A REFORMA UNIVERSITÁRIA DOS ANOS 90 E SEUS IMPACTOS NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR



Introdução.

Estudos investigativos sobre a formação de professores, especificamente aqueles direcionados aos professores já atuantes, são produzidos no Brasil e em outros países de forma intensiva a partir do alargamento do atendimento escolar à população e em conseqüência das dificuldades que a escola vem demonstrando em adaptar seus serviços a um público universal, ou mesmo , responder aos níveis de aspirações prescritos historicamente para o seu domínio institucional no mundo contemporâneo. A visibilidade que ganha o professor nas pesquisas educacionais e mesmo nas reformas escolares recentes promovida em vários países, inclusive no Brasil, não é gratuita; grande parte das demandas e desafios que hoje se colocam para a educação escolarizada é, entre outros fatores, interseccionada com a ação/transformação de seus profissionais.
A ênfase na temática da formação de professores nos estudos educacionais, nas últimas décadas do século XX , encontra seu aporte mais consciente na necessidade de revitalizar a imagem pública da profissão docente face à crise que a instituição escolar vivifica na contemporaneidade e à deterioração que a imagem social do professor vem sofrendo nesses tempos de crise.
A crise que atinge a instituição escolar nos dias atuais expressa -se primordialmente no pouco êxito identificado entre a clientela que se serve de seus serviços, especificamente aquela oriunda das classes populares e perpassa pelo sistema educacional vigente no país a partir da lei 5540/68 e da Reforma Universitária dos anos 90. No Brasil , a duvidosa qualificação da clientela escolar apontada pelos índices oficiais dá-nos uma mostra significativa da dificuldade que a escola vem encontrando no processo de formação de competências em seus alunos; e mais, tais resultados colocam em questão a realidade educacional brasileira, já que a escola como agência social vem encontrando sérios obstáculos em se firmar como uma instituição pública, autônoma, eficiente e democrática.
Assim, a escola parece não mais satisfazer suas funções originais ? desenvolvimento intelectual/social das futuras gerações ? na sociedade brasileira contemporânea. Vive, pois, uma crise paradigmática, crise que lança o difícil desafio de (re) avaliar a positividade de sua ação, essencial para o desenvolvimento de singularidades/ competências que nos distinguem como humanos , seres históricos e sociais.
Nesse quadro de instabilidade , de um lado, vale dizer, uma promovida pela má formação dos professores e, de outro, pela descrença dos agentes escolares diante do autoritarismo resultante da reforma dos anos 90, os construtores diretos dessa ação institucional, aqueles cuja responsabilidade
reside em revigorar e qualificar o estatuto "perdido" da escola, reascendem no cenário acadêmico.
Tanto quanto a escola, o lugar do professor também encontra-se em crise. Saberes e competências antes validados são agora destituídos, considerados obsoletos, fragmentários , inconsistente e, na maioria das vezes, são vistos como ineficazes para o imediatismo e o consumismo do mundo contemporâneo. Para o professor na atualidade, não basta mais a memória informativa, cristalizada sobre conhecimentos supostamente duradouros. As exigências e demandas atuais apontam para um rompimento das concepções com que a profissão foi organizada no passado.
Explicita ou implicitamente, a "qualidade" parece ser o predicativo reincidente nas produções teóricas quando o assunto é processo de educação institucionalizado e as propostas e investigações em torno da formação de professores.
Contudo, os debates e discussões acerca da qualidade escolar não se restringem à esfera da produção científica; a qualidade parece também configurar-se como o eixo comum de vários outros âmbitos que, por manterem algum vínculo com a escola, comunicam formas específicas de se pensar o processo escolar e a atuação de seus agentes. Podemos inclusive afirmar que a qualidade escolar converteu-se no "ideal comum" das várias metanarrativas institucionais, vale dizer a família, a academia, os setores econômicos, o poder público, os meios de comunicação e outros que hoje circulam na instituição escolar e que a ela imprimem significações.
Apesar desse suposto ideal comum, os propósitos desses âmbitos nem sempre expressam um conjunto coeso de interesses, tampouco estão afinados com uma concepção de qualidade comprometida com a perspectiva de uma escola democrática "vinculada ao combate às desigualdades , às dominações e às injustiças de qualquer tipo" . ( Silva , 1996,p. 12 ) A retórica neoliberal na atualidade é exemplo disso: o projeto neoliberal apropria-se do discurso da qualidade na educação associando-o a objetivos particulares, privados e com proveitos , digamos, bastante circunscritos.
