SEM VOLTA PARA O FUTURO



Saindo da universidade, Rubens Franklin estacou por um momento na escadaria do prédio e afrouxou o nó da gravata. Na calçada, alguém o aguardava.

- Professor Rubens Franklin? Perguntou o homem de estatura média, troncudo, de cara redonda e cabeça raspada.

- Sim?

- Meu nome é Igor, trabalho para o Instituto Quírion. Conversamos com o senhor ontem por telefone...

Rubens tinha esquecido. Alguém tinha telefonado do Instituto Quírion, uma instituição de ensino profissionalizante, marcando uma entrevista com o diretor, a respeito de um trabalho de tradução.

- Pode me adiantar do que se trata?

- Tenho certeza de que o assunto vai lhe interessar. O doutor Quírion quer lhe falar pessoalmente. Vamos? Igor estendeu a mão na direção de um carro que esperava na beira da calçada.

Meia hora depois, chegaram a um prédio comprido, de quatro pisos, cercado por um muro. O carro passou pelo portão e estacionou no pátio. Igor conduziu Rubens pela porta principal e depois pelo elevador até o escritório do diretor, no quarto andar. O escritório de Walter Quírion parecia um escritório do século dezenove. Tinha moveis antigos de madeira envernizada e as paredes também eram forradas de madeira. A escrivaninha, uma verdadeira obra de arte. Sobre ela havia um cinzeiro de jade, um estojo para canetas de papelão aveludado com as bordas douradas, alguns documentos e uma pasta de cartolina com o logotipo do instituto e um computador portátil. Atrás da mesa estava Walter Quírion, um homem corpulento, de rosto quadrado. Ele guardou uma agenda de capa azul, que estivera consultando e ergueu-se para cumprimentar Rubens:

- Professor Rubens Franklin, que prazer em conhecê-lo! Sente-se faz o favor. Rubens acomodou-se numa cadeira estofada e o diretor voltou a sentar-se.

- Eu não cheguei a conhecer o seu pai, mas li alguns artigos dele sobre as pesquisas que fez sobre os runidas. Fiquei sabendo que ele faleceu em França...

- Sim, no ano passado.

- É uma pena que as pesquisas arqueológicas sobre aquele povo tenham sido interrompidas.

- Provavelmente por que não havia mais nada a ser pesquisado. Só restaram poucos artefatos, algumas inscrições num templo, cacos de vasos, mas nenhuma escrita. Os runidas permaneceram naquele local por cerca de dois séculos e por alguma razão abandonaram o povoado, ou talvez tenham sucumbido por alguma catástrofe natural.

- O senhor como filólogo e professor de idiomas, não se interessou pelas pesquisas, já que não havia escrita, creio que apenas algumas esculturas que pouco ou nada dizem...

- Apenas inscrições ideográficas que se referem a atividades na agricultura, principalmente na cultura do milho.

Quírion debruçou-se sobre a mesa, cruzando os dedos.

- Bem, eu o chamei aqui para dizer-lhe que foi encontrado um artefato runida próximo das ruínas, que contem algumas inscrições que, sem duvida é uma escrita.

- Encontraram?

-- Um grupo de estudantes de geologia fazia pesquisas de campo e encontraram aquilo que os arqueólogos chamam de tabuinha de barro.

- Sim, feitas de barro comum, eram gravadas enquanto o barro estava mole e depois posta ao sol para secar. Era usado pelos povos antigos da mesopotâmia. Tem certeza de que é autentico?

- Foi feito um teste de carbono 14. A peça tem cerca de dois mil anos. Foi encontrada fora do povoado. Parece que os limites da povoação era maior que seu pai pensava. Venha, vou lhe mostrar.

Saído do escritório, Quírion conduziu Rubens até uma porta no fim do corredor. Ali era uma sala de reuniões, com uma mesa comprida, cadeiras, estantes com livros e um frigobar. Sobre a mesa estava um computador e uma caixa de vidro, que Quírion tirou a tampa e pegou o artefato de barro, colocando-o com cuidado sobre a mesa. Rubens inclinou-se para examiná-lo. Nele havia inscrições gravadas, sem duvidas um texto silábico. Rubens achou algo semelhante ao grego arcaico.

