AS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ EM RUANDA E O ESTABELECIMENTO DA MANUR.



AS OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ EM RUANDA E O ESTABELECIMENTO DA MANUR.

Joabson Cruz Soares
E-mail: [email protected]


Resumo
As etnias tutsis e hutus que habitavam o então Reino de Ruanda viviam em harmonia, embora houvesse diferenças entre esses povos. A partir da colonização européia na África as rivalidades se acentuaram, principalmente quando o país se tornou protetorado belga, esse que impôs a classificação da população quanto à raça. Após a independência do país e a ascensão de Gregoire Kayiabanda ao poder o conflito étnico se intensificou. A ONU, neste contexto, procurou uma resolução política para o conflito por meio do acordo de paz de Arusha e o estabelecimento da Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda (MANUR) em 1993. Mas esses mecanismos diplomáticos não lograram, pois o país foi assolado por uma guerra civil que matou 800.000 pessoas. O objetivo deste artigo é provar que a ONU não se omitiu no caso de guerra civil em Ruanda.
Palavras-chave: Conflito étnico, Gregoire Kayiabanda, ONU, Acordo de paz de Arusha, MANUR.



Abstract
Tutsis and Hutus that inhabited the then kingdom of Rwanda were living in harmony, although there were differences between these peoples. The European colonization in Africa rivalries has become more acute, especially when the country became a Belgian protectorate, which imposed that the classification of the population regarding race. After independence the country and the rise to power Kayiabanda gregoire, ethnic conflict has intensified. The UN in this context has sought a political resolution to the conflict through the Arusha peace agreement and establishment of the United Nations Assistance Mission International for Rwanda (UNAMIR) in 1993. But these diplomatic mechanisms have failed. The country was ravaged by a civil war that killed 800,000 people. The purpose of this article is to prove that the UN wasn´t neglect in civil war case of Rwanda.
Key-words: Ethnic conflict, Gregoire Kayiabanda, UN, Arusha Peace agreement, UNAMIR.











Introdução
As etnias tutsis e hutus que habitavam o então Reino de Ruanda viviam em harmonia, embora houvesse diferenças entre esses povos. Com a ascensão da etnia tutsi frente à administração do reino em 1860, inicia um processo de inferiorizarão da etnia hutu. No contexto da partilha da África, os territórios ruandeses foram anexados pela Alemanha, mas com o término da Primeira Guerra Mundial e a responsabilização deste Estado no que tange aos prejuízos ocasionados pelo conflito, Ruanda passou a ser protetorado da Bélgica por determinação da Liga das Nações. Esse contexto seria mudado com o advento da Segunda Guerra Mundial, pois a Alemanha de Hitler retoma os territórios anteriormente citados, perdendo-os ao término o conflito. Assim, Ruanda mais uma vez retornou à condição de protetorado belga, agora por determinação da Organização das Nações Unidas.
Com o fim do colonialismo europeu na África e sob a pressão das Nações Unidas no que concerne a independência de Ruanda, a Bélgica, que havia administrado esse país e que havia implantado no mesmo, políticas de identificação racial, concede a emancipação deste Estado. Ao vencer as eleições comunais o candidato hutu Gregoire Kayiabanda declarou independência do Burundi, causando êxodo de tutsis e a escalada de violência entre as etnias. Com a intensificação do conflito entre tutsis e hutus, a Organização das Nações Unidas propôs a conciliação entre os representantes de Ruanda e Burundi através do acordo de paz em Arusha, mas um atentado terrorista que os matou, impossibilitou o fim do processo pacificador. Após esse evento o conflito étnico se intensificou, obrigando a ONU a implantar uma operação de paz denominada Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda (MANUR).