De acordo com Silva (1996,p.65) , o projeto neoliberal de sociedade filia-se à defesa da colonização da educação pelas perspectivas e pelos interesses empresariais e gerenciais e que, em sua presente mutação, atende pelo nome de "Gerência da Qualidade Total". Nesta concepção, segundo o autor, "a qualidade em educação é vista a partir de uma ótica econômica , pragmática, gerencial e administrativa". A capacidade da qualidade ocupar o eixo discursivo de diferentes demandas sociais direcionadas à escola deve-se, segundo Enguita (1995,pp. 95-96) , ao caráter polissêmico que esta palavra possui. Para o autor a qualidade:
" Converte-se em uma palavra de ordem mobilizadora, em um grito de guerra em torno do qual se devem juntar todos os esforços. Por sua polissemia pode mobilizar em torno de si os professores que querem melhores salários e mais recursos e os contribuintes que desejam conseguir o mesmo resultado educacional a um menor custo; os empregadores que querem uma força de trabalho mais disciplinada e os estudantes que reclamam de maior liberdade e mais conexão com os seus interesses, os que desejam reduzir as diferenças escolares e os que querem aumentar suas vantagens relativas. "
Pelos exemplos acima, a retórica da qualidade escolar coexiste nos reclamos de diferentes campos discursivos, inclusive no interior da própria escola, na fala de seus sujeitos. Contudo, pode-se dizer que o que se conota como qualidade , na perspectiva de diferentes práticas institucionais, nem sempre se alinha com propósitos democráticos, tampouco aglutina interesses universais e tampouco ainda se vê no resultado da prática. A qualidade como eixo retórico que circunda a instituição escolar a partir da reforma dos anos 90, obedece, portanto, à lógica de múltiplas narrativas e interesses, assim, a diferentes nexos de poder nos embates do jogo social.
Uma das respostas atuais direcionadas à (re) qualificação da prática escolar, comunicadas pelas políticas públicas e as investigações científicas , é a proposição de projetos de formação em serviço para professores. Propostas estas que visam desde atualizar a prática pedagógica docente face à acelerada produção do conhecimento humano em nossa época, até provocar um debate mais profícuo, junto a esses agentes, sobre as finalidades educacionais da instituição escolar neste século que se inicia.
Neste trabalho, interessa-nos mais de perto visualizar como a lei 5640/68, bem como a Reforma universitária dos anos 90, em seus aspectos avaliativos , autônomos e políticos, têm interferido no contexto escolar no que tange à "qualidade" da qualificação da formação docente e as possíveis alterações significativas provocadas por elas na prática cotidiana , além de apontar algumas questões consideradas vitais para o trabalho do professor diante das políticas neoliberais.
Para marcarmos traços característicos destes objetivos, realizamos um recuo histórico que possibilita uma visão de como a educação se organizou desde os primórdios e como essa organização se expressa hoje nas relações entre o ensino e a pesquisa.
Nesse sentido , fazemos também uma breve revisão das atribuições imputadas pela reforma dos anos 90, naquilo que concerne mais diretamente a instituição universitária: a avaliação, a autonomia e o regime político.
Ademais, apontamos questionamentos finais , sem a pretensão de respostas prontas, a respeito de como essa reforma universitária atingiu a escola no que se diz respeito à formação e ao cotidiano docente.

AVALIAÇÃO, AUTONOMIA E REGIME POLÍTICO: O PROFESSOR E AS PRÁTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE DIANTE DESSE CENÁRIO
"Se na velha ordem era Deus quem vencia o Diabo, era a virtude que dominava o vício, e era a graça divina que criava o novo homem livre ? "livres pela graça de Deus"- na nova ordem deveria ser a educação quem venceria a barbárie, afastaria as trevas da ignorância e constituiria o cidadão. (...) A pedagogia adquiriu nas formas de representar o social, uma centralidade política nunca tida antes. Passou a ser pensada como mecanismo central na separação da velha ordem pela nova ordem. Aquela , desprezada como tempo da barbárie, de ignorância, de servidão, de despotismo; esta exaltada como tempo de racionalidade, civilização, liberdade e participação. Uma representação que terminou ocultando a barbárie, o despotismo e
a exploração da nova ordem capitalista.(ARROYO, 1993, pp. .36-37) .