- Quero que o senhor decifre o texto. Disse Quírion. - Pretendo expô-lo em nosso pequeno museu junto com uma tradução, é claro. Se o senhor aceitar, podemos combinar seus honorários agora mesmo.

- Está bem, mas isso pode levar algum tempo...

- Não importa. Só há uma condição, essa peça não pode sair do instituto, o senhor terá que trabalhar aqui, onde terá todo o conforto e o material que precisar. Todo registro que o senhor fizer, coloque numa pasta no computador, por favor.

- Certo, mas só vou trabalhar de manhã.

- Concordo. Pode começar amanhã?

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Ao chegar em casa, Rubens esperou que o carro de Igor se afastasse e depois entrou em seu próprio carro e dirigiu-se para Cerro Largo. Uma hora depois ele deixou a rodovia e seguiu por uma estrada lamacenta. Três quilômetros depois entrou num desvio e chegou à fazenda Arco Verde, onde conversou com o proprietário. As ruínas da povoação runida estavam em suas terras e Rubens pediu licença para visitá-la. O homem revelou que o instituto Quírion havia comprado aquele acre de terra. Ele não pode recusar por que recebeu uma boa oferta. Rubens agradeceu e voltou ao carro. Achou aquilo estranho desde o principio. Achava que Quírion escondia alguma coisa. Rubens dirigiu-se para as ruínas e quando atravessou um bosque de eucaliptos, deparou-se com uma cerca de arame farpado barrando a trilha. No portão uma placa avisava: Propriedade Particular. Proibida a Entrada. O portão estava trancado com corrente e cadeado, e os arames eram pregados muito junto, impossibilitando a passagem. Daquele lado, a cerca terminava numa colina, na base abrupta de um rochedo. Do outro, havia um rio que se tornava uma barreira natural. O cume da colina tinha uns quinze metros e Rubens pensou que lá de cima teria uma visão ampla das ruínas. Decidido, ele começou a escalar a colina. Estava quase na metade do caminho, apoiando-se nas pedras, quando escorregou e caiu. Deslizou pelo declive entre pedras e lama. Foi uma queda de quatro metros que lhe deixou as roupas enlameadas, escoriações nas pernas, braços e peito. Arfando, ergueu-se procurando recompor-se. Xingou a si mesmo pela tolice que fizera. Estava para voltar ao carro, quando algo na base da colina lhe chamou a atenção. O deslocamento de terra tinha deixado à mostra, restos de um corpo humano. Rubens assustou-se a principio, mas depois verificou que a ossada estava encravada no sedimento endurecido pelo tempo. Era um esqueleto muito antigo. Animado, começou a tirar a terra para melhor examinar aqueles ossos, que talvez fosse os restos mortais de um habitante antigo da região, talvez um runida. Aquele achado proporcionaria formular dados mais precisos sobre os runidas, seu aspecto físico, além de outras coisas. De repente, achou algo perto do osso da bacia. Um objeto retangular com grânulos de areia incrustado. Limpando-o, verificou que era metálico, com duas letras gravadas, que, devido à corrosão, não conseguiu identificar. Parecia ser uma fivela de cinto e se era, talvez aquela ossada não fosse tão antiga quanto aparentava ser. Rubens pegou o fragmento de um osso, a fivela e enrolou-os num lenço, colocando-o no bolso da calça. Depois voltou a enterrar o esqueleto. Realmente, havia algo ligando aquele sitio com Quírion. Precisava saber o que era. Quando se ergueu, percebeu que o deslizamento de terra também havia revelado um buraco de meio metro de diâmetro mais a cima, de onde vinha um ar quente, com odor de terra úmida. Ele meteu a cabeça por ali e verificou que debaixo da colina havia uma gruta, talvez um túmulo. Como o solo estava instável, ele rejeitou a idéia de explorá-la. Quando chegou de volta à cidade, foi direto para casa tomar um banho e mudar de roupa e em seguida, dirigiu-se à universidade para conversar com seu colega e amigo Klaus klavinski, professor de física e diretor do laboratório de física da universidade. Klaus estava no refeitório almoçando. Mostrou a ele o seu achado e pediu-lhe que fizesse alguns testes.

- Vai levar algum tempo. Amanhã talvez eu tenha...

- Eu precisava para hoje, agora. Enfatizou Rubens. - Klaus, você me deve alguns favores!