Na primeira parte deste artigo, procurei explicar a fundo a inserção do Estado de Ruanda no Sistema Internacional, desde o surgimento do mesmo, as influências européias, a sua independência, o acirramento das rivalidades étnicas, como também os conflitos que ceifaram milhares de vidas humanas. Na segunda parte mostro a importância das operações de manutenção de paz das Nações Unidas, dando um breve histórico de como essa instituição começou a utilizar essa técnica, suas características e seus objetivos. Na terceira parte procuro me aprofundar ainda mais sobre as operações de manutenção de paz da ONU, contudo focando na Missão de Assistência das Nações Unidas em Ruanda, explanando sobre seu estabelecimento no país, os objetivos, as ações diante a situação de conflito e acima de tudo procuro contrariar a tese de que a ONU se omitiu quanto a situação em Ruanda e no último capítulo externarei a atual situação de Ruanda quanto a punição dos culpados de genocídio e as providências tomadas no âmbito internacional para que tal episódio não torne a ocorrer
1. A inserção de Ruanda no cenário internacional: do século XVI ao século XX.
Por volta do século XVI pastores nômades tutsis e agricultores hutus se estabeleceram na região que hoje é compreendida pelos Estados de Ruanda e Burundi, vivendo em harmonia. Segundo o Mundo Atlântico (2009, p.1), a aproximação entre esses povos por meios de uniões matrimoniais, partilha dos referenciais lingüísticos, proximidade de práticas religiosas não eliminou a diferença entre ambas.
Ainda, segundo este site , explica-se que no período posterior a 1860, um tutsi de nome Kigeri Rwabugiri, ascendeu ao cargo de chefia tornando-se mwami . Através de campanhas militares e políticas, ele expandiu o território sob seu domínio, passando a administrar uma grande extensão do que atualmente compreende as áreas do centro e do sul de Ruanda. Assim os tutsis foram nobilitados com os cargos de maior poder e, com isso destacaram-se financeiramente das demais etnias presentes na região.
Após a morte de Rwabugiri iniciou-se o acirramento das divisões internas, isto porque a ausência da figura do chefe provocou um grande conflito de sucessão ao trono em que diferentes clãs da etnia tutsi viram na presença colonizadora européia, em um primeiro momento a Alemanha, uma forma de receber auxílio para exercer poder e liberdade de ação, no sentido de controlar determinadas faixas de terra e explorar a mão-de-obra hutu.
No contexto da Partilha de África, o Congresso de Berlim tinha como finalidade dividir os territórios do continente entre as potências colonialistas. Sobre esse processo Pina (2010) explana que "em 1884-1885, as antigas potências negreiras reuniram-se em Berlim para partir entre elas os territórios da África. Sendo assim, a Alemanha teve como parte o Sudoeste Africano ? (atual Namíbia), leste africano (correspondente à Tanzânia, Burundi e Ruanda), Togo e Camarões."
Após a Primeira Guerra Mundial e a derrota Alemã nesse conflito, a Liga das Nações determinou que Ruanda fosse transferido para Bélgica como espólio de guerra. A administração belga se deu a partir do estabelecimento de relações políticas e econômicas com os tutsis. Carteiras de identidades foram utilizadas para classificar as etnias em Ruanda, onde os hutus foram tratados como inferiores e expostos a todo tipo de exploração e discriminação, conforme assevera Doyle (2006, p.85).
No âmbito da Segunda Guerra Mundial as forças beligerantes alemãs conseguem reaver o território ruandês, contudo a derrota de Adolf Hitler nesse conflito veio modificar mais uma vez a administração política de Ruanda que retorna, por determinação da ONU, ao protetorado belga. Destarte, o país continuou sem autonomia para tomada de decisões político-administrativas, situação esta que inquietava o desejo nacional de independência.