Assim se expressando, o autor comenta como a escola se articulou durante os tempos para a formação do homem moderno em sua base científica associada às alterações na produção da vida material, bem como Popkewitz (1997, p.75) define a profissionalização do conhecimento:
"assim como o humanismo do século XVIII, a retórica pública do final do século XIX confirmava os nobres mitos do Iluminismo, mas interpretava o mundo e a individualidade através de discursos científicos específicos, formados dentro das comunidades profissionais. O conhecimento especializado, organizado em torno das racionalidades da ciência, visava libertar as pessoas dos limites da natureza e oferecer caminhos rumo a um mundo social mais progressista. Se as pessoas pudessem refletir sobre as suas condições, elas poderiam também analisar meios para racionalmente melhorá-las.(...) nos primeiros 250 anos da história dopais, nosso sistema escolar era constituído de seminários, o que não deixa de ser um ensino, rigorosamente, profissional, apesar de este tipo de educação ser hoje denominado "humanística" . Estes "colégios" podem ser considerados um tipo elementar de ensino superior profissional ( formação de padres e burocratas) , o que confirma as teses : a) os sistemas escolares modernos iniciam-se pelo ensino superior; b) o ensino superior foi sempre um ensino profissional; c) o que se chama , hoje, de "humanismo", era simplesmente, a forma primitiva de profissionalização."
Essas citações, em especial a de Popkewitz , parecem dimensionar também o conceito de ensino à luz da reforma universitária dos anos 90, através da lei 5.540/68 : da separação de universidades e centros universitários e da redução da duração dos cursos superiores.
Parece-nos que essa Reforma, enraizada nas transformações do ensino superior nas primeiras décadas da República, nos séculos XIX e XX, tem como objetivos maiores facilitar o acesso ao ensino superior por meio de multiplicações de faculdades, aumentar o número de cursos noturnos e, principalmente, adaptar os currículos às condições do mercado local .
A ideologia de um ensino de caracteres pragmáticos, econômicos e gerenciais parece ser a que permeia toda essa reforma e a que pretende , cada vez mais, dissociar o ensino da pesquisa, portanto, pensar ou falar em democracia , prática do multiculturalismo , em ética, em interdisciplinaridade num contexto , segundo Noronha ( 1998) " em que o ensino sistematizado é monopólio de classes que detêm o poder, em que o desenvolvimento da ciência , da tecnologia na educação está fortemente vinculado à separação entre o saber e o fazer, entre a teoria e a prática, entre a concepção e a execução, oriundas da divisão social e técnica do trabalho", são necessidades urgentes as quais o professor não pode e não deve abrir mão de cumprir, tanto diante do contexto escolar e de seu local de trabalho como também para repensar sua própria formação e (re) qualificação.
Antes de apontarmos alguns questionamentos a respeito do ensino/pesquisa no Brasil e de enfatizar a importância da formação, da qualificação e do trabalho do professor em sala de aula diante da contemporaneidade, vamos nos aproximar mais do que propôs essa Reforma universitária mediante o painel da educação superior no Brasil atual e comentarmos alguns dos pontos mais relevantes dela para este trabalho que desenvolvemos : a avaliação, a autonomia e o regime político.

A AVALIAÇÃO
Os métodos finalísticos que as avaliações do ensino superior assumiram hoje são elementos que podem nos dar um verdadeiro panorama sobre o cenário do ensino/pesquisa. Os seus mecanismos de controle apontam uma evidência de que o setor privado caminha para a competição com a universidade pública , uma vez que os chamados centros universitários estão se expandindo cada vez mais , adequando seus currículos às necessidades do mercado local, ampliando os cursos noturnos , reduzindo a duração dos cursos superiores, utilizando-se de novas formas para a admissão de novos alunos nos cursos , uma vez que a LDB / 96 deixou de mencionar os vestibulares.
Além disso, o perfil quantitativo dessas avaliações parece direcionar a maior parte do planejamento e das atividades dos cursos superiores para preparar o aluno a prestá-las e a ter um resultado satisfatório que possa, mais tarde, auxiliá-lo a entrar no mercado de trabalho e que possa resultar, também, em uma análise positiva a respeito da instituição na qual estuda.