O rapaz olhou para ele.

- Como você é chato, Rubens! Ta bom! Deixa-me acabar de almoçar?

Através do teste de carbono 14, Klaus revelou que o osso tinha cerca de 1.900 anos de idade e que a peça de metal era constituída de uma liga de metais cujo processo de fabricação, era moderno. Havia uma abertura numa das extremidades e uma saliência do lado oposto.

- Parece que é uma fivela de cinto. Disse Klaus depois de tirar a peça de uma solução de limpeza e secá-la. As letras gravadas estavam mais visíveis, mas ainda era difícil identificá-las. Com a ajuda do computador, Klaus conseguiu identificar as letras fazendo comparações com as linhas simétricas.

- Não há duvida de que é um J e um L. Anunciou ele. Por cima do ombro dele, Rubens observou a imagem no monitor de vídeo.

- Ótimo! Deve ser isso mesmo! Rubens voltou a sentar-se.

- Evidentemente essa fivela de cinto não pertence ao cara morto há quase dois mil anos. Disse Klaus, enquanto tirava uma copia impressa da imagem.

- Era isso o que eu estava pensando. Respondeu Rubens.

- Por outro lado, o tempo de corrosão nessa peça é compatível com essa mesma data.

- Ta brincando!

- Não! É mais ou menos o tempo que esse metal leva para se deteriorar!

- E isso é mais um mistério!

--------------------------------------------------------------------------------------------------------Depois de almoçar num restaurante, Rubens foi para casa. Na portaria do edifício, o porteiro avisou-o de que havia alguém a sua espera e indicou uma moça sentada no sofá.

- Queria falar comigo? Sou Rubens Franklin.

A jovem, que não devia ter mais do que 30 anos, ergue-se.

- Boa tarde! Chamo-me Janete
Lacombe e precisava muito falar com o senhor.

- Estou a seu dispor. Quer conversar aqui, ou em outro lugar?

- Acho melhor na sua casa.

- Então vamos subir.

Subiram pelo elevador até o sexto andar. Rubens abriu a porta e deixou-a passar.

- Só não repare na bagunça! Sente-se, por favor.

A jovem sentou-se e Rubens acomodou-se em outro sofá.

- Cheguei de Portugal há pouco tempo. Disse a jovem, sentando-se empertigada. - Eu estava procurando o seu pai, mas fiquei sabendo que ele já faleceu!

- A senhorita conhecia meu pai?

- Não! Meu pai e ele eram amigos. Não sei se o senhor o conheceu, ele se chama Jonas Lacombe. Ele sempre me dizia que se eu não pudesse encontrá-lo, que pedisse ajuda ao professor Aldo Franklin.

- Não me recordo do nome Jonas Lacombe, mas talvez eu o tenha conhecido no clube que meu pai freqüentava. Ele tinha muitos amigos lá.

- Senhor Rubens, preciso da sua ajuda para encontrar meu pai. Ele desapareceu já faz quase um ano!

- Há quase um ano?

- Desculpe, eu esqueci de lhe dizer. Meus pais se separaram há cinco anos. Minha mãe resolveu voltar para a terra dela, em Portugal e eu fui com ela. Meu pai me telefonava todo mês e já fazem oito meses que não tenho noticias dele! Quando cheguei fui direto ao Instituto Quírion, onde ele trabalhava e lá me disseram que meu pai tinha abandonado o emprego.

Rubens ficou curioso quando a moça se referiu ao Instituto. O mistério estava aumentando.

- Não pude vir antes por que minha mãe ficou doente e tive que cuidar dela.

A moça continuou falando, mas Rubens precisava se lembrar de alguma coisa, mas não sabia o que era. Janete fez uma pausa e então ele lembrou-se de uma ossada de 1.900 anos e uma fivela de cinto com as iniciais J. L. gravada.

- Seu pai costumava gravar as iniciais do nome nos pertences dele?

Janete sacudiu a cabeça.

- Sim, lenços, cachimbo, toalhas. Mania que ele adquiriu no exército...

- E fivelas de cinto?

- Sim, também. Por quê?

Rubens foi até uma cômoda e retornou com uma folha de papel.

