controlasse uma população de escravos que não precisassem ser forçados, porque teriam amor a à servidão." (Admirável mundo novo, pág.: 18).

Entretanto, o que importa saber é que não é necessário aceitar a ordem imposta. O conhecimento ? com os elementos necessários de suspeita ? pode propiciar a insatisfação ante a isso, fazendo com que possamos cogitar mudanças sociais verdadeiras. O que não pode ser feito é aceitar. E percebemos na história humana que houve pensadores que contribuíram com elementos importantes para que o homem tomasse as rédeas de seu próprio caminho. Mas ainda podemos perguntar:

- O que acontece hoje para que estes elementos do pensar, que refletem no agir, estejam tão distantes dos homens?
Parece que a capacidade de converter o conhecimento em percepção destes problemas [acima citados] pertence a um grupo seleto de pessoas, que estão a par da sociedade e assistem tudo de camarote sem ao menos levar esse conhecimento aos outros indivíduos.
Entretanto, esse distanciamento se deu por vários fatores. O pensamento que pode melhorar a sociedade, não está longe quanto pensamos. Não é algo para as elites intelectuais. Importa ao cidadão comum o inconformismo, a desconfiança. Porém, despertar esses sentimentos não é fácil. No mínimo temos que sair de nossa zona de conforto e perguntar. E perguntas denotam uma difícil tarefa: a tarefa trabalhosa de buscar respostas que na maioria das vezes estão escondidas atrás dos véus obscuros da sociedade.
Por fim, acreditamos que o papel de qualquer pensador em nossa sociedade é o ser os olhos dos demais homens, prontos a perceber o inimigo onipresente que nos ronda e criar ? após o diagnóstico ? tentativas de transformação na sociedade.

Autor: Diego Alberto De Souza Martins


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