Nesse contexto, a apropriação e a construção do conhecimento universal assumem um papel secundário e o valor do conhecimento passa a ser visto como imediatista , utilitarista e localizado.
Na corrida para a obtenção de um conceito satisfatório , a instituição universitária acaba por remodelar seus planos , atendendo à demanda do mercado e reduzindo o tempo de curso e, conseqüentemente, oferecendo aos seus alunos o que se chama de conhecimento essencial , de " cesta básica do conhecimento."
A pesquisa quase inexiste e quando existe é banalizada em detrimento dos problemas sociais ou localizada e direcionada para o utilitarismo que, segundo Chauí (1996, p.43)) dá valor à ciência pela

" quantidade de aplicações práticas que possa permitir. É o uso ou a utilidade imediata dos conhecimentos que prova a verdade de uma teoria científica e lhe confere valor. Os conhecimentos são procurados para resolver problemas práticos e estes determinam não só o aparecimento de uma ciência , mas também suas transformações no decorrer do tempo." Essas avaliações que , a princípio, revelaram-se de caracteres qualitativos e com o objetivo de melhorar o ensino superior no Brasil, camuflam por trás de sua aparência o grande autoritarismo social dessa reforma , enraizado no liberalismo do século XIX e remontam todo um panorama de desigualdades sociais e de imperialismo já vivido nos séculos passados.
A AUTONOMIA.

Contraditória é a idéia de que a universidade seja autônoma em suas decisões pedagógicas e administrativas . Essa contradição se dá por uma autonomia controlada em sua produção.
O educador , por sua vez, se esbarra em uma cultura de objetivos predeterminados e os seu trabalho acaba por limitar-se a cronogramas, planejamentos quantitativos e processos de avaliação que quase nada avaliam e, muitas vezes, despercebidamente, acaba por assumir-se como um mediador na relação do sujeito com o mercado material , aproximando seu papel de educador ao papel da mídia que, segundo Bruni (1986) "atua como reforço simbólico ao estilo de vida dos contingentes médios já integrados ao mercado material e simbólico dominante e a ação pedagógica se transfigura quase sempre em puro consumo".
A tarefa do educador/ pesquisador de incentivar a pesquisa e a construção do conhecimento e praticizar a interdisciplinaridade no espaço escolar diante desse contexto é de fôlego, e segundo Dagnino (1994, p.54),
"um processo de aprendizado social, de construção de novas formas de relação, que inclui de um lado, evidentemente, a construção de cidadãos enquanto sujeito ativos, mas também, de outro lado, para a sociedade como um todo, um aprendizado de convivência com esses cidadãos emergentes que recusam permanecer nos lugares que foram definidos socialmente e culturalmente para eles." Assim , as práticas de formação de professores emergem com a responsabilidade de orientar o educador para essa difícil tarefa l e nesse contexto de uma nova racionalidade humana, a profissão docente emerge também como atividade fundamental no cenário social , podendo configurar-se em um futuro, como a profissão por excelência comprometida com a formação da civilidade humana. Segundo Nóvoa (1995, 32) "os professores são os protagonistas no terreno da grande operação histórica da escolarização, assumindo a tarefa de promover o valor educação: ao fazê-lo, criam as condições para a valorização de suas funções e, portanto, para melhoria do seu estatuto sócio-profissional."
Faz-se urgente a necessidade da pesquisa no meio do professorado, a universidade busca alguns caminhos contribuindo com os cursos de formação e (re) qualificação, mas ainda não encontrou o meio eficaz de levar a pesquisa ou mesmo incentivá-la no âmbito escolar de ensino fundamental e médio.
O questionamento central , por assim dizer, desta nossa incursão no processo dos cursos de prática de formação de professores seria o de como a universidade tem contribuído para a indissociação ensino/pesquisa na escola diante das reformas neoliberais dos anos 90?