- Por coincidência, encontrei uma fivela que tem essas duas iniciais, junto ao esqueleto de um homem que morreu há mil e novecentos anos. Como essa fivela foi parar lá, não sei. O que Jonas fazia no Instituto?

- Era professor. O senhor acha que aconteceu alguma coisa com ele? Perguntou a jovem, empalidecendo.

- Pela idade dos ossos, o corpo não é dele. Rubens fez uma pausa, refletindo. Depois perguntou: - Lembra se seu pai falou sobre chantagem, ou ameaça que vinha sofrendo?

- Não, não falou nada disso. Mas, disse que se eu resolvesse vir visitá-lo e ele não estivesse em casa, que a chave estaria com o vizinho de nome Augusto, e para que eu procurasse por uma agenda de capa azul, onde deixaria um recado.

- E ele não deixou nenhum recado?

Janete baixou a cabeça, torcendo as mãos. Depois voltou a encarar seu interlocutor.

- Tive medo de ir lá sozinha. Senhor Rubens...

- Me chame só de Rubens.

- Você... Pode me acompanhar até lá?

Por habito, Rubens consultou as horas. Era cedo ainda.

- Se quiser ir lá agora, podemos ir. Sabe onde é?

Janete ergueu-se, ajeitando a saia.

- Ainda é a casa onde a gente morava. Nasci e cresci ali. Mas, fiquei com medo de lá ir sozinha. A única pessoa que me lembrei pra pedir ajuda, foi de seu pai, o professor Aldo Franklin. Meu pai não tem parentes e os da minha mãe estão em Portugal...

No carro, Rubens disse:

- Há muita coincidência nisso tudo, sabe? Sou professor de idiomas, conheço algumas línguas antigas e fui contratado pelo Instituto Quírion para decifrar a escrita de um povo que viveu a mil e novecentos anos passados, exatamente onde encontrei a fivela.

- Uma coincidência muito estranha!

- Exatamente.

A casa era de alvenaria, com um muro baixo, cercando um jardim que dava sinais de abandono. Sob a porta havia inúmeros papeis deixados pelo carteiro. Janete abriu a porta enquanto Rubens recolheu a correspondência. A maioria dos papéis era propaganda. Não havia nenhuma carta, apenas contas a pagar e avisos. Janete abriu as janelas para arejar o ambiente. A sala espaçosa, com lareira, tinha dois ambientes, sala de jantar e estar. Os móveis estavam cobertos de pó. Rubens ajudou Janete a abrir o restante das janelas e os dois revistaram tudo em busca de pistas que levasse ao desaparecimento de Jonas. Logo depois os dois se reuniram na sala.

- Você encontrou a agenda? Perguntou Rubens. Janete sentou-se com um suspiro.

- Não. Não encontrei nenhuma agenda azul.

Rubens estalou os dedos.

- Curioso! Eu vi na mesa do diretor do instituto uma agenda azul!

- Acha que é a do meu pai?

- É bem possível. Quírion deve ter mandado alguém entrar aqui e pegar a agenda, logo depois de seu pai desaparecer.

- Mas, não há sinais de que a porta foi arrombada!

- Existem muitas maneiras de abrir uma porta sem a chave original e sem colocá-la a baixo. Amanhã vou ao instituto fazer a tradução de um documento e procurarei um jeito de ver a agenda.

Rubens ergueu-se. ? Eu vou pedir para minha empregada vir aqui lhe dar uma mão para limpar a casa, isso se você quiser. Ela é de minha plena confiança.

- Claro que sim. Rubens, não sei como te agradecer! Eu não queria abusar da tua bondade...

- Não se preocupe. Tem celular?

- Sim, comprei um logo que cheguei ao país. Vou lhe dar o número.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Na manhã seguinte, Rubens dirigiu-se para o instituto. Na recepção recebeu um crachá e dirigiu-se de elevador para o quarto

andar. Logo que saiu do elevador, deparou-se com Igor, sentado numa cadeira no corredor, lendo um jornal.

- Bom dia, senhor Rubens! Vou acompanhá-lo até a sala de trabalho. O homem seguiu na frente e abriu a porta, onde Rubens estivera no dia anterior.

- Se precisar de alguma coisa, é só chamar. Disse Igor, e tornou a fechar a porta.

