DOS CRIMES ECONÔMICOS SOB OS AUSPÍCIOS DO PODER, MODERNIDADE E RAZÃO



1. DO INTRÓITO

O presente artigo visa à reflexão sobre o bem jurídico penalmente tutelado nos crimes econômicos e sua concepção estrutura, não sob a ótica jurídica propriamente dita, mas sim, em relação aos quesitos: poder, modernidade e razão.
No mundo em que vivemos, sem harmonia, num plano em constante transformação deparamo-nos, ainda hoje, com poucas reflexões diante de um tema tão atual e comentado pelos diversos setores eis que, de suma importância para a manutenção da dignidade da pessoa humana.
Ao longo dos anos muita coisa mudou, não obstante esteja muito aquém do que ainda deva ser alterado, porém, resta claro que o legislador já avançou no sentido de se estabelecer alguma proteção jurídica.
Não há que se negar que antes do período classificado pelos filósofos como período da pós-modernidade, os delitos econômicos em geral eram analisados sob a ótica do arcaico e conservador Direito Administrativo.
No entanto, nos dias atuais, em que pese existam questionamentos em relação à plausibilidade ou não da tutela penal aos crimes econômicos, mais especificamente os crimes contra a previdência social, conforme iremos explicitar, resta cristalino que diante do fenômeno da sociedade de massa, inerente ao período filosófico acima mencionado, de rigor a criminalização dos mesmos.


2. DO PODER COMO FORMA DE CONTROLE NA SOCIEDADE DE MASSAS

Desde o início dos tempos, pelo que se depreende do estudo da origem das civilizações, constata-se que o homem foi de certa forma, "levado" a unificação com outros que possuíam certa afinidade, na busca de um fim comum. Tal constatação embasou a teoria do pacto social de Russeau e é o fundamento dado pelos estudiosos para o início do Estado.
Existem outras teses sobre o tema, mas de certa forma todas têm algo em comum: visam à centralização de um ente que deterá o "poder" em relação aos subordinados que vivem naquele determinado território.
Dentre os diversos significados que a palavra "poder" possui podemos citar alguns: autoridade, faculdade, razão, dispor de força, vigor, potência, etc..
Assim, o Estado passa a exercer essa dominação frente aos administrados, mas para isso precisava legitimar-se. Para tanto, ab initio, socorreu-se da força e, em um segundo momento, do poderio econômico. Tanto isso é verdade, que o detentor do poder o detinha diante de toda a riqueza que a sua família possuía.
A mudança dessa concepção começa a partir do momento em que o clero, que também possuía recursos, passa a possuir interesses contrapostos ao reino.
Importante destacarmos que nesse momento que a concepção de Estado, era de que o rei era o Estado, e não havia uma distinção de objeto entre eles, razão pela qual, o homem trabalhava em prol do rei, que por sua vez era o Estado.
Essa visão de poder sofreu mutações, conforme salientado alhures, posto que a partir do momento em que a parte abastada da sociedade passa a constatar que o Estado serve para centralizar as atividades que servirão para a estruturação harmônica de todos os habitantes daquele lugar, e não somente do rei. Sendo o rei, o Estado, não pode simplesmente praticar atos em prol de si mesmo, mas sim a favor da coletividade como um todo.
É evidente que, quando nos referimos à coletividade, estamos falando dos membros da nobreza, pois, como já comentado, quem tinha posses, tinha voz, ficando, portanto, o povo segregado de seus pares, inobstante conviventes do mesmo território.
Pari passu ao acima exposto, importante esclarecer, também, que nesse período o homem também buscava um controle do Estado, ou melhor, buscava restringir os poderes do Estado diante de seus administrados. Nascendo, assim, o ideal de liberdade pública que, posteriormente, fora batizado como direitos fundamentais de primeira geração.
