A EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO E A SUA CONSTRUÇÃO NA ESFERA PÚBLICA NACIONAL



Introdução Historicamente, a concepção de direitos humanos vem se construindo e modificando ao longo dos tempos - dos preceitos da revolução francesa de 1789 à Declaração Universal dos Direitos Humanos, esta posteriormente modificada pelos diversos pactos sobre o tem, dentre outros, tais como: direitos civis e direitos políticos. Tais pactos foram responsáveis por dividir o direito em duas distintas categorias: direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. É desta forma, que o direito à educação, garantido pela Constituição brasileira, está inserido na categoria do direito social. Desta feita, o artigo busca, primeiramente, uma análise dos direitos fundamentais na Constituição de 1988, para, posteriormente, promover uma apreciação do direito à educação enquanto direito fundamental social, com base na Carta Magna, apreciando, por fim, no que diz respeito à sua eficácia como forma de garantir sua efetividade. 1 Direitos Fundamentais na Constituição de 1988 Os direitos fundamentais são considerados por muitos como as bases responsáveis por fundamentar o sistema jurídico do Estado de Direito, conforme ensina o jurista Sarlet (2001: 34), os direitos fundamentais são "... conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo...". São considerados de suma importância no que diz respeito a sua influência sobre o ordenamento jurídico, servindo de base orientadora para os poderes constituídos: Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais - tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais ? formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático (MENDES, 2002: 231). Pode-se verificar, dessa forma, que os direitos fundamentais são ao mesmo tempo direitos subjetivos e objetivos. Destarte, é importante salientar a relação de dependência entre os direitos fundamentais e o Estado de Direito, de forma que para alguns doutrinadores constitucionalistas, a condição de existência e aplicação efetiva de um, dependerá da relação com o outro: Ainda no que diz com a íntima correlação dos direitos fundamentais com a noção do Estado de Direito, socorremo-nos das palavras de Perez Luño, de acordo com o qual "existe um estreito nexo de interdependência genético e funcional entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais, uma vez que o Estado de Direito exige e implica, para sê-lo a garantia dos direitos fundamentais, ao passo que estes exigem e implicam, para sua realização, o reconhecimento e a garantia do Estado de Direito" (SARLET, 2001: 63). À Constituição Federal de 1988 serviram de inspiração aos mais diversos documentos internacionais, os quais sempre destacaram a relevância dos direitos fundamentais "como um todo na ordem jurídica vigente, reconhecidos como valores supremos da ordem constitucional, fonte legitimadora e razão de ser do próprio sistema jurídico" (DUARTE, 2007:695). No que diz respeito aos mecanismos existentes para a efetivação dos direitos fundamentais, é de se destacar também a importante evolução da matéria defendida: A Constituição avançou, tendo previsto uma série de remédios jurídicos próprios para sua proteção, tais como a ação civil pública, o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo etc. Aqui, há que se destacar, especialmente, o papel conferido ao Ministério Público pela atual Carta Magna, que vem atuando intensamente na exigibilidade dos direitos sociais. Deve-se mencionar, ainda, a inovação trazida pelo artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal (CF), que atribui aplicabilidade imediata às normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. Apesar da falta de consenso sobre o alcance desse dispositivo, ele, sem dúvida, aponta para um tratamento diferenciado e reforçado a ser dispensado a essa categoria de direitos, abalando a doutrina que atribuía o caráter de normas programáticas aos direitos sociais, como se elas fossem desprovidas de caráter verdadeiramente imperativo, ou seja, como se não fossem capazes de vincular a atuação dos poderes públicos (DUARTE, 2007:696). Citando ainda as garantias constitucionais dadas aos direitos fundamentais, pode-se destacar o preâmbulo da Constituição, os quais, juntamente com os artigos 1º e 3º, estão enunciados os "princípios que delimitam a estrutura política, econômica e social sobre as quais os direitos fundamentais serão exercidos, bem como os valores básicos