Rubens não gostava dele. O homem parecia uma serpente pronta a dar o bote. Dirigiu-se para a mesa onde já lá estavam, papeis canetas, bloco de notas, uma lupa, além do computador e a tabuinha de barro. Sentando-se, começou a trabalhar na tradução. Trabalhando até quase meio dia, descobriu que a escrita era silábica, cursiva, da esquerda para a direita, e que certas palavras feitas de dois, três ou mais sinais silábicos eram acrescidas de um sinal diferente. Até ali ele não tinha nenhuma noção do que dizia o texto, mas estava perto de conseguir ler alguma coisa compreensível. Abriu uma pasta no computador e registrou o que havia feito. Deixou tudo em ordem e saiu da sala. Passando diante da sala de Igor, foi visto pelo homem, que vigiava o corredor por uma janela envidraçada.

- O senhor já vai? Perguntou Igor, abrindo a porta.

- Sim, o trabalho está apenas no começo, mas por hoje já basta. O que eu descobri, coloquei no computador. Se quiser pode ver.

Igor esboçou um sorriso.

- Não é necessário. O doutor Quírion tem acesso aos seus registros pelo computador da sala dele.

Rubens permaneceu calado. Entrou no elevador e apertou o botão do térreo. No terceiro andar o elevador parou e entrou um grupo de estudantes tagarelando. Saindo no térreo, Rubens estacou e esperou que os estudantes passassem diante do porteiro e ocultasse sua visão, para poder dirigir-se a escada sem ser notado. Subindo rápido, voltou ao quarto andar. Parou diante da porta corta-fogo e abriu-a alguns centímetros, espiando para o corredor. Não vendo ninguém, entrou no corredor, segurando a porta para que não batesse com o impulso da mola. Mas, súbito, Quírion saiu da sala dele. Rubens voltou para a escada e se dispunha a esperar, mas soaram ruídos de passos na escada. Alguém subia. Ele olhou para baixo e viu a careca reluzente de Igor. O homem havia descido pelo elevador e subia agora pela escada. O homem trancava as portas atrás de si. Era a hora do almoço e o setor da administração seria fechado. Rubens meteu a cabeça pelo vão da porta e espiou para o corredor. Quírion esperava o elevador. Quando ele entrou, Igor estava quase chegando ao patamar onde Rubens se encontrava. Quando Quírion sumiu no elevador, Rubens voltou a entrar no corredor, procurando um lugar para se esconder. A sua direita havia uma porta, e ele experimentou a maçaneta. Descobriu que não estava trancada. Abriu-a e por ali se meteu, no exato momento que surgia Igor. Rubens entrou num compartimento escuro, pequeno, cheirando a produtos de limpeza. Esperou por alguns instantes e espiou por uma fresta da porta. Viu Igor no corredor, trancando as salas. Com um molho de chaves na mão ele voltou à porta da escada e também a trancou. Depois se dirigiu ao elevador e desceu. Logo em seguida as luzes do corredor se apagaram. Rubens saiu de seu esconderijo, descobrindo que ali eram guardados materiais de limpeza. Dirigindo-se para a porta do diretor, puxou alguns instrumentos do bolso e passou a tentar abrir a fechadura. Finalmente depois de alguma tentativas, soou um estalido e a porta se abriu. Entrou logo, fechando a porta atrás de si. A sala estava iluminada pela claridade do dia que entrava por duas janelas. Rapidamente, Rubens chegou até a mesa e examinou as gavetas. Numa delas estava a agenda de capa azul. Era uma agenda comum, onde somente na primeira página havia alguma coisa escrita, o resto das paginas estavam em branco. Rubens puxou uma caneta e um bloco de notas do bolso e copiou aquele registro. Em seguida colocou a agenda no lugar e saiu da sala. Quando chegou diante do elevador, descobriu que ele estava desligado.

- Droga! Exclamou ele. Na semi-obscuridade do corredor, ficou indeciso. Por fim dirigiu-se para a porta da escada e procurou abri-la com seus apetrechos. Conseguindo abrir, saiu e tornou a trancá-la e chegando no térreo, deteve-se atrás da parede e esperou uma oportunidade para atravessar o saguão e ganhar a rua.

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Janete pegou o bloco de notas e leu: GE: 2.14.8.