Mister se faz consignar que, depois dessa há outras duas fases de direitos fundamentais a saber: os direitos sociais e os direitos de fraternidade, muito embora existam doutrinadores que sustentam a existência de uma quarta e quinta gerações.
Notem que, como não poderia deixar de encartar a visão européia, a doutrina elenca essas três gerações com enfoque nos ideais da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade).
Contudo, como não podemos deixar de esclarecer, o poder é a essência de tudo, pois na sua falta, não haveria legitimidade para agir, pois, sem ele, não se tem legitimidade para fazer nada. Trata-se de um atributo perseguido pelo ser a todo instante.
Salvo, raríssimas exceções, desde criança verificamos a busca do indivíduo pelo poder. Se retroagirmos a análise ainda mais profunda, verificaremos que até no momento da concepção da vida, há disputa entre os espermatozóides que buscam o poder, aptidão, para a formação do ser.
Entretanto, mesmo o homem sendo individualista em um primeiro momento, busca ?se o poder na coletividade para que o todo o proteja, ou seja, temendo ataques externos de outras tribos ou Estados, se analisarmos mais adiante na história, ou seja, o Estado busca a sua preservação na natureza.
Essencial também esclarecermos que, além da força e do poderio econômico, outros fatores serviram ao longo da história para definir quem detinha o poder sobre quem, porém, todas giram em torno da economia.
Para tanto, basta analisarmos os dias atuais. Se refletirmos sobre a nossa histórica recente, chegaremos à conclusão de que o poder pertenceu àqueles que despontaram intelectualmente, a partir de invenções, experiências, etc. e também os detentores da informação, pois, quanto mais verossímil e rápida a informação, mais eficaz é o Estado.
Contudo, todas essas fórmulas giravam e ainda giram em torno daqueles que possuem o poder econômico até porque, sem verba não há experiência e, portanto, não há desenvolvimento do intelecto e nem se tem, informação, pois para tudo há um custo!
Investigando mais profundamente notaremos que a própria existência de blocos econômicos tais como a União Européia e o MERCOSUL, que surgiram para combater o poder quase absoluto dos Estados Unidos da América, observem que, países que possuem certa rivalidade acabam se unindo em prol de um bem maior.
Outro exemplo que podemos destacar é o caso da China, país esse que mais cresce economicamente no mundo. Claro que esse crescimento decorre de diversas violações aos direitos fundamentais de seu povo, mas como eles detêm o poder ninguém intercede em sua política pública interna.
Certamente os senhores devem estar indagando sobre os países que estão no Oriente Médio. Ora, esses países, possuem farta riqueza natural (petróleo) porém, nesse caso houve interferência, como no episódio da Guerra do Iraque. O então, presidente George W. Bush, na época, suscitou a existência de armas químicas de destruição em massa para justificar a invasão, sendo que, posteriormente, verificou-se a inexistência de tal armamento.
Nesse caso, o tratamento foi diferenciado muito provavelmente por questões de logística, ou seja, a China é uma potencia em razão da produtividade de seu povo que trabalha em condições análogas a de escravo para produzir muito e em pouco tempo e a custos baixíssimos, o que prejudica e muito a concorrência.
Já os países como o Iraque que não possuem produtividade acentuada, a sua riqueza é mineral, logo, não sofrerá interferência em sua produtividade, na hipótese de invasão estrangeira. Podemos definir tal situação como sendo análoga à vivenciada pelo Brasil-Colônia, que fora explorado por Portugal, tendo o mesmo retirado de nosso território quase que todo pau-brasil.
Adrede ao acima exposto, em relação aos direitos fundamentais do ser, a partir da metade do século passado, onde o mundo iniciou o seu processo de democratização posto que, a maior parte dos governos ditatoriais começaram a perder espaço para o regime democrático do Estado, percebemos, assim, que o legislador mudou o seu enfoque, objetivando muito mais os direitos pertencentes à categoria difusa do que a individual e coletiva.
