ASPECTOS SÓCIO-JURÍDICOS DA CONDENAÇÃO DE BECKMAN



Introdução

Sendo considerado um dos principais momentos da história maranhense, o artigo a seguir faz uma pequena análise dos pontos mais importantes da Revolta de Beckman: desde o momento inicial acerca do que vem ser especificamente este tema, até o momento considerado mais marcante na história: os ideais nativistas e a explosão da revolta.
Beckman é de fundamental importância para a história brasileira. Com estudos complexos no desenvolvimento desta tese, ele dá início a uma série de idéias que auxiliaram no desenvolvimento e na propagação de ideais emancipatórios para o povo maranhense.
Fundamentando-se nos movimentos nativistas, Beckman criou uma filosofia política própria, onde pregava sempre a idéia de igualdade a todas as pessoas. Foi somente com o estopim da Revolta que Beckman, veio a morrer. Mas sua linha de pensamento prosperou até os dias atuais ("todos são iguais perante à lei").
Desta forma, o presente trabalho não tem um caráter finalístico, nem pretende esgotar o seu objeto de estudo, caso em que procura analisar a Revolta de Beckman no contexto da vida social moderna.

1 Fundamentos do Nativismo

Os movimentos nativistas surgiram entre o século XVII e a primeira metade do XVIII. Um dos principais motivos era justamente a insatisfação da população diante da opressão da Metrópole, que era desempenhada através dos monopólios e do excesso de fiscalização. Como exemplo desses movimentos, pode-se citar a criação das Casas de Fundição e das Companhias de Comércio, causadoras de grandes revoltas. Vale lembrar, que este movimento não detinha base ideológica definida (CHOI, 2010: 01).
O nativismo é guiado pela idéia de defesa perante a crescente exploração metropolitana, almejando apenas o direito de poder cuidar de seus próprios negócios e defender-se dos abusos de Portugal. Foi só depois de 1750, baseados na ideologia das luzes, que os homens tornaram-se mais críticos, o que despertou os conceitos de independência, igualdade, república, democracia; presentes, com ajustes e limites, na Revolta de Beckman (1684), na Inconfidência Mineira (1789), na Conjuração Baiana (1798), na Revolução Pernambucana (1817) (Ibidem, p. 02).
O professor Milson Coutinho (2004: 187) explica ainda que o nativismo da forma como ele se manifestou foi através de uma proposta nacionalista ou pela formalização dos ideais de independência política, sendo uma espécie de ideologia dependente dos tipos de compartimento e de representação conduzidos pelo mercantilismo e pelo Estado absolutista.
"O fim do sistema colonial era um dos objetivos da burguesia capitalista que se articulava com o projeto de autonomia das classes proprietárias das colônias do Novo Mundo" (ALBUQUERQUE apud COUTINHO, 2004: 188). Assim, as idéias de emancipação política só tiveram seu andamento a partir do século XVIII, sob a influência da independência americana em 1776 e delimitados na filosofia liberal da Revolução Francesa de 1789.

1.1 Filosofia Política de Beckman

Manuel Beckman abastado senhor de engenho, sempre pregou entre seus companheiros a igualdade de condições para todos , até mesmo para os mais pobres, pois para ele, a pobreza não era impedimento algum para aspirarem por melhores condições de vida (COUTINHO, 2004: 189).
Nas palavras de Francisco Teixeira (apud Coutinho, 2004: 190), Beckman explicava aos seus compatriotas que era pela presença do Estanco que gerava danos à iniciativa particular, pois com eles ali era quase que impossível haver algum tipo de prosperidade. E aqueles que outrora eram senhores, acabavam por se tornando vassalos.
"Tudo quanto dizia e nas conferências anunciava para os induzir, era venturas às mãos cheias e abundâncias sem limites calando sempre à menção de maus sucessos" (Idem). Até mesmo em relação aos castigos que poderiam advir, Beckman se mostrava indiferente, já que para ele o sucesso da rebelião era para a vontade de todos e não apenas de uma única, e decerto D.Pedro II haveria de entender e ninguém tinha nada o que temer.