O desenrolar da história de Ruanda no início da década de 60 foi caracterizado pela pressão da ONU sobre a Bélgica, no que concerne à independência do país. Existia então a formação de grupos que lutavam pela soberania ruandesa frente ao colonialismo europeu. Conforme assevera Braeckman (2004, p.1), o ano de 1959 foi marcado pela criação de dois grupos partidários antagônicos. De um lado, os tutsis, através da União Nacional Ruandesa (UNAR), lutavam pela independência, contudo, defendiam a manutenção da monarquia; de outro, os hutus, através do PARMEHUTU ou Movimento Democrático Republicano (MDR-P).
Segundo Takeuchi e Marara (2009, p.9), em 1960 o líder do PARMEHUTU, Gregoire Kayiabanda, venceu as eleições comunais e em 1963 declarou a sua independência do Burundi, provocando o aumento do êxodo dos tutsis. Sua administração foi marcada por dificuldades econômicas e o aumento dos conflitos tribais, através do favorecimento de tribos hutus, da zona central e sul do país.
Em 5 de julho de 1973, o então ministro da defesa, Major-General Juvenal Habyarimana ascendeu ao poder através de um golpe militar e fundou em 1975, o Movimento Revolucionário para o Desenvolvimento (MRND), que foi declarado partido único. Havia indícios de que seu governo promoveria a democratização do país, projetando o retorno a uma política multipartidária e a elaboração de uma nova constituição. Mas nenhuma mudança foi observada e as retaliações aos tutsis continuaram constantes.
Os tutsis refugiados, organizados na Frente Patriótica de Ruanda (FPR), engendraram uma invasão a partir de Uganda, chegando até Kigali. O exército ruandês, com o apoio de combatentes do Zaire (atual Estado do Congo), e de um corpo de militares franceses e belgas chamados para o treinamento das milícias hutus, tentou resistir ao ataque, mas o resultado foi a morte de milhares de pessoas de ambas as etnias. Sobre os confrontos na capital de Kigali, o Relatório do Secretário-Geral sobre a Situação em Ruanda (1994) informa que:
A capital, Kigali, está dividida entre as forças do governo ruandês e FPR, mas a linha de frente está mudando conforme as ações militares continuam. As tropas do governo Ruandês continuam a controlar o aeroporto, mas hostilidades nas adjacências interrompem as operações frequentemente. (RELATÓRIO DO SECRETÁRIO-GERAL SOBRE A SITUAÇÃO EM RUANDA 1994, p.1)
A partir disso, acordos de paz foram temas de diálogo com a Frente Patriótica de Ruanda, sendo o mais conhecido deles o de Arusha, em que se estipulava o cessar-fogo e a formação de um governo provisório tendo a participação de representantes de ambas às etnias, como afirma revista MUNDO e MISSÃO (2010, p.1). Porém, a paz é interrompida quando em 6 de abril de 1994, Juvénal Habyarimana e Cyprien Ntaryamira, o presidente do Burundi foram assassinados em um atentado quando o seu avião aterrissava na capital ruandesa, Kigali. Sobre os acordos de Paz Wallensteen (2002) firma que:
Acordos de paz são parte integral de Resolução de Conflitos. Sem alguma forma de acordo entre as partes conflitantes, é difícil falar sobre resolução de conflito. Contudo, um acordo se implementado, pode não ser suficiente para estabelecer paz durável. (WALLENSTEEN 2002, p.8)
Como estratégia de segurança, o Conselho de Segurança da ONU estabeleceu a Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda (MANUR), Contudo, a animosidade das duas etnias não foi interrompida, sendo instigados o ódio e o interesse genocida dos hutus contra os tutsis através da Rádio Mil Colinas, dirigida pelo clã Akazu, do qual integrava a esposa de Habyarimana. (Bigatão,2006, p.11)