- É a letra de meu pai. Disse ela para Rubens, que permanecia sentado num sofá pensativo. Janete e Doralice haviam feito uma boa limpeza na casa. Tudo estava limpo e havia um leve odor de jasmim no ar.

- Mas, não entendo o que isso quer dizer!

- Eu também não. Mas, isso era a única coisa que estava escrita na agenda. Jonas tinha medo de que alguém descobrisse o recado que tinha para você e por isso ele escreveu um enigma.

- Pra mim não faz nenhum sentido. Não parece ser um endereço, tampouco um número de telefone....

- Não, não é, mas vamos descobrir. Antes, porém, estou com fome é quero almoçar. Vamos a um restaurante?

- Eu fiz almoço. Doralice me ajudou.

- E onde está ela?

- Já foi não quis esperar o almoço, disse que tinha que arrumar o teu apartamento antes de você chegar.

- Doralice é muito eficiente.

- Gostei dela.

Enquanto almoçavam, Janete perguntou:

- Você não é casado?

- Não. Há pouco tempo terminei um relacionamento que não deu certo. E você?

- Sou noiva, alias, fui noiva de um português. Ele foi estudar nos Estados Unidos e nunca mais deu noticias. Faz dois anos.

- E você não está esperando por ele?

- É claro que não!

- Por falar em noiva, teu pai não tinha alguém? Uma namorada?

Se tiver, talvez ela saiba alguma coisa...

- Papai nunca me falou que tinha alguém. Ah! Lembrei-me!

Janete ergueu-se, foi até a cozinha e voltou com um pedaço de papel.

- Encontrei isso na lata de lixo.

Rubens pegou o papel, uma pagina de um bloco de notas com uma das bordas picotado, onde estava escrito com caneta: Ed. Edson 8.30 Chaves.

- O que você acha que isso significa? Indagou Janete. - Que chaves será essas?

- Não sei, mas o edifício Edson fica ao lado do Instituto. Pode ser que chaves seja o nome de uma pessoa. Eu vou até lá verificar.

- Quero ir junto.

Janete arrumou-se, pegou a bolsa e os dois saíram. Rubens parou o carro próximo do instituto, de onde podia ver o edifício Edson, um pavilhão de alvenaria com um pátio gramado, tendo no portão, uma guarita com dois guardas e no topo do muro uma cerca elétrica. Na fachada do prédio havia uma placa que dizia: Gráfica Tomas Edson.

- Espere aqui. Pediu ele a Janete e saiu do carro. Chegando ao portão do prédio ele chamou um dos guardas que estava na guarita. O homem desceu até o portão, mas não abriu.

- Boa tarde, amigo! Eu poderia falar com o Chaves?

- Pedro Chaves? Perguntou o homem. ? Trabalhava aqui, mas morreu há quase um ano. Do que se trata?

- Eu não sabia! Ele estava doente?

- Foi um acidente.

- De carro?

- Não. Foi um acidente de trabalho. O senhor é parente dele?

- Não. Obrigado. Rubens agradeceu e se retirou antes que o homem fizesse mais perguntas. Voltou ao carro.

- Pedro Chaves morreu num acidente de trabalho, na mesma época que seu pai desapareceu.

- Isso é estranho! Exclamou Janete.

- Pois, é. E eu vou tentar entrar lá para ver se há mesmo uma gráfica lá dentro. Eu não sei por que a necessidade de tanta segurança ali! Ele voltou-se para Janete - Vou precisar da tua ajuda.

- Estou pronta! Respondeu a moça.

- O portão deve ser controlado por um mecanismo dentro da guarita. Procure entrar lá, distrair os guardas e abrir o portão.

Janete sorriu.

- O que uma mulher não pode fazer?

Janete se aproximou do portão, enquanto Rubens se esgueirava rente ao muro. A moça acenou para os dois guardas e um deles saiu da guarita.

- Senhor, acabo de chegar à cidade e estou procurando a rua Floresta!

- Floresta? Não sei, não.

- E o senhor não tem um guia de ruas que possa me emprestar?

- Tenho sim. Vou buscar.

- Ah! Senhor! Preciso de um copo de água. Caminhei a manhã toda e ainda não almocei. Posso entrar um pouco e me sentar? Não me sinto bem, acho que vou desmaiar!...