2 Do estopim da revolta à execução do "herói"

Liderada pelos ilustres proprietários Tomás Beckman, Manuel Beckman e Serrão de Castro, a Revolta Beckman (Maranhão ? 1684) foi o saldo de um conflito entre os jesuítas e os colonos do antigo estado do Maranhão, que abrangia a enorme região que vai desde o Rio Grande do Norte até o Pará.
A região era bem-sucedida: produziam desde o algodão, passando pelas drogas do sertão e até mesmo o açúcar. Para tanto, faziam os índios de escravos , pois a quantidade de escravos negros era precária, já que eram vendidos a altos preços nas regiões açucareiras do Nordeste, que eram as mais ricas.
Pelo fato dos jesuítas serem contra a escravidão indígena, estes logo entraram em conflito com os colonos. Quando os padres da Companhia de Jesus obtiveram o Alvará Régio de 1655, que lhes davam o direito de ter os indígenas sob sua autoridade exclusiva, foi que os colonos furiosos, começaram a revidar.
O professor Florival Cáceres (1993: 112) aduz que:


Liderados pelas Câmaras Municipais de São Luís e Belém, as principais do antigo Maranhão, os colonos protestaram, prenderam os padres mais atuantes e expulsaram os demais. Devido a isso, os jesuítas acabaram perdendo o monopólio sobre o controle indígena, dividindo-o com as outras ordens religiosas. Assumindo o trono após a morte de D. Afonso VI e influenciado pelos jesuítas, seus mestres, o regente D. Pedro II restabeleceu o monopólio dos jesuítas sobre o controle dos indígenas.


A metrópole designou medidas para que houvesse a solução desse impasse: instituiu a Companhia Geral do Comércio do Estado do Maranhão, que deveria: prover 10 mil escravos negros, numa média de 500 por ano; guarnecer a região com produtos importados, entre eles: bacalhau, sal, azeite de oliva e vinho; adquirir os produtos da região e estimular outras plantações - cacau, baunilha e cravo. Teria, também, o privilégio exclusivo da região por 20 anos (Ibidem, p. 113). As medidas favoreciam as duas partes.
Apesar disso, a Companhia extrapolava em seu monopólio: o provimento de escravos era escasso e a um custo elevado; os produtos importados, além de poucos, chegavam sempre estragados; os navios para a região eram aperiódicos. Cáceres (1993: 115) explica ainda que "a Companhia fraudava pesos e medidas, só aceitava panos e cravos como pagamento de seus produtos. Os outros produtos da região eram vendidos a preços exorbitantes a agentes disfarçados da própria Companhia".
Consternados com tais procedências , os colonos, comandados pelos irmãos Beckman e Serrão de Castro deram início ao movimento conhecido como Revolta Beckman. Após reunirem-se na Câmara Municipal de São Luís, deliberaram pela expulsão dos jesuítas, (seus antigos inimigos) e pela abolição do monopólio da Companhia.
Assim, Tomás Beckman partiu para Lisboa, com o objetivo de negociar com as autoridades portuguesas e lutar pelas reivindicações dos colonos. Queria na verdade, era afastar qualquer suspeita de revolta contra a coroa e o rei, apresentando apenas a queixa dos colonos. Foi neste ponto que se deu a derrocada da revolta. A coroa decidiu acatar a uma das exigências dos colonos: extinguiu o comercio exclusivo da Companhia. Entretanto, nomeou Gomes Freire de Andrade - homem enérgico e com grande habilidade política - como novo governador do Maranhão, dando-lhe plenos poderes para solucionar a situação.
A extinção do monopólio da Companhia desmotivou os rebeldes , o que facilitou ao novo governador conter a rebelião. Alguns líderes foram presos, uns conseguiram o perdão e outros foram deportados. Todavia Manuel Beckman , considerado a "cabeça" da rebelião, foi enforcado. Com isso, os jesuítas retornaram ao Maranhão e restabeleceram o monopólio do controle sobre os indígenas.