A participação da ONU nos eventos ocorridos em Ruanda de abril a julho de 1994 foi bastante frágil. Milhares de pessoas eram exterminadas nas ruas e as ações da MANUR se restringiram a dar proteção a alguns grupos de tutsis que conseguiram obter refúgio em poucos lugares. Em dois meses foram exterminados cerca de 800.000 pessoas, em sua maioria tutsi naquilo que foi considerado uma das piores guerras civis do século XX. Mingst (2009) conceitua guerra civil como:
Guerras civis abrangem guerras entre facções dentro de um Estado por controle de territórios; estabelecimento de um governo para controle de um "Estado falido" [...]; movimentos etnonacionalistas que buscam maior autonomia ou secessão [...]; ou guerras entre grupos étnicos, clãs ou grupos religiosos pelo controle do Estado (Colômbia, Peru, Argélia, Ruanda). (MINGST 2009, p. 207)
A invasão Tutsi intensificou-se. A FPR, sob a direção de Paul Kagame ocupou várias partes do país e as tropas francesas autorizada pela ONU criaram no sul a Zona Turquesa para refugiados. Em julho de 1994, finalmente os rebeldes Tutsis tomam a capital Kigali. Após a tomada da capital de Ruanda, Pasteur Bizimunga assumiu a presidência e Paul Kagame ficou como vice-presidente, mas no ano de 2000, os dois homens fortes da política ruandesa entraram em conflito. Bizimunga renunciou à presidência e Kagame assumiu a presidência conforme ainda informa Pina (2010). Em 2003, este foi finalmente eleito para o cargo, no que fora considerada as primeiras eleições democráticas após o Genocídio .
2. As operações de manutenção da paz sob responsabilidade da ONU.
As operações de manutenção de paz são técnicas que tem como objetivo manter a harmonia em situação pós-acordo de paz entre as partes beligerantes, de modo a assistir o cumprimento dos mesmos. Elas atualmente se tornaram elementos centrais da estratégia das Nações Unidas para a promoção da cultura da paz no Sistema Internacional.
A busca incessante pela paz nos dias atuais contraria as teorias do estado de natureza Hobbesiano, pois é objetivo de todos que almejam relações pacíficas, não apenas entre Estados, mas entre qualquer grupo que se diferenciam quanto a raça, credo, posições políticas ou ideológicas, de modo a suscitar o respeito mútuo entre as pessoas.
A Carta das Nações Unidas que foi assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor a 24 de Outubro daquele mesmo ano, respalda essa concepção quando neste documento advertia os povos do mundo a unirem forças com o objetivo de manter a paz e a segurança internacional. Assim, em seu parágrafo 1 do artigo 1, defende como propósito da instituição:
Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz. (UNIC 2001, p.1)
Ao Conselho de Segurança se atribuía a tarefa de decidir que medidas deveriam ser tomadas caso houvesse a existência de qualquer ameaça a paz que proporcionasse instabilidade em regiões ou países que outrora se encontravam em estado de perfeita harmonia. A operação de manutenção da paz não se enquadrava no rol de ações das Nações Unidas, contudo essa inovação técnica veio a ser empregada por essa instituição no ano de 1948 (Capacetes azuis, 2010, p.3). Sobre a primeira missão de manutenção de paz liderada pelas Nações Unidas ainda capacetes azuis explica que:
A primeira operação de manutenção de paz das Nações Unidas ? o Organismo das Nações Unidas encarregado da Supervisão da Trégua (ONUST), uma missão de observação, foi criada em 1948, no Médio Oriente. No início de 1947, as Nações Unidas aprovaram um plano para dividir a Palestina e criar um Estado judaico e um Estado árabe. [...] foi proclamado o Estado de Israel. Rebentaram de imediato fortes hostilidades entre as comunidades judaica e árabe. O Conde Bernadotte, da Suécia, que foi nomeado pelas Nações Unidas para mediar o conflito, conseguiu negociar um cessar-fogo. (CAPACETES AZUIS, 2010, p.3)

As operações de paz utilizam contingente militar, conhecidos como capacetes azuis, sob o comando da ONU, com o intuito de evitar que comunidades ou países entrem em confronto enquanto estão a ser desenvolvidos esforços de manutenção de paz, pois a natureza desses acordos é muitas vezes paliativa não definitiva, possibilitando o reinício dos mesmos. Sobre a presença das tropas de paz da ONU em Resolução de Conflitos, VAN-DÚMEN (2006) afirma que:
Em 1992, o então secretário-geral das Nações Unidas, Broutos-Broutos Ghali, no seu relatório "Uma Agenda para a Paz", defendeu a necessidade da ONU criar mecanismos para a prevenção e resolução de conflitos, tal como para a preservação da paz. Pela primeira vez a ONU realçou o conceito de prevenção de conflitos e propôs três mecanismos para a efectivação desse objectivo: Diplomacia preventiva; Pacificação de conflitos (peacemaking) e Manutenção da paz (peacekeeping). Essas novas formas de intervenção implicam a presença das tropas da paz (peacemakeres) no local afectado antes, durante e depois do conflito. (VAN-DÚMEN 2006, p.1)

Esta técnica de manutenção de paz viria a ser posta em execução treze vezes, durante os primeiros quarenta anos da ONU. Nesse contexto, foram criadas quarenta missões alargando o conceito de manutenção de paz e entrando no campo do estabelecimento da paz e da consolidação da paz. Acerca das frequentes intervenções humanitárias exercidas pela ONU FREIRE E LOPES (2009) afirmam que:
As missões de manutenção da paz evoluíram ao longo do tempo e as dinâmicas mais recentes sugerem uma tendência de institucionalização. Esta tendência é o resultado quer de um número crescente de missões de manutenção da paz das Nações Unidas, o que reflecte uma participação cada vez maior dos Estados individuais, quer de um maior comprometimento destes actores em relação a este tipo de missões. (FREIRE E LOPES 2009, p.7)

Novamente capacetes azuis , explica-se que essas operações têm como características que as partes envolvidas consintam acerca a intervenção da Instituição, sendo assim não podendo ser imposta. Elas não envolvem imposições militares ou ações coercitivas, a não ser que seja por autodefesa ou de defesa de civis, entretanto todas implicam na colocação de funcionários militar ou civil à disposição do secretário-geral pelos governos.
Sendo assim, conceituo as forças de manutenção de paz como as que ajudam as partes de um conflito a solucionarem pacificamente as suas incompatibilidades, incentivando os grupos hostis a não utilizarem as armas e a continuarem a negociar tendo em vista a solução pacífica da disputa. Nesse contexto, ficam-se os seguintes questionamentos: Quais foram as medidas tomadas pela ONU, no que tange sua operação de paz em Ruanda? Como foi a sua participação nesse conflito? Essas perguntas serão respondidas a seguir.
3. As resoluções da Organizações das Nações Unidas e o estabelecimento da Missão de Assistência das Nações Unidas no Ruanda (MANUR).
