Metafísica Fisicalista



METAFÍSICA FISICALISTA

Diego Wuttke Nunes1
Resumo
O presente ensaio pretende defender o fisicalismo como possibilidade de resposta ontológica no que diz respeito ao conceito de mente, partindo da seguinte questão: o conceito de mente no fisicalismo pode ser sustentado tomando como parâmetro a física quântica contemporânea?
Palavras chave: dualismo, monismo, intrinsicalismo, extrinsicalismo, fisicalismo, física quântica, ciência moderna, ciência contemporânea, filosofia da mente.


INTRODUÇÃO

A física moderna ainda limita os modos de se produzir ciência, embora, Einsten, Planck, Poper, Kuhn, Lakatos, entre outros (cf. KÖCHE, 2010), tenham demonstrado a relatividade das verdades construídas. Sim, verdades construídas, a ciência pós física quântica, em que as incertezas sobre a posição de fótons ou sobre a massa de nêutrons são constantes, cria verdades, quebrando assim com o conceito de descoberta. Entretanto, a relação de muitos dos pesquisadores atuais com o "objeto" parece remontar a ciência moderna dos séculos da Renascença e do Iluminismo, época em que o conceito de matéria era algo muito mais sólido do que é atualmente. Muitos dos conhecimentos produzidos na área das ditas ciências da natureza, atualmente, possuem um tom de verdade última, reduzindo o universo a uma única perspectiva: o monismo fisicalista.
Nesse sentido vale questionar também: por que a física destaca-se na produção de metodologia científica e não outra ciência? O advento da física ocorreu a partir da revolução copernicana, galileana e newtoniana. O aparente sucesso das experiências desses ilustres pensadores físicos, criou uma fé muito grande nos resultados, particularmente, da Física enquanto ciência capaz de resolver tudo. Daniel Dennett propõe em seu escrito A fé na verdade, que "a crença no poder do método científico" é um credo como qualquer outro credo religioso.
Basicamente o fisicalismo pode ser entendido como uma forma de perceber a realidade contrária ao psicologismo do fim do século XIX. Esta última pretendia reduzir todos os fenômenos físicos do corpo humano em correspondentes psíquicos, ao passo que o fisicalismo pretende reduzir os fenômenos psíquicos em fenômenos físicos no sistema nervoso. Entre os grandes nomes do fisicalismo atual está Paul Churchland que afirma que os termos sobre estados mentais do senso comum se extinguirão com o avanço da neurociência.2 Esta forma de entender a realidade entra em conflito direto com uma grande facção de pensadores, que desde a Grécia Antiga, vêm desenvolvendo teorias na tentativa de explicação ontológica. São os dualistas, que, a partir principalmente de Platão, com a sua Alegoria da caverna, assumem que à realidade existe um correspondente imaterial, ou ideal que se corporifica, ou, encarna para formar os objetos e a consciência. Não se pode deixar de abordar René Descartes e a sua parcela de culpa nesse processo. Descartes, que viveu no século XVII, foi quem cogitou novamente a possibilidade de corpo e mente serem de naturezas distintas. Descartes criou o dualismo de substâncias, imaginando a mente como uma substância independente da substância física do corpo. Atualmente, a partir da publicação de Gilbert Ryle, em 1948, do seu Concept of mind aqueceram-se os debates ontológicos acerca do problema mente-corpo. Surge então um novo tempo em Filosofia da Mente. Ryle propõe, neste livro, que os problemas referentes a natureza dos fenômenos mentais devem ser substituídos por uma análise da linguagem, que ficou conhecida como análise conceitual.3 Esta espécie de behaviorismo gerou polêmica entre outros pensadores que defendem que à intencionalidade não pode haver redução.
