O Cobrador De Faltas



Tinha uma época (e parece que essa época foi única para isso) em que tínhamos grandes cobradores de falta.

Nós tínhamos o Zico, o Rivelino, o Nelinho, o Éder, o Zenon, o milimétrico e genial Dicá e outros contemporâneos.

Hoje em dia, quando o cara chuta a bola na barreira, já garante um contrato com a Europa, pois além de manter a bola em jogo ainda deixa um adversário preocupado com o seu futuro sexual.

O maior exemplo de sua tese era o Noquinha, considerado ídolo do grande clube de sua cidade, que, embora seja o cobrador oficial de faltas de seu time há muito tempo, nunca havia acertado sequer um chute no gol.

Um dia ele resolveu, depois de não agüentar mais ver tantos jogadores ganhando fortunas não acertando nem passes, o que dirá convertendo faltas em gol, treinar nos fundos de sua casa, chutes de falta a gol.

O espaço que ele tinha no pátio dos fundos era grande o suficiente para reproduzir a entrada da grande área de um campo oficial, inclusive com a goleira.

Conseguiu de um clube perto de sua casa, que estava se transformando em bingo, depois de seus jogadores não acertarem nenhum um chute a gol durante seis meses (dizem que foi um recorde) aqueles bonecos de jogadores, bem amassados por sinal, de tantos chutes que os jogadores acertavam só na barreira.

O goleiro era outro boneco solitário, pois não precisaria de goleiro, uma vez que sua intenção era atingir em cheio o ângulo superior, esquerdo ou direito, tanto faz.

Assim, dia após dia ele treinava. A sua mulher quando viu ele chegando em casa com aqueles bonecos ficou achando que seu marido não estava bem da cabeça.

- Depois de velho vai brincar de bonecos!

Ele nem dava bola. Estava com o olhar fixo em seu objetivo.

Treinou durante meses, até que finalmente atingiu um patamar, digno de participar de um programa de auditório. De cada dez faltas cobradas por ele, oito atingiam o ângulo superior, lá onde a coruja dorme ou como alguns diziam: lá na gaveta!

Chegou a pensar em revolucionar o futebol se apresentando em um grande clube, pois afinal de contas ele era um verdadeiro fenômeno e mesmo que já passasse dos quarenta anos e tivesse uma barriguinha típica dos quarenta anos, poderia ser utilizado nos grandes clubes só naqueles momentos em que houvesse uma falta próxima da grande área.

Ele viria como o salvador, como acontece no futebol americano em que aquele jogador entra só para dar aquele chute que ultrapassa a meta. Faz isso e sai.

Tomou alguns vinhos e se sentiu encorajado a bater no portão de um grande clube de sua cidade. Quando se deu conta estava caído após ser arremessado pelos seguranças, junto aos pés, justo do Noquinha, o "ídolo" da equipe profissional.

- Noquinha!! – Disse ele, quase chorando e um pouco bêbado.

Eu cobro faltas melhor do que você!

O Noquinha sorriu como quem sorri para um perturbado mental, puxou um papel e uma caneta e lhe deu um autógrafo.

Sérgio Lisboa.


Autor: Sérgio Lisboa


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