Em 12 de março de 1993, o Conselho de Segurança da ONU ciente das cartas dos representantes políticos de Ruanda e Burundi datados de 22 de fevereiro desse mesmo ano, onde ambos os governantes desses países solicitavam a utilização das tropas de observação das Nações Unidas ao longo de suas fronteiras, determinou em parceria com a Organização da Unidade Africana (OUA), que esta instituição assistiria o processo que levaria a uma resolução política ao embate étnico, com o intuito de prevenir a retomada do conflito e monitorar o cessar fogo entre o governo ruandês e a Frente Patriótica de Ruanda. (RESOLUÇÃO 812, 1993, p.1 e 2)
Os esforços da ONU para manutenção da paz em Ruanda iniciaram em 22 de junho de 1993. Em sua Resolução 846, estabeleceu a Missão de Observação das Nações Unidas para Ruanda (MONUR), organizando essas tropas no território do Estado de Uganda durante 6 meses, com o objetivo de não permitir que armas letais ou munição, atravessassem as fronteiras do país chegando a Ruanda.( RESOLUÇÃO 846, 1993, p.2)
Em 5 de outubro deste mesmo ano, em sua resolução 872, decidiu-se estabelecer a operação de manutenção da paz denominada: Missão de Assistência das Nações Unidas no Ruanda (MANUR), prevendo o envio de um contingente de 2.548 soldados com o objetivo de contribuir para a segurança da cidade de Kigali; monitorar o cumprimento do acordo de paz de Arusha que estabeleceu o cessar-fogo e o processo de repatriação dos refugiados ruandeses, como também auxiliar na coordenação das atividades de assistência humanitária. (RESOLUÇÃO 872, 1993, p.2)
Após o estabelecimento da MANUR no país, o Conselho de Segurança da ONU, preocupado com os incidentes de violência em Ruanda, reiterou em 6 de janeiro de 1994, na sua resolução 893, a participação de um segundo batalhão de infantaria para a zona delimitada no país com contingente militar de 5.500 soldados, incitando as partes a cooperar com o processo de paz. Já em 17 de fevereiro deste mesmo ano, o Conselho de Segurança, estabeleceu as bases gerais do governo provisório no quais representantes das duas etnias participariam da administração do país, como foi informado na declaração do presidente do conselho de segurança da ONU. (RESOLUÇÃO 893, 1994, p.1 e 2)
Nesse ínterim, a paz entre as duas etnias parecia estar próxima de ser alcançada, contrariando os longos anos de disputas acirradas que havia dividido aquele país. A ONU havia arquitetado uma solução política que colocava as duas vertentes étnicas em nível de igualdade quanto a administração de Ruanda, objetivando assim a pacificação do conflito.
Mas, um fato inusitado invalidaria os esforços pela paz no Estado ruandês. Em Relatório especial do secretário-geral da missão de assistência das nações unidas em Ruanda datado de 20 de abril de 1994, após o atentado que matou os dois representantes desses países, Ruanda e Burundi, envolvidos no acordo de Arusha e em seguida com o advento dos massacres étnicos em Ruanda, inclusive com o assassinato de dez soldados da ONU, o Conselho de Segurança das Nações Unidas afirmou ser impossível a MANUR continuar com suas responsabilidades no país, pois havia muita insegurança e instabilidade no mesmo e o conflito entre a Frente Patriótica Ruandesa e as forças governamentais continuava. (RELATÓRIO ESPECIAL DO SECRETÁRIO-GERAL DA MISSÃO DE ASSISTÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS EM RUANDA, 1994, p.1)
Em junho de 1994, foi aprovado, por meio da Resolução 929 do Conselho de Segurança, o envio de uma segunda missão, a Operação Turquesa, paralela à UNAMIR, mas com prerrogativa do uso da força. A atuação dessa operação era extremamente dúbia por ser esta chefiada pela França, essa que era o maior fornecedor de armas a Ruanda, promovendo a sua militarização e o treinamento do exército ruandês, principalmente a partir da invasão de Ruanda pela FPF, em 1990. Em função disso, houve dúvidas se essa operação estaria protegendo de maneira igualitária tutsi e hutus. (RESOLUÇÃO 929, 1994, p.2)