Acredito que é possível criar explicações metafísicas, em particular no que se refere ao problema da mente, sem se remeter ao imaterial. É o que fazem os adeptos do "fisicalismo ontológico" Geoffrey Paul Hellman e Frank Wilson Thompson (cf. KIM, 1999). Entretanto, é indispensável que se pense antes sobre o conceito de matéria. Pois, segundo Jaegwon Kim4, há discórdia entre os próprios fisicalistas no que tange as propriedades da matéria. O que é matéria? Como as partículas da matéria adquirem massa? Há matéria além daquela passível de observação? Como considerar ou descrever algo que não se pode observar? As propriedades não físicas imaginadas pelos dualistas não poderiam ser consideradas simplesmente matéria física por hora inobservável? No mundo pós moderno a posição do observador é determinante para a produção de conhecimento, assim, existem outros problemas neste sentido como por exemplo: na ocasião de um observador não conseguir perceber o que outro observa, este fato faz da matéria algo inobservável e portanto imaterial para o primeiro observador? Nessa perspectiva o problema torna-se linguístico. O que uma pessoa esquizofrênica percebe é considerado alucinação simplesmente porque ninguém mais percebe, assim a intersubjetividade é o critério de confirmação do real. Outro exemplo pode ser o daltonismo. Os daltônicos são a minoria, assim, esse modo de perceber as cores é considerado deficiência. Entra em cena o papel dos qualia: qualidades subjetivas irredutíveis à ciência monista fisicalista vigente.
Como contraponto às possibilidades monista fisicalistas, existem três tipos de dualismos5, e o pluralismo de Popper, que, de algum modo, consideram alguns eventos como mentais, sendo não físicos. Supor que existam eventos não físicos gera um problema: como eventos não físicos ou mentais se relacionam com o mundo físico? Embora não se possa saber "como é ser como um morcego" como propõe Tomas Nagel em seu artigo de mesmo título, esta perspectiva não cria grandes problemas aos fisicalistas. Assim, o problema da mente, além de ser um problema linguístico, é um problema ontológico. Suponhamos que uma pessoa religiosa diga: "eu tenho um corpo, mas sou minha alma e meu espírito". Pode-se questionar: mas o que ou quem ela é? Já sabemos o que ela tem: um corpo, uma alma e um espírito, mas, não sabemos quem ele é. Esse é um dos principais argumentos em favor dos dualismos. Há algo que é inexplicável, subjetivo e assim, irredutível à física. Porém, mesmo que não se possa modificar este "algo", é possível, e, necessário que se modifique a compreensão sobre a física. A questão que emerge é: somente pelo fato de ser inexplicável e, por hora, irredutível à física, significa que, obrigatoriamente, o mundo deva ser entendido dualisticamente? Há um conflito linguístico cujo mundo ocidental esta imerso devido aos dualismos. Este conflito problemático é a possessão.
Assim como a evolução das religiões de politeístas para monoteístas, creio que a evolução da compreensão científica e filosófica da existência, tenda a simplificar o múltiplo em unidade, assim, tudo o que existe é uma coisa só, e nada mais. Com a evolução das ciências, que já não são mais exatas, acredita-se, que, de alguma forma, tudo poderá ser explicado um dia, porém, esse "tudo" é sempre determinado pelo ponto de partida do sujeito que observa. Sob este aspecto o fisicalismo só pode ser sustentado se se reconhecer como provisório, enquanto recorte da realidade observável. O observável do futuro talvez seja inobservável hoje, assim como no passado não era possível efetuar milhares de observações como é atualmente.