Segundo Cunha ( 2000, p.97)
"a concepção da autonomia financeira e funcional tem sido muito discutida devido aos interesses envolvidos. De um lado, estão os reitores e os sindicatos de docentes e de funcionários, junto com as entidades estudantis, que defendem a manutenção do pessoal como parte integrante do funcionalismo público. O que se imporia é a retirada das restrições administrativas e financeiras impostas pelo governo federal às universidades , assim como a elaboração de mecanismos de transferência automática e suficiente de recursos financeiros. De outro lado, está o governo, que pretende condicionar a autonomia e o financiamento, principalmente, a critérios quantitativos de desempenho, assim como a eliminar a isonomia salarial das carreiras de docentes e funcionários, o que tem sido atribuído a um intento privatista."
Observam-se , segundo o autor, a eterna contradição entre esquerda e direita na luta social pela Educação e as evidências dos interesse do governo na privatização das universidades, mesmo que para tanto tenha que rever a Constituição, assim como o interesse do pessoal em manter-se firme quanto à situação atual. É é nessa situação que o professor/pesquisador deve inserir a sua tarefa de lutar pela indissociação do ensino/pesquisa dentro das faculdades e das universidades, utilizando-se também dos benefícios da autonomia democrática conquistada nos anos 80, com a queda da ditadura militar.
Ressaltamos aqui a importância do papel social do professor e de sua formação crítico-reflexiva , ainda que com uma carga horária aumentada, com pouca elaboração pessoal e ainda que a universidade ou a faculdade não colaborem com a pesquisa.
Outrossim observamos que nessa esfera pública de "autonomia", as políticas sociais são quase inexistentes e muito pouco cogitadas, o que parece-nos mais evidente são as práticas das políticas locais em que a pesquisa acaba interessada e direcionada aos interesses do mercado consumidor, além de ser acelerada por essa autonomia controladora em função do gerenciamento de uma "qualidade total". A contradição está posta: os cursos de mestrados acabam sendo uma espécie de extensão dos cursos de graduação , consumidores de conhecimentos e as pesquisas de doutoramento , muitas vezes, acabam por não produzir conhecimentos, limitando-se em mais consumo.

O REGIME POLÍTICO
O surgimento dos centros universitários dotados de autonomia e das universidades especializadas tende a segmentar ainda mais o campo do ensino superior. O âmbito particular pode dar margens à instituições de ensino que acabem concorrendo com as universidades públicas, evidentemente, pelo empreendimento que esse setor possa fazer, principalmente no que se diz respeito aos salários dos professores.
Além disso, com a possibilidade de parcerias com o mercado , os centros universitários podem se condicionar aos interesses locais e à pratica departamentalizada do saber que, segundo Cunha (2000, p.98),
" consiste em transferir as disputas para fora do campo da competência acadêmica, que adquire valor em circuitos cada vez mais amplos do campo intelectual ( mediante publicações, intercâmbio de visitantes, participação em bancas, em congressos, seminários, etc) para trazê-las para o campo de participação nas atividades onde os micropoderes se constituem, por delegação da administração superior e/ou das plenárias dos conselhos e das comissões, por níveis sucessivos, mediante o princípio de representação"
Parece-nos que a departamentalização também pressupõe um maior controle no meio acadêmico em que a detenção do poder de decisões se centraliza nas mãos de poucos coordenadores , poder esse também muito limitado a ações administrativas, domésticas e funcionalistas e os professores, com o seu número excessivo de horas/aula, o seu trabalho burocrático e a falta de tempo para a pesquisa podem se limitar novamente a praticar um trabalho puramente técnico. Segundo Cunha (2000, p.99),
"No limite, se submetidas ao controle nivelador e mediocrizante dos departamentos, a pós-graduação e a pesquisa poderão até mesmo deixar as universidades refugiando-se em instituições especializadas, como se fez nas décadas de 40 e 50, quando a universidade era sinônimo de ensino repetitivo, rotinizado e livresco."

UNIVERSIDADES OU EMPRESAS DE CONSULTORIA?

Centrada em uma determinação taylorista, a Lei 5540 , de 1968, bem como a departamentalização, a criação de centros universitários, a dissociação ensino/pesquisa , o ensino com objetivos voltados para atender a demanda do mercado, tão cogitados na Reforma universitária dos anos 90, nos sinalizam alguns pontos evidentes que convergem com as estratégias políticas da doutrina neoliberal , pontos esses que podem ser observados pela idéia de educação eficiente como ascensão social, em que o aluno é tomado como cliente e os gestores como beneficiários do bem individual e não do bem público, pelo estímulo à competição, pelos professores sendo valorizados pela capacidade de adaptação à política da redução do tempo, pela prática banalizada da investigação e da pesquisa e pela autonomia sendo controlada por resultados das avaliações institucionais que afunilam e controlam o ensino no sentido da manipulação do conhecimento.