Trata-se de bens de uso comum do povo, indispensáveis a sadia qualidade de vida que pertencem a toda a coletividade. Podemos citar como exemplos o meio ambiente, o direito do consumidor, a segurança pública, a ordem econômica, etc..
O Estado também exerce o seu poder sobre tais bens, porém como uma espécie de síndico, pois, tem o dever de apenas administrá-los uma vez que a sua propriedade não pertence a um ente em particular.
Inobstante essa conceituação, o poder faz com que o Estado coloque os seus tentáculos inclusive na execução de políticas públicas que disciplinam tais bens.
Na verdade, analisando a questão à luz do capitalismo selvagem que vigora nos países ocidentais, quem detém o poder, detém a essência de tudo.
Destarte, o mundo ocidental, na égide dos direitos difusos se vê dependente do equilíbrio de diversos setores da economia para que a "roda da fortuna" continue a girar e mantêm as pessoas na busca de sua felicidade. Justamente por isso que o Estado se vê na obrigação de normatizar o funcionamento da estrutura econômica do país e, para viabilizar, a obediência dessas normas necessita das ciências criminais, mais precisamente do Direito Penal para coagir os administrados a obedecerem o ordenamento jurídico respectivo.
Claro que aqui não discutiremos a natureza científica ou não do Direito neste trabalho eis que para alguns doutrinadores o Direito não seria ciência, mas mera forma de imposição do Estado frente aos seus administrados.
O poder, por si só, não consegue fundamentar a criminalização dos crimes econômicos, porém, é o pilar fundamental e só existe porque há um Estado com legitimidade para aplicá-lo e, para tanto, imprescindível o seu poder.

3. DA CRIMINALIDADE BRANCA NA MODERNIDADE

Agora que conseguimos enquadrar epistemologicamente a existência do Direito, mais especificamente do penal, para o fim de fazer valer as normas impostas pelo Estado, devemos nos centrar no momento jusfilosófico vivenciado pelos homens para uma análise sólida sobre as legislações atuais.
Os filósofos contemporâneos divergem quanto ao momento atualmente vivenciado pela sociedade. Para uns, estamos na modernidade, desde o início do século passado, tendo o seu marco a partir do desenvolvimento industrial e tecnológico da sociedade. Já para outros, a partir do fim da última grande guerra já passamos para a pós-modernidade.
Independentemente da nomenclatura aplicada, a verdade é que a nossa sociedade atual pensa raciocina e executa os seus planos de forma distinta das sociedades anteriores.
Da antiguidade até o período moderno poderíamos classificar a sociedade como sólida, pois, ela se comporta como tal à medida que age e raciocina de forma pré-determinada. Ela não muda! Atua com comodidade em todos os aspectos.
Na sociedade, o Estado prevalece eis que, o ser deve trabalhar, estudar e dedicar-se aos fins do Estado e não o contrário.
Já, a modernidade, é caracterizada por sua fluidez que nos dizeres do professor Baumann "(...) é a qualidade de líquidos e gases"
Na mesma linha de raciocínio, o mesmo filósofo diferencia fluidez de solidez da seguinte forma, ipsis litteris:
"O que os distingue (fluidez) dos sólidos, como a Enciclopédia britânica, com a autoridade que tem, nos informa, é que eles "não podem suportar uma força tangencial ou deformante quanto imóveis" e assim "sofrem uma constante mudança de forma quando submetidos a tal tensão".
Essa é a melhor característica para definir o que vem a ser a modernidade, pois, nada se prende no tempo ou no espaço. As mudanças ocorrem constantemente.
A partir da II Guerra Mundial a sociedade encontra a necessidade de se desprender do Estado e, assim, encontra seu novo objetivo, o seu próprio EU.
Até então, levados pela própria idéia de poder o homem enveredava os seus esforços para a busca do bem comum, que por sua vez, era determinado pelo Estado. Tudo girava em torno do Estado pois, ele, em troca, iria proporcionar o bem de todos os administrados.