3 Aspectos sócio-jurídicos da condenação de Manuel Beckman

É inegável o significado da retomada dos estudos históricos no âmbito do Direito, principalmente quando se tem em conta a necessidade de repensar e reordenar uma tradição normativa, objetivando depurar criticamente determinadas práticas sociais, fontes fundamentais e experiências culturais pretéritas que poderão, no presente, viabilizar o cenário para um processo de conscientização e emancipação. Naturalmente esta preocupação distancia-se de uma historicidade jurídica estruturada na tradição teórico-empírica construída pela força da autoridade, da continuidade, da acumulação, da previsibilidade e do formalismo. A obtenção de nova leitura histórica do fenômeno jurídico enquanto expressão cultural de idéias, pensamentos e instituições implica a reinterpretação das fontes do passado sob o viés da interdisciplinaridade e da reordenação metodológica, em que o Direito seja descrito sob uma perspectiva desmistificadora.
Antônio Carlos Wolkmer (1996: 7) explica que:


Para atingir esta condição histórico-crítica sobre determinado tipo de sociedade e suas instituições jurídicas, impõe-se, obrigatoriamente, visualizar o Direito como reflexo e uma estrutura pulverizada não só por certo modo de produção da riqueza e por relações de forças societárias, mas, sobretudo, por suas representações ideológicas, práticas discursivas hegemônicas, manifestações organizadas de poder e conflitos entre múltiplos atores sociais.

Nessa perspectiva, parte-se da premissa de que as instituições jurídicas têm reproduzido, ideologicamente, em cada época e em cada lugar, fragmentos parcelados, montagens e representações míticas que revelam a retórica normativa, o senso comum legislativo e o ritualismo dos procedimentos judiciais.
Justifica-se, deste modo, a importância da presente rebelião promovida por proprietários rurais maranhenses contra a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, em 1684. No núcleo da revolta, a questão do trabalho escravo dos índios e a questão dos preços das mercadorias, dos juros e dos impostos.
Transportando este debate para o cenário atual, a condenação de Beckman, certamente seria considerada injusta, sob qualquer óptica. De acordo com a legislação vigente, ninguém jamais poderá ser condenado por reunir em grupo, tendo apenas como ideais melhores condições de vida ou mesmo por reivindicar junto ao governo igualdade em transações.
Se a revolta acontecesse atualmente, decerto Beckman ainda estaria vivo, mas certamente não seria considerado um herói.

Conclusão

Apesar do fracasso, esse foi o primeiro movimento anticolonial organizado, embora não tivesse ocorrido aos dirigentes do movi mento a independência da colônia em relação a Portugal, ou seja, a condição colonial não foi questionada.
Assim, o presente artigo se propôs a fazer uma análise dessa rebelião. Seu direcionamento procurou discorrer sobre a importância e influência da mesma na História Brasileira.
Beckman não foi apenas um simples revolucionário. Ele tornou-se "o revolucionário", que através de discursos sobre igualdade, influenciou (in) diretamente na doutrina moderna.
Nessa renovação crítica da historicidade jurídica, engendrada e articulada na dialética da vida produtiva e das relações sociais, torna-se imperioso explicitar a real apreensão do que possam significar a politização das idéias.
Aprova-se dessa forma, a importância da revolta sobre os momentos do processo histórico-evolutivo de nossa cultura jurídica.


Referências

CÁCERES, Florival. História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1993

CHOI, Eliana. Diferenciação entre Movimentos "Nativistas" e Emancipacionistas. Disponível em: . Acesso em: 11.out.2010.

COUTINHO, Milson. A Revolta de Bequimão. 2.ed. São Luís: Geia, 2004.

WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos da história do Direito no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.



Autor: Giuliana Maria Nogueira Pereira


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