Janete colocou uma mão na cabeça e fez uma expressão de sofrimento. O guarda olhou-a de alto a baixo e fez sinal para o companheiro abrir o portão. Quando Janete entrou, ele tornou a fechá-lo. Na guarita, eles ofereceram uma cadeira a Janete e lhe deram água. De repente, ela fez um gesto brusco e derramou água na saia.

- Ah! Que desastrada sou! Exclamou, erguendo a barra da saia. Suas pernas ficaram a mostra, distraindo a atenção dos dois homens. Sem que percebessem, a moça apoiou-se no painel que controlava o portão e apertou o botão de abrir. O portão recuou meio metro, dando passagem a Rubens. Agachado, ele passou pela guarita e seguiu para a lateral do prédio, longe das vistas dos guardas. Chegando a uma porta lateral, verificou que não estava trancada. Entrou sorrateiro. A esquerda havia uma parede com uma janela de vidro, tendo do outro lado um escritório, e a direta três armários compridos contendo resmas de papel. Rubens escondeu-se atrás dos armários e observou o local. No espaço aberto havia duas máquinas impressoras funcionando e homens trabalhando. Aquilo era mesmo uma gráfica. Ele não viu nada de anormal. Pensou que talvez pudesse falar com alguém sobre Pedro Chaves. Já que estava ali dentro, o funcionário pensaria que foram os guardas que o deixaram entrar. Mas, de repente, Quírion e um homem de cabelos avermelhados surgiu no seu campo de visão. Eles atravessavam o salão e se aproximavam de onde Rubens estava. Rubens achou que eles iriam sair pela porta lateral, mas não, desceram, por uma escada para o subsolo. Decidindo-se num impulso, Rubens seguiu-os. Desceu com cautela os dez degraus até a entrada de uma sala espaçosa, onde se ocultou atrás de uns caixotes. Dali ele viu Quírion e o companheiro estacarem diante de algo que parecia ser uma máquina com um assento, painéis eletrônico, fios e cabos. Parecia-se com uma cadeira de dentista. Três homens de jaleco branco trabalhavam nela, apertando parafusos, colocando peças.

- Ainda falta muito? Perguntou Quírion ao homem de cabelos de fogo.

- Amanhã estará pronta. Mas... O homem hesitou.

- Mas, o que, Boris? Algum problema?

- O conversor molecular original...

- Não temos o original. Afirmou Quírion, aborrecido. - Você trabalhou no protótipo e eu lhe pedi que fizesse uma copia do esquema!

- Eu fiz, mas o conversor tinha um defeito e foi modificado e eu não tive acesso a isso! Segui com o padrão normal, mas tenho medo de que algo saia errado. Precisamos fazer alguns testes...

- Que testes? O esquema da máquina até eu conheço, só o conversor é uma concepção que Jonas manteve secreta, mas você como físico, deve saber como funciona! Avise-me quando tudo estiver pronto amanhã. Ah! Não se esqueça das coordenadas. Nós temos que ir atrás de Jonas!

Rubens deixou o esconderijo, subiu a escada e escondeu-se ao lado de um armário. Quírion saiu por onde entrou e Rubens deixou o local pela porta lateral. Do lado de fora, parou, olhando para a guarita. Os dois guardas estavam lá, mas Janete não. Ele não viu Quírion e imaginou que a gráfica tinha uma porta interna que dava acesso ao instituto. Ele voltou a entrar e pegou um capacete e um jaleco branco que estavam pendurados ao lado da porta. Trocou o jaleco pelo paletó, colocou o capacete na cabeça e rumou para o portão. Suando frio, desceu a rampa e com passos firmes foi direto ao portão. Parou a um passo dele, esperando que o guarda abrisse. O portão deslizou lentamente para o lado e ele saiu, seguindo o mais rápido possível para o carro, onde Janete o esperava aflita.

- Finalmente! Eu estava aqui tentando imaginar como é que você faria para sair de lá!...

- Vamos embora! Disse Rubens e deu partida ao carro. Ele tirou o capacete e jogou-o para o banco traseiro.

- Descobriu alguma coisa?

- Teu pai está em perigo. Eles vão atrás dele e acho que não sabem que você existe, se soubesse já teriam te procurado. Estão construindo uma máquina que não sei a que se destina.