Essa visão estatal muda na modernidade onde o homem passa a olhar para si mesmo e buscar a sua própria felicidade e dessa forma, se possível, alcançar o bem comum do Estado.
Com essa emancipação o homem passou a buscar desenfreadamente os seus objetivos independentemente de preocupações com o Estado ou o próximo.
Assim sendo, com o surgimento da sociedade de massas advindo do crescimento demográfico combinado com os avanços da indústria, informática, tecnologia, medicina, ou melhor, das ciências em geral, o Estado passou a ter a necessidade de olhar com mais atenção as condutas ilícitas praticadas em detrimento de bens difusos, conforme mencionado alhures.
Na modernidade, com a globalização, os acontecimentos de um ponto qualquer do mundo podem abalar a estrutura do globo. Isso resta muito claro pelos acontecimentos que vivenciamos a todo instante, tais como: crise mundial causada por crime de especulação de banqueiros nos Estados Unidos da América, crescimento econômico na China, crise da Grécia que, por conseguinte, abala todos os países que compõem a União Européia, etc..
A modernidade tem a cara do capitalismo, tal qual estabelecido pelas grandes potencias ocidentais eis que, existe a busca ao lucro em detrimento de qualquer coisa. Claro que as legislações de todo mundo, como a nossa própria Constituição Federal, encartam princípios que tendem a abrandar essa interpretação, como por exemplo, o princípio do desenvolvimento sustentável, onde o Estado deverá observar se o ente privado no exercício de sua atividade de capital está a observar o piso vital mínimo do ser humano.
Contudo, em que pese existam tais entendimentos, a verdade é que esse princípio somente terá voz quando atingir a coletividade como um todo, pois, para o Estado, no frigir dos ovos, é o lucro.
Analisemos verbia gratia, o caso dos aparelhos celulares ou laptops, que anualmente necessitam de atualizações ou até mesmo serem trocados, em razão do avanço tecnológico. Nesse caso onde estaria o Direito do Consumidor?
No caso em tela, não há que se falar em violação aos direitos do consumidor pois o avanço tecnológico é bom para o Estado pois o evolui e ao mesmo tempo faz girar o capital da empresa, que por meio de pagamento de tributos, aumenta a arrecadação estatal. Vejam, também, que essa mudança é fruto da própria modernidade líquida, pois, como já mencionado, tudo muda, tudo é inconstante.
Assim, o poder legislativo das nações ocidentais passaram a se preocupar com a implementação de normas estruturantes de tais direitos de fraternidade (direitos difusos). Pari passu, passaram a regulamentar o Direito Penal na busca da melhor implementação de suas regras.
O Direito Penal em razão de sua fragmentariedade e mínima intervenção é perfeitamente viável para o exercício da coação estatal no adimplemento de suas diretrizes legais, porém, ao mesmo tempo, que é válido diante da fluidez da modernidade tem se demonstrado ineficaz para o combate aos crimes econômicos.
No caso da legislação brasileira, que se fundamenta nos lastros da civil Law esse tormento é maior ainda, pois, o nosso Direito ainda é fruto de ideologias que no máximo pertenciam a modernidade e, portanto, possuem traços sólidos, o que acaba por contrapô-lo a fluidez do mundo moderno.
Diante disso, os chamados operadores do Direito encontram-se numa posição de fragilidade diante da não efetividade do ordenamento jurídico pátrio.
Tal fato traz a sociedade uma idéia de impunidade que, por conseguinte, acaba respingando no aumento da criminalidade contra bens jurídicos diversos, tais como, os crimes contra o patrimônio, liberdade individual, vida, etc.. Observem como tudo gira em torno da estrutura filosófica de uma sociedade!
Aliás, em relação ao aumento da criminalidade, importante observar que, essa fluidez faz do homem um ser individualista à medida que busca de forma incessante a sua felicidade, mesmo que torne outras pessoas infelizes. A maior demonstração disso é o consumismo exacerbado que incide em nossa sociedade.