1. ARGUMENTO CONTRA O DUALISMO

A ciência moderna, vigente nas atuais academias e laboratórios, muito influenciados ainda pelo positivismo, cria dogmas, postulando verdades, assim como as religiões em geral, cuja ela mesma atacava. A ciência moderna acabou se tornando uma forma diferente de se fazer a mesma coisa. O movimento de revolução nas ciências é lento, a ciência dita contemporânea é representada pelas quebras de paradigmas ocorridas dentro da própria física, com a física quântica. A física quântica demonstrou como as certezas são relativas. Com o avanço dos equipamentos de análise microscópica, a nanotecnologia, muitas questões jamais pensadas agora são levantadas. As antigas certezas tornam-se incertezas, e os mistérios sobre a constituição da matéria aumentam. Assim, os próprios conceitos de vida e de morte devem estar em xeque também.
O medo natural da morte, presente na grande maioria dos seres vivos, cria, no íntimo do ser humano, a necessidade, ou, a esperança de que a vida não cesse após a morte. Criaram-se assim, muitos mundos imaginários do pós-morte, historicamente presentes em quase todas as religiões, seitas e mitologias. Todos os tipos de dualismos partem dessa vontade primitiva e egoísta de perdurar a vida além da morte. À espera de um mundo feliz após a morte, em que se recompensasse tudo o que se sofreu na vida; um paraíso, as pessoas comuns (leigos) se acomodam diante de todas as injustiças possíveis no mundo em vez de reivindicar seus direitos naturais. Eis o papel das religiões mitológicas em geral: provocar apatia política. Mas esse é assunto para um outro ensaio. Vale neste, fazer emergir a problemática da possibilidade de eternidade da vida humana.
Qual a vantagem de ser eterno? Qual o motivo de ser eterno? Qual o valor de uma vida eterna? Vantagens, motivos, valores, podem ser inventados, são criações, imaginações. Nessa perspectiva qualquer resposta poderá ser possível, entretanto, vale refletir sobre o valor dessas possibilidades para a vida presente. Assim, a felicidade, a sanidade, a sabedoria de lidar com as perdas, enfim, a qualidade de vida em todos os seus aspectos, muitas vezes é negligenciada por formas de pensar que valorizam mais a espera por um futuro melhor do que a luta por um presente são. Aumentar o tamanho do mundo cogitando muitas dimensões não responde por que existe Tudo em vez de existir simplesmente o Nada6. Quê importa o tamanho do mundo se não se consegue responder por que ele existe? Pensemos o mundo o mais simples possível, assim como ele se apresenta, assim como conseguimos observá-lo em nossa grandiosa limitação.
Para uma perspectiva monista fisicalista, creio, é necessário que se pense a existência de forma una. "Tudo é um",7 como disse Heráclito de Éfeso, pensador grego do século VI a.C., eis a perspectiva monista. Não há, neste sentido, evento isolado. Esta perspectiva também é chamada de holística. De acordo com Bohm o universo obedece aos mesmos princípios do holograma8 (cf. REYNER, 2005). Com relação ao fisicalismo, afirma-se que não há evento metafísico, ou seja, que não há evento que transcenda ao físico para explicá-lo. O físico se explica por si mesmo. Porém, esse físico entendido como auto-explicativo não convence uma gama de pensadores. Esses, apoiados em criações hipotéticas que ilustram a existência dos qualia, que são qualidades fisicamente irredutíveis da consciência, afirmam que o fisicalismo, como ele se apresenta, é insustentável. Frank Jackson e Tomas Nagel9 são exemplos de pensadores que se debruçam a criar provas que defendam um intrinsicalismo em que a noção de qualidade é inerente ao sujeito. Com o artigo What Mary didn?t know Nagel acreditou ter criado um problema para os materialistas. Nagel conta a história hipotética de uma cientista que foi criada dentro de uma bolha onde tudo era em preto e branco. Mary é educada e conhece quase tudo teoricamente sobre como são as coisas fora da bolha, inclusive as cores. Para Nagel, o fisicalismo só se confirma se, quando Mary sair da bolha, ela não tiver mais nada para conhecer.
Para defender o fisicalismo desse belo argumento, é necessário que se diga que na perspectiva de um fisicalista, ocorreria com Mary sem dúvida novas sinapses até ao ponto de ela poder identificar o que aprendeu na teoria e como as coisas são às suas novas experiências.
Os intrinsicalistas acreditam que não é possível se saber qual a sensação de uma pessoa ao beber um bom vinho por exemplo, entretanto, acredito que os extrinsicalistas, não querem saber qual a sensação de uma pessoa ao beber um bom vinho, mas, querem saber, o que acontece em seu sistema nervoso, quais as áreas do encéfalo que disparam, afim de conhecer e catalogar informações que serão utilizadas depois para produzir medicamentos e ou tratamentos10. Assim, aparentemente, ocorre um grande mal entendido, porquanto os modos de abordagem são distintos. Em outras palavras, aos intrinsicalistas dualistas de propriedades, existe um problema, a consciência, enquanto que para os extrinsicalistas monistas fisicalistas, não há problema algum, já que tudo é entendido sob a perspectiva da física, até mesmo a consciência. O fisicalismo não deve ser algo estático, se entendido de acordo com a física quântica contemporânea, mas, algo muito dinâmico sempre à espera de novas experiências que ampliem os saberes sobre a constituição da matéria. E a própria consciência é matéria.