No que se diz respeito ao cotidiano do professor, esse parece ser o mais atingido e o foco de maior atenção. Seu trabalho poderá estar centrado no que reza a cartilha neoliberal e suas atividades de ensino e de pesquisa poderão se resumir a mero ensino seqüencial a fim de satisfazer a clientela do mercado, aproximando o conhecimento do imediatismo e se desprendendo da teoria rumo à educação de fatos e não de conceitos.
Nesse cenário é que se vê a necessidade de se emergirem da prática de formação de docentes em serviço, discussões e pesquisas sobre "qualidade", democracia,. multiculturalismo, crise de paradigma, interdiscipilnaridade, no sentido de se (re) colocar em entendimento e em sintonia os operacionais com os teóricos, na tentativa de evitar o ensino formalista, vale dizer aquele que se centraliza no conteúdo específico e, do ensino naturalista, aquele em que os fatos são ensinados da forma mais eficaz possível. É necessário redobramos nossas atenções quanto a essas questões para que não passemos de educadores a meros reprodutores de reformas que manipulam a sociedade , que separam caminhos e dividem classes. Segundo Nogueira (1999,p.51):
"Sem dúvida, o que se apresenta à sociedade são duas " Reformas". Uma veio se constituindo nos últimos anos , como necessária resposta jurídico-institucional às inevitáveis mudanças que a sociedade brasileira precisaria realizar, para não sucumbir ao "atraso" irrecuperável, diante de outras nações que responderam de forma mais rápida às mudanças produtivas e do setor público. A outra se apresenta como reforma necessária para que a primeira se consolide. No entanto, a segunda Reforma permanece na mídia, num esforço incomensurável para modernizar a instituição escolar e fazê-la definitivamente colar-se às exigências do mercado.
Um constante bombardeio de propaganda ideológica neoliberal e decisões políticas conservadoras como "os amigos da escola", " o livro didático", "o professor do mês" pretendem menosprezar a função intelectual do professor. Segundo Santomé (1996,p.14) , "urge recuperar para a função docente a concepção gramsciana de intelectual, nesse momento em que os discursos e epistemologias dominantes pretendem recortar seu papel até deixá-la reduzida a dimensões técnicas e de gestão burocrática".
Não é possível deixar de lado a existência de um mercado em que a manipulação da informação desempenha um importante papel, também não desprezar o fato de que a democracia, o multiculturalismo e a interdisciplinaridade passaram a servir de muletas de expressão nos discursos que contemplam a "qualidade total", mas é imprescindível , dar-nos conta de que a realidade não se adorna às etiquetas explicativas , é preciso nos esforçar para que revelemos em seu mais autêntico sentido.
Embora se constate, muitas vezes, entre nós , professores e educadores atuais, o medo de assumir a educação como ação política, faz-se a urgência de considerarmos a prioridade da democracia dentro do espaço escolar, bem como procurarmos nas táticas do multiculturalismo , caminhos que possam nos afastar ( e a nossos alunos) das apatias pseudodemocráticas e do autoritarismo social, bem como , esforçar-nos para a prática da interdisciplinaridade a fim de vermos nela um fator de interação social.
Segundo Saviani (1991,p.41),
" o processo educativo é a passagem da desigualdade à igualdade. Portanto, só é possível considerar o processo educativo sob a condição de se distinguir a democracia como possibilidade no ponto de partida e a democracia como realidade no ponto de chegada."
Diante desse quadro exposto neste trabalho, observando a lei 5540/68, a Reforma Universitária dos anos 90, a indissociação ensino/pesquisa, o autoritarismo social, as práticas neoliberais da "qualidade total" e as influências desses fatores para a formação docente e para o cotidiano do professor, lançamos mão de uma questão que até por instinto de autodefesa, tentamos escamotear : as universidades e as faculdades estão se transformando em empresas de consultorias e de produção de profissionais para o mercado?
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Autor: Jose Luiz Marques


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