Tomemos como exemplo o caso do celular acima mencionado. O novo modelo de celular será a "menina dos olhos" do homem ocidental, assim como o tênis para o adolescente, que irá roubar, furtar ou até matar para conseguir o seu objeto de desejo.
Percebam como a própria vida humana foi colocada em segundo plano! Fato esse que é explicado pela criminologia moderna quando visa demonstrar o aumento da criminalidade juvenil.
Imperioso destacarmos que, isso não mudará de uma hora para outra, pois, trata-se de uma visão social, que é oriunda de toda uma civilização eis que, não se limita a um único país.
Voltando para a análise da criminalidade econômica no Brasil a lei que já ingressa no ordenamento jurídico, se mostra sem efetividade e ultrapassada.
Além disso, como os agentes que geralmente praticam tal infração penal são pessoas que pertencem ao "alto clero moderno" e, portanto, ajudam o Estado a se equilibrar na balança do mundo moderno, o próprio poder legislativo atribui penas ridículas e ineficazes para esse delito.
Quando sustentamos esse posicionamento, não queremos dizer que o legislador deveria atribuir penosas penas aos agentes, porém, ao menos atingir as finalidades da pena, ou seja, a prevenção e a retribuição. Infelizmente no caso brasileiro, assim como na maioria dos países europeus, ousamos a dizer que tais penas não atingem nem uma coisa nem outra.
Outro aspecto problemático na prevenção e combate aos crimes econômicos está na inexistência de tempo e espaço, decorrentes da fluidez.
Ao mesmo tempo que o homem se desprende de estigmas e dogmas estatais e ao mesmo tempo da noção de tempo e espaço, ele deixa em razão da busca de sua própria felicidade de preencher todos os espaços, ou seja, tendo em vista a individualidade que surge com a fluidez do homem moderno, ele deixa de ocupar todos os espaços que deveria.
Dessa forma, ele acaba por deixar ao relento, aqueles que por impossibilidade não podem ter o que desejam em que pesem, também, querem o mesmo daqueles abastados eis que, o regime de formação educacional e de informação vende o consumismo cruel.
Assim verificamos que grande parte da criminalidade moderna tem origem nos rincões dos países pobres. Isso ocorre justamente pelo não preenchimento de todos os espaços. E tal ausência é decorrente justamente do fato daquele espaço não ser de interesse do homem moderno.
Finalmente, o último enfoque decorrente dessa modernidade líquida que iremos abordar no presente estudo, diz respeito ao trabalho.
O ser humano moderno busca no trabalho, não para auxiliar o Estado na busca de um mundo melhor, mas sim, para conseguir o que precisa para consumir e, assim, perfazer a sua felicidade plena, ao menos naquele momento.
Essa idéia agregada ao individualismo e a idéia de impunidade, também, proporcionam o aumento da criminalidade econômica, principalmente na área empresarial e, ainda mais, nos países subdesenvolvidos.
Tal fenômeno é oriundo da inexistência de credibilidade do cidadão em relação ao Estado, pois, ele paga os seus tributos, porém, não vê em troca uma educação de qualidade, moradia, saúde digna, segurança pública, etc..
Agora que situamos os aspectos criminológicos em relação ao poder e na modernidade, passaremos a analisá-los à luz da razão.


4. DA RACIONALIZAÇÃO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA

Nesses breves comentários acerca da estruturação do Estado na consecução de seus interesses, constatamos que o poder é a válvula matriz utilizada pelo Estado.
Pari passu,analisamos as características da modernidade e seus traços na atual legislação.
Fazendo apenas uma analogia partimos do ente estatal, abordamos o EU coletivo e agora passaremos a analisar o "ser" e o "agir" do EU individual.
Atrelada a evolução do significado do "poder" podemos dizer que o homem, conforme ratificado pelos filósofos Max Horkheimer e Theodor Adorno, passou a ser desmistificado, ou melhor, passou a voltar-se ao desenvolvimento de sua consciência e desprendimento dos dogmas que volviam a civilização na época.