2. FISICALISMO PÓS FÍSICA QUÂNTICA

O que se entende por físico?
Esta questão é uma incógnita hoje. Nem mesmo os físicos atuais saberiam respondê-la, pois, as últimas experiências na área demonstram que a física atual vive um momento de muitas dúvidas. As observações moleculares são muito intrigantes: elétrons são movimento de cargas, o núcleo dos átomos é muito menor do que o seu campo elétrico, comparativamente a uma pequena pedra diante de uma metrópole. Assim, esse grande vazio que há entre um átomo e outro, entre outras questões, complexifica o conceito de matéria. Matéria é movimento de cargas em torno de núcleos compostos de prótons, que possuem carga positiva, contrária a carga dos elétrons, e nêutrons, que, não possuem carga nem massa.
Particularmente após Alain Aspect, físico francês, provar o teorema da interconectividade de Alexander Graham Bell11 por uma experiência em laboratório, a teoria quântica entrou em cheque. Aspect enviou duas partículas em direções opostas, modificando a polarização de uma partícula em vôo e observou que a outra partícula mudou sua polarização em direção oposta. Essa experiência provou a possibilidade de algo viajar acima da velocidade da luz, possibilidade que contraria a teoria especial da relatividade de Heinsten, em que nada pode viajar mais rápido do que a luz.
Os físicos, atualmente, como Leon Lederman, falam abertamente sobre a necessidade da incerteza nas ciências, ele afirma: "É uma enorme arrogância cósmica acreditar que podemos prosseguir com uma declaração de que nada existe, a menos que observemos".12 Atualmente, no LHC, (Large Hadron Collider) o maior acelerador de partículas do mundo, experiências estão prestes a revolucionar todos os conceitos sobre física. A física de partículas diz que o universo está literalmente imerso num oceano de Higgs, um fluído que ocupa o vácuo e pelo qual todas as partículas devem passar. Enfatizando isso, o físico Leon Lederman diz que quando olhamos para as estrelas numa noite clara nós estamos vendo através do campo de Higgs.13 O grande problema é se os cientistas não conseguirem provar a existência da partícula bóson de Higgs, chamada por Lederman de "partícula de Deus". Entre tanto, se detectada e produzida experimentalmente, poderá conduzir à uma explanação melhor do comportamento da matéria e uma nova física poderá nascer. Ou seja, de uma maneira ou de outra, uma nova física está prestes a surgir. Nesse sentido, o conceito de mente no fisicalismo, se é baseado no conceito de matéria, ou, de física, deve aguardar esses experimentos para ser confirmado ou modificado.


3. FINAL: METAFÍSICA FISICALISTA

Aparentemente, este título é auto-excludente. Pois, como é possível que a metafísica que busca explicações extra-físicas para a física seja, ao mesmo tempo meramente física? Porém, ampliar-se-ão os horizontes sobre o conceito de mente no fisicalismo a partir de novas experiências na área da mecânica quântica, e o modo de se entender o mundo e a vida se modificarão. Todavia, a humanidade amadurece e a busca pela verdade consegue se fazer cada vez mais sem apelos ao imaginário e ao mitológico. Os dualismos aparecem como fraqueza ontológica, um egoísmo por não se aceitar a própria extinção. O quão urgente seria a vida se a partir de agora viéssemos a saber que não somos eternos! A cultura dualista que se criou e que se deixou impregnar na linguagem, é responsável por toda a nossa apatia e covardia diante da vida presente. Estamos imersos nessa cultura e é muito difícil emergir. A verdade apodítica permanecerá inacessível, entretanto, as dúvidas que surgem na área da Filosofia da Mente abrem a possibilidade para se crer em um novo fisicalismo, baseado nas novas experimentações da Mecânica Quântica.







REFERÊNCIAS

DENNETT, Daniel. Fé na verdade. http://ateus.net/artigos/filosofia/fe-na-verdade/. (Acessado em 30/6/2011).
HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. Instituto Piaget: Lisboa, 1997. (coleção Pensamento e Filosofia).
KÖCHE, José Carlos. Fundamentos de metodologia científica: teoria da ciência e iniciação à pesquisa. 27ª ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
REYNER, J. H.. Medicina psiônica: estudo e tratamento dos fatores causativos da doença. Colaboradores George Laurence, Carl Upton; trad. Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Cultrix, 2005.
Video do canal Dyscovery Channel. Tudo Sobre Incerteza ? Mecânica Quântica ? parte 6 de 6. http://www.youtube.com/watch?v=klYQY-D2LyI. (Acessado em 5/7/2011).
TLG Workplace, fragmenta 50 heraclitus.
TRIPICCHIO, Adalberto. Tipos de Dualismo na Filosofia da Mente. Categoria: Teorias e Sistemas no Campo Psi Publicado por Adalberto Tripicchio [adalbertotripicchio] em 8/6/07. Revista Internacional de Filosofia Clínica (ISSN 1807-846X). Porto Alegre-RS, n. 3, jan/jun 2006.
VIEIRA, F. J. Amaral. Em busca de HIGGS, a "Partícula de Deus". Fundação Cearense de Apoio ao Des. Científico e Tecnologia do Ceará (Funcap). Arch.FuncapScien - Phys.Cosmol/Scientif.Update.- 0001. Oct. 29. 2008.
Autor: Diego Wuttke Nunes


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