sobre os quais todo o ordenamento se assenta (liberdade, igualdade, dignidade humana etc.)" (DUARTE, 2007:697). Cumpre ainda destacar que: Todo este conjunto mostra o reforço que o sistema constitucional brasileiro dispensou aos direitos fundamentais como um todo e, particularmente, aos sociais, conferindo-lhes aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º), proteção contra a ação do legislador infraconstitucional (art. 60, § 4º, inciso IV) e, no caso da incorporação dos tratados ou convenções de direitos humanos, conforme previsto no artigo 5º, §§ 2º e 3º, status de emenda constitucional (DUARTE, 2007:697). Assim, pode-se constatar a relevante importância dada pela Constituição brasileira de 1988 aos direitos fundamentais. 2 Direito Fundamental à educação Previsto constitucionalmente no artigo 6º, o direito à educação é um direito fundamental de natureza social, conforme entendimento: Vem detalhado no Título VIII, Da Ordem Social, especialmente nos artigos 205 a 214, dispositivos nos quais se encontra explicitada uma série de aspectos que envolvem a concretização desse direito, tais como os princípios e objetivos que o informam, os deveres de cada ente da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para com a garantia desse direito, a estrutura educacional brasileira (dividida em diversos níveis e modalidades de ensino), além da previsão de um sistema próprio de financiamento, que conta com a vinculação constitucional de receitas (DUARTE, 2007:692). Estes são critérios que devem ser adotados pelo Judiciário quando envolvidas questões que sejam necessárias a implementação desse direito. Além disso, são também pautas que devem nortear os legisladores e administradores públicos. Como já foi dito antes, diversos pactos foram responsáveis por dividir o direito em duas categorias com naturezas distintas, assim, temos o direito à educação inserido na categoria de direito social. Dessa forma, é importante que se faça uma distinção para melhor entendimento do assunto. Enquanto os direitos civis e políticos são considerados exigíveis de pronto e garantidos de forma pacífica pelo campo judicial, aos direitos sociais é conferida certa "progressividade no processo de concretização". O direito à educação é direito social reconhecido pelo Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e atualmente pela Constituição Federal. Ocorre que por força de Emenda Constitucional que alterou a formula de transferência de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino, houve uma "opção" por parte dos Executivos Municipais em prestigiar o ensino fundamental em detrimento da educação infantil pré-escolar. Para garantir o atendimento à população em relação a esse direito fundamental o Ministério Público interveio e foi necessário o acesso à via judicial. Inicialmente a discussão situava-se acerca da intervenção do Judiciário na discricionariedade do Executivo, mas ao longo dos anos os Tribunais Superiores vêm reconhecendo a efetividade deste direito social (MATEUS, 2006:1). Assim, tem-se o entendimento que o direito à educação é um direito fundamental, sendo acolhido pelo ordenamento constitucional brasileiro como direito público subjetivo. 3 A eficácia e a aplicabilidade do Direito Fundamental à educação na esfera pública O direito à educação, segundo o educador Agostinho dos Reis Monteiro, pode ser entendido como: (...) direito de "toda a pessoa", sem discriminação alguma e sem limites de tempo ou espaços exclusivos para o seu exercício. É direito da criança e do adulto, da mulher e do homem, seja qual for a sua capacidade física e mental, a sua condição e situação. É direito dos brancos, dos pretos, dos mestiços e dos amarelos, dos pobres e dos ricos, dos emigrantes, dos refugiados, dos presos etc. É direito das populações indígenas e de todas as minorias. (...) Ou seja, direito à educação é direito às aprendizagens indispensáveis ao desenvolvimento de todas as dimensões da personalidade humana, desde a sua dimensão física à sua dimensão estética, no interesse individual e social (MONTEIRO, 2003:769). Nesse diapasão, consistindo em um direito fundamental, o aprendizado é garantia de todos, sem distinção ou discriminação de qualquer forma ou modalidade. Apesar de todo o tratamento relevante da educação na Constituição Federal de 1988 enquanto direito fundamental, a esta passou, ou ainda passa, por precariedades no que diz respeito aos seus objetivos alcançados. Conforme descreve Gema Galgani da Fonseca (2002: 44): Diante de toda a problemática que envolve a sociedade e o homem no final do século XX, com as necessidades de quebrar e romper com a ordem estabelecida e urgência de transpor e avançar os conhecimentos, a Educação assume papel coadjuvante neste processo de busca, desafios e transformações. Assim, o interesse pela Educação por parte da sociedade engloba desde os órgãos do governo, entidades científicas, empresas privadas aos grupos organizados nas áreas da política, da administração, da profissionalização, etc. Contudo, face aos diferentes e divergentes interesses dos representantes da sociedade capitalista e dominante verifica-se que, a Educação é empregada como instrumento veiculador da adequação e preparação dos indivíduos globalizados, tão necessários às demandas do sistema econômico-político e social brasileiro. Outrossim, pode-se observar a diferença existente entre os direitos previstos constitucionalmente e a sua real efetivação. No que diz respeito á eficácia do direito à educação, pode-se citar o entendimento de Sarlet (2001: 304), quando aduz: "... depende, e muito, da circunstância de se ter, ou não, certeza sobre a fundamentalidade dos diversos preceitos e, em conseqüência, do complexo de normas que constituem o núcleo essencial do direito à educação, aqui tido no seu sentido amplo." Dessa forma, pode-se condicionar a eficácia do direito à educação à averiguação de sua fundamentalidade. De outra arte, no tocante à efetividade do direito fundamental à educação, além dos mais diversos mecanismos citados em tópico anterior, os quais foram trazidos pela Constituição Federal de 1988, tais como o reconhecimento da educação como direito público subjetivo (artigo 208, § 1º), vale ainda ressaltar o entendimento do procurador Gustavo de Resende Raposo (2000: 78), o qual afirma que "além do regramento minucioso, a grande inovação do modelo constitucional de 1988 em relação ao direito à educação decorre de seu caráter democrático, especialmente pela preocupação em prever instrumentos voltados para sua efetividade". Em relação aos mais diversos dispositivos constitucionais relacionados à matéria, cabe ainda destacar que estes, segundo o entendimento de Sarlet, "... constituem, em verdade, normas de cunho organizacional e procedimental, com status jurídico-positivo idêntico ao das demais normas constitucionais" (2001:304), não restringindo assim, o âmbito de sua eficácia e aplicabilidade. Conclusão A partir do exposto, pode-se concluir que a educação, a partir da Constituição Federal de 1988, assim como outros direitos sociais, passou a adquirir uma dimensão mais sólida, sendo reconhecida de forma relevante. Dessa forma, tem-se o direito à educação como um direito fundamental social, sendo este previsto, constitucionalmente, como um direito público subjetivo, devendo ser obrigatoriamente garantido pelo Estado. Porém, mesmo sendo um direito que deve ser garantido pelo Estado, este responsável por viabilizar os meios necessários para o seu alcance, é de se notar que mesmo com o passar dos anos existe uma precariedade quanto à sua realização e falta de políticas públicas para que possa ser efetivado. Desta forma, a presente pesquisa não teve um caráter finalístico, nem pretendeu esgotar seu objeto de estudo, caso em que procurou analisar a questão da educação enquanto direito fundamental social no contexto trazido pela Constituição Federal de 1988, bem como o papel desenvolvido pelo Estado e ponderações a cerca de sua aplicabilidade, ampliando o conhecimento sistemático acerca do assunto. REFERÊNCIAS DUARTE, Clarice Seixas. A educação como um direito fundamental de natureza social. In: Educação Social, vol. 28, n. 100. Campinas, 2007. Disponível em: . Acesso em: 13, maio, 2011. FONSECA, G. G, FILHO, G. I. Das heranças e dimensões históricas ao panorama educacional do Brasil no século XXI. Cadernos de História da Educação. Minas Gerais, v. 1, n. 1, 2002. MATEUS, Douglas Predo. O Direito Fundamental à educação. In: XV CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 14., 2006. São Paulo. Anais... Fundação Boiteux, 2006. Disponível em: . Acesso em: 12, maio, 2011. MENDES, G. F. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, v. 5, n. 10, 2002. MONTEIRO, A. dos R. O pão do direito à educação... Cadernos Cedes, São Paulo, v. 24, n. 84, 2003. SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
Autor: Giuliana Maria Nogueira Pereira


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