Claro que em um primeiro momento tal desmistificação não alcançou a intromissão da igreja na concepção de Estado, porém com a modernidade verificamos que o ser obtém o seu integral esclarecimento, alcançando, assim, a iluminação.
Em sua obra "Eclipse da Razão", Max Horkheimer mais uma vez aborda a respeito do esclarecimento buscado e alcançado pelo homem na modernidade, porém, o faz a partir da racionalidade do ser.
Necessário consignar que não há um conceito pré-definido de razão e, portanto, de racionalidade, porém, podemos buscar a sua concepção a partir dos pensamentos dos mais diversos filósofos que contemplaram sob tal tema em determinado tempo da civilização.
Horkheimer classifica a razão como sendo objetiva ou subjetiva, sendo que na primeira o homem busca atingir a finalidade de sua existência, ainda que os meios não lhe sejam favoráveis. Já na razão subjetiva, o ser prioriza os meios (sempre favoráveis a ele) ainda que o fim coletivo não seja atingido.
Conforme salientado alhures, com a modernidade o ser esclarecido busca a dominação da natureza, porém, por seu impulso em tal fim excede os limites do viável e acaba dominando a si mesmo.
Assim, podemos dizer que, em consonância com a classificação apresentada por Horkheimer, na modernidade houve a superposição da razão subjetiva em relação a razão objetiva, o que justifica o individualismo e consumismos exarcebados tão marcantes nos países ocidentais modernos.
Buscando fundamento no filósofo grego Platão, em sua obra República, Max Horkheimer explicita que a razão objetiva, "(...) não enfoca a coordenação do comportamento e objetivos, mas os conceitos ? por mais mitológicos que estes pareçam hoje ? tais como a idéia do bem supremo, o problema do destino humano e o modo de realização dos fins últimos". Por outro lado "em última instância, a razão subjetiva se revela como a capacidade de calcular probabilidades e desse modo coordenar os meios corretos com um fim determinado.
Entretanto, em que pese o autor em comento critique a superveniência da razão subjetiva em relação à objetiva em nenhum momento ele sustenta que a razão objetiva deveria prevalecer. Na verdade, há a necessidade do homem resgatar aquela primeira versão do homem de desejo que busca o autoconhecimento, porém, obedecendo os limites impostos pelo Cosmo em seus princípios universais. Deveríamos buscar o que Sócrates denominava de "andar entre os pilares".
De qualquer forma, a racionalização (esclarecimento ou iluminação) do homem, contribuiu para o aumento dos conhecimentos técnicos da sociedade, porém, também, diminuiu o grau de autonomia do ser e o tornou mais manipulável e menos independente.
Esse processo de subjetivação causou a desumanização do ser humano, à medida que ele busca a sua satisfação em detrimento do todo, sendo certo que os meios de comunicação, (indústria cultural) são os principais difusores de seus conhecimentos, conforme é sabido por todos, intelectuais ou não.
Assim, na busca do prazer a todo custo nas sociedades ocidentais capitalistas os Estados têm enfrentado um aumento significativo da criminalidade difusa.
Nos países desenvolvidos podemos explicar tais fenômenos a partir da subjetivação da razão na modernidade que por sua vez, se manifesta por meio do aumento da expectativa de vida, diminuição da natalidade e o aumento do desemprego.
Tais fatores agregados às circunstâncias acessórias contribuem para a situação atual nos mais diversos setores da área econômica, tais como, o consumo, finanças, economia, previdência social, etc.
Nos chamados países em desenvolvimento, além dos fatores acima explicitados, a subjetivação da razão, também, se manifesta na questão da má distribuição de renda, na descrença dos administrados em relação aos órgãos estatais e, portanto, no Estado e a ganância dos setores do clero econômico.