A continuidade do conflito em Ruanda preocupava o Conselho de Segurança da ONU, pois todas as tentativas de pacificação já se mostravam escassas e nenhuma das partes assinalava para um possível cessar-fogo. Além do mais, havia também a apreensão no que tange a instabilidade da região e, sobretudo dos países vizinhos. Acerca dessa situação novamente o presidente do Conselho de Segurança comenta que:
Alarmado com a continuação do conflito em Ruanda, pois o fato tem causado o êxodo massivo da população, podendo acarretar um intenso desastre humanitário, pondo em risco a estabilidade da região, desde que esses refugiados afetam os países vizinhos. (DECLARAÇÃO DO PRESIDENTE DO CONSELHO DA ONU, 1994, p.1)
O conflito só teve seu fim quando os tutsis refugiados invadiram e tomaram a capital do país. A ONU foi incapaz de deter o genocídio e em 1999 criou uma Comissão de Inquérito independente com objetivo de apurar o ocorrido e saber qual era a real condição da MANUR no momento em que a guerra civil se alastrara pelo país. No seu relatório, publicado em dezembro deste mesmo ano, descobriu-se que a missão de paz não estava equipada o suficiente para impedir o conflito (UNAMIR: DECLARAÇÃO DO SECRETÁRIO-GERAL DA ONU NO RECEBIMENTO DO INQUÉRITO INDEPENDENTE DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE SUAS AÇÕES DURANTE O GENOCÍDIO DE 1994 EM RUANDA, 1999, p.1). No que concerne a participação da ONU no conflito Giannini (2006) explana que:
[...] levando-se em consideração as missões que se configuraram como intervenções humanitárias, como nos casos da Somália, de Ruanda e do Haiti a atuação da ONU é muito criticada. O respaldo da força e a obtenção de um consentimento fraco ou mesmo a ausência deste figuram como os elementos principais de crítica daqueles contrários à legitimidade desta ação. (GIANNINI, 2006, p.12)
Os Estados Membros, respeitando a soberania do país e aplicando o princípio da não intervenção que determina "a toda a nação, de não intervir na política interna de outra" (BEVILÁQUIA, 1910, p.55), não puderam agir de forma mais enérgica no conflito. Contudo foram evidentes as dificuldades recorrentes para obter os soldados necessários para a missão de paz no país, impossibilitando a pacificação deste conflito.
Ao contrário do que se afirmam sobre a atuação da ONU no evento, a instituição não se omitiu, pois havia o interesse para se alcançar a paz em Ruanda, mas os recursos escassos e o inesperado evento de terrorismo, que pôs fim ao acordo de paz, impossibilitaram ações mais eficazes, ou seja, a Organização das Nações Unidas não puderam agir, pois como já ressaltei, precisava do consentimento das partes integrantes do conflito, o que não veio ocorrer.
Após externar a atuação da ONU no conflito em Ruanda, decaem os seguintes questionamentos: Qual a atual situação em Ruanda atualmente? As etnias estão reconciliadas? Os culpados pelo genocídio foram condenados? As respostas serão encontradas a seguir.
4. A situação atual em Ruanda.
Após dezesseis anos do conflito, atualmente se fala em reconciliação no Estado de Ruanda, contudo tutsis e hutus vivem em desconfiança mútua e muitos assassinos foram libertados, acentuando ainda mais o medo entre as duas etnias. Com o intuito de reconciliar a nação a justiça criou nas aldeias, os júris denominados gacacas que significa campo de relva.
Esses júris se reúnem ao ar livre, em áreas gramadas várias vezes por semana para resolverem pequenas causas, chegando a torno de 12 mil júris. Cabe salientar que o objetivo desses pequenos tribunais não são prender ou castigar os culpados pelo genocídio, mas obter uma confissão pública e um pedido de perdão diante a vila reunida. Sobre a tentativa de reconciliação no estado de Ruanda Blogdamythos (2009) afirma que:
A campanha de reconciliação, nos posters, dá o recado: "Ruanda, somos você e eu". A justiça ruandesa concentra seus esforços na reconciliação. Há tantos assassinos (mais do que mortos, porque muitos massacraram em grupo), que seria impossível prender todos na cadeia já superlotada. (BLOGDAMYTHOS, 2009, p.2)
No âmbito internacional, os Estados com o objetivo de punir os responsáveis pelo genocídio, instauraram em 1994 o Tribunal Internacional para Ruanda (TPIR), pois o Conselho de Segurança decidiu que o caso de Ruanda merecia mais atenção para que não houvesse questionamento da ordem internacional baseada na supremacia dos direitos humanos. Sobre a decisão do Conselho de Segurança em instaurar o TPIR Campos (2008) comenta que:
Mais uma vez, o que se observa é uma manobra institucional realizada pelos membros permanentes do Conselho de Segurança com vistas a responder à existência da convenção e a continuar sustentando o discurso da supremacia de direitos humanos, instituído no pós-II Guerra, para consolidar a supremacia moral dos países vitoriosos. (CAMPOS, 2008,p.20)

O TPI, agora denominado Tribunal Criminal Internacional para Ruanda (TCIR) continua julgando os principais responsáveis pelos massacres, como foi o caso de três militares: o coronel Theoneste Bagosora, o major Aloys Ntabakuze e o corenel Anatole Nsengiyumya, que desde 2002 estavam sendo julgados, sendo assim condenados à prisão perpétua por participação no genocídio. Acerca da decisão do TCIR no que concerne a punição dos militares Athiopia. Blogsport (2008) afirmou que:
O TCIR considerou os três militares culpado das acusações de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra ao término de um julgamento histórico para Ruanda que durou mais de seis anos. (ATHIOPIA BLOGSPORT, 2008)
Ainda no contexto internacional, as Nações Unidas em setembro de 2005 trouxe a baila o termo de Responsabilidade de Proteger (conhecida pelos acrônimos R2P ou RtoP), no qual os chefes de Estado e de governo afirmaram que cada estado tem a responsabilidade de proteger as suas populações do genocídio, dos crimes de guerra, da limpeza étnica e dos crimes contra a humanidade. Quando o estado em questão não quer ou não pode evitar ou por fim a esse sofrimento, então o princípio da não-intervenção cede o seu lugar à responsabilidade internacional de proteger, conforme assevera Ferro (2009), ou seja, a comunidade internacional, usando a ONU como veículo de ação, deve empregar todos os meios diplomáticos e humanitários para proteger essas populações dos crimes já mencionados.
As punições aos executores do genocídio em Ruanda estão sendo tomadas no âmbito interno do Estado, como a instalação das gacacas e internacionalmente, inclusive sob a égide da ONU, como já mencionado TPIR, TCIR e o RtoP para que o ocorrido não se repita e se repetido julgado com mais veemência.
5. Considerações finais.
O genocídio que ocorreu no ano de 1994 em Ruanda foi um dos fatos históricos mais tristes do século XX, nos remetendo a idéia de guerra de todos contra todos e do estado de natureza do homem tão defendida por Thomas Hobbes, devido à brutalidade do ocorrido. A atuação da ONU nesse contexto nos permite olhar com certo descrédito, no que concerne a eficácia dessa Instituição e dos mecanismos propostos para a obtenção da paz.
Cabe salientar que as etnias que habitavam o Ruanda antes da colonização européia viviam em harmonia, mesmo possuindo diferentes modos de vida. Embora já houvesse certo diferencial econômico entre tutsis e hutus, o acirramento entre elas intensificou-se principalmente sob presença da Bélgica, que impôs a classificação da população conforme as etnias. Nesse aspecto, pode-se analisar que a presença dessa potência colonialista e suas ações no país, foram fatores iniciais no que veio mais tarde causar a guerra civil em Ruanda.
No que se refere à Organização das Nações Unidas, em relação ao seu objetivo principal de promover a cultura de paz no Sistema Internacional, utilizando as técnicas de manutenção de paz, no caso de Ruanda esses objetivos não lograram. Os mecanismos diplomáticos que tinham a finalidade de pacificar o conflito e encontrar soluções de modo a eliminar, as incompatibilidades entre as partes, sendo eles: o acordo de paz de Arusha e Missão de Assistência das Nações Unidas em Ruanda (MANUR) se mostraram ineficazes. Mesmo assim, devemos considerar que o Conselho de Segurança das Nações Unidas, em meio as suas dificuldades e as suas limitações, procurou agir conforme a legalidade visando principalmente o bem-estar dos civis.
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Autor: Joabson Cruz Soares


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