Em princípio, o aumento da expectativa de vida e a diminuição da natalidade são fatores benéficos ao Estado, porém, o individualismo do homem moderno desequilibra os limites ideais e, assim, causa uma diminuição de receita, pois menos administrados contribuindo e havendo aumento dos gastos, com a saúde, assistência social e previdência social em relação aos administrados mais velhos.
A questão do desemprego é um fenômeno que passou a atingir o homem moderno a partir dos avanços tecnológicos que não se preocuparam em recolocar aquele cidadão no mercado de trabalho, antes de colocar no mercado a máquina que o substituirá.
Já nos países em desenvolvimento a subjetivação da razão do ser fica ainda mais evidente pois o homem, movido pela industria cultural quer possuir os produtos que são divulgados eis que, é construído uma idéia de ser estereotipado. Assim, esse homem renegado busca a todo preço conseguir obter, consumir, as mesmas coisas que os homens de capital. Daí a questão do tempo e do espaço na modernidade líquida que comentamos no início deste trabalho acadêmico.
A descrença do ser em seu Estado dispensa comentários uma vez que é sabido que, se o homem não acredita em algo, mentalmente já há a projeção negativa de realização e nada flui devidamente. O indivíduo enxerga o Estado como sendo um "amigo falso" e, assim, na medida em que tem a primeira oportunidade tentará ganhar algum tipo de vantagem do mesmo.
Embora todas essas características sejam suficientes para justificar a subjetivação da razão como causa jusfilosófica para o aumento da criminalidade econômica, o fator que mais a evidencia nos países em desenvolvimento é a ganância dos empresários que se submetem a prática de qualquer tipo de conduta com o fim de aumentar a receita de suas empresas, seja sonegando informações ou corrompendo os setores de fiscalização do Estado.
Esse individualismo selvagem, que neste item denominamos subjetivação da razão, como qualquer ação movida no universo demandou uma reação. No tocante à racionalização do ser resta até lógico que a natureza se revolte contra o homem individualista.
Essa revolta pode ser acompanhada diariamente nos noticiários, onde são informados desastres naturais, principalmente aqui no Brasil, que antes da Lei Ambiental de 1998 o homem via o meio ambiente apenas como mais uma fonte de arrecadação, não que tal consciência tenha mudado atualmente.
Essa "revolta da natureza" atinge o homem moderno não somente a partir de desastres naturais, mas a partir de crises sistemáticos nos mais diversos setores da sociedade. Podemos citar como exemplo na questão da criminalidade a expansão do Direito Penal de emergência, também denominado por alguns estudiosos como sendo Direito Penal inflacionário, aumento da criminalidade organizada, econômica e patrimonial, rebeliões carcerárias, implementação de ideais de origem nazista para justificar o bem comum (Direito Penal do Inimigo).
Percebam que em nenhum momento estamos sustentando que devemos voltar a "objetivação" da razão, pois isso, também, representaria um retrocesso na civilização, mas sim buscarmos uma harmonização entre as duas espécies de razão.

5. CONCLUSÃO

Destarte, tentamos trazer à baila resumidamente os principais alicerces que explicam o porquê da positivação de normas de natureza criminal que tutelem a criminalidade organizada e econômica.
Primeiramente analisamos sucintamente o "poder" como pilar fundamental que justifica a positivação das normas de combate a criminalidade econômica.
Depois, a partir do estudo da modernidade, evidenciamos a efetivação das normas de Direito Penal Econômico e a necessidade de novas reflexões e adaptações para que essa normatização atinja os anseios de uma sociedade líquida.
Finalmente, a partir da racionalização do ser, buscamos a reflexão dos fatores sociais nas civilizações do ocidente que justificam o aumento da criminalidade econômico e, por conseguinte, a necessidade da implementação de mais diretrizes legais por parte do Estado em busca da prevenção e retribuição, com a finalidade de diminuir a criminalidade.

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Autor: Moacir Martini De Araújo


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