- Mas, onde está papai? E porque não se comunica comigo?

- Talvez para não te colocar em perigo também. Jonas pode ter descoberto que Pedro Chaves foi assassinado...

- E por que ele não foi a policia?

- Não sei, deve ter os seus motivos.

Chegando em casa, Janete estirou-se num sofá, suspirando. Rubens pegou o papel onde tinha copiado o texto da agenda.

"GE 2.14.8"

-Teu pai não daria um enigma sem a certeza de que você o decifraria.

- Eu só, não, teu pai também saberia. Ou talvez o enigma seja para ele, já que meu pai mandou-me procurá-lo.

- Você pode ter razão. Talvez seja algo relacionado a arqueologia.

- GE não seria geologia? indagou Janete.

- Talvez, mas que livro? Pelo que estou vendo não há nenhum livro aqui.

- Tem uma bíblia no quarto. Disse Janete.

- Uma bíblia! Acho que é isso! Genesis capitulo dois versículo catorze!

- E o oito?

- Oito é a oitava palavra. Vamos ver...

Janete foi buscar o livro e voltou em seguida.

Rubens abriu a bíblia em Genesis e procurou o capitulo 2 versículo 14. A oitava palavra era...

- Hidequel!

- Hidequel? Não sei o que significa! Disse Janete.

- É o nome do rio Tigre na mesopotâmia. Isso diz alguma coisa a você?

- Tigre é um mamífero feroz da família dos felinos. Geralmente se encontram na selva, ou num zoológico. Zoológico?

Rubens fechou o livro e largou-o sobre a mesa.

- Não, não tem nada a ver com zoológico. Às margens do Tigre floresceu antigas civilizações.

- Então é alguma coisa sobre arqueologia. O que você sabe mais sobre o rio Tigre daqueles tempos antigos?

- Bem, Tigre em acádio é idiglat, que quer dizer: "rápido como a flecha."

- Rápido como a flecha. Repetiu Janete, pensativa e em seguida exclamou:

- Flecha! É o Flecha, só pode ser!

Rubens olhou para ela.

- Que flecha?

- O meu cachorro! Eu tinha um
collie chamado Flecha, ele morreu pouco antes de eu ir para Portugal.

- Não consigo perceber a relação com um cachorro que morreu há...

- Cinco anos.

- Pois são cinco anos!

- Rubens, meu pai o enterrou no quintal aqui de casa!

- Verdade? Talvez ele tenha enterrado algo ali antes de desaparecer!

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Janete parou nos fundos da casa, próximo de um pé de goiabeira. Por falta de cuidados, ervas daninha cresciam junto ao muro.

- Acho que é ali. Disse Janete, indicando o local com o facho da lanterna, pois a luz da varanda era insuficiente. Com uma enxada de jardineiro, Rubens começou a cavar alargando o perímetro, no princípio, a pouca profundidade para ganhar espaço. Mas ele não precisou cavar mais fundo, dali a instante a enxada bateu em algo metálico. Largando a ferramenta, ele ajoelhou-se e terminou de cavar com as mãos e logo extraiu da terra uma pequena caixa de aço inoxidável.

- Meu pai é um gênio! Disse Janete. Ela estendeu a mão para Rubens ajudando-o a erguer-se. - E você também. Concluiu. Eles voltaram a entrar na casa e na cozinha, Rubens acabou de limpar o objeto e colocou-o sobre a mesa. Tentou abri-la com as mãos, mas não conseguiu.

- Acho que a tampa se fecha com um dispositivo de pressão. Arranje-me uma chave de fenda.

Com a chave de fenda, ele colocou na ranhura e forçou para baixo. A tampa abriu-se com um estalido. Dentro havia uma folha de papel encerado, dobrada, e uma caixinha de isopor. Rubens deu o papel para Janete e examinou o conteúdo do estojo de isopor. Era uma peça eletrônica, tinha o corpo interno protegido por um invólucro retangular, de plástico transparente, tendo no exterior dois chips protegidos por adesivos. Janete deu o papel para Rubens e sentou-se numa cadeira, consternada. No papel, Jonas Lacombe escreveu:

"- Janete, como sabes, comecei a trabalhar no Instituto Quírion como professor e técnico em eletrônica. Nas horas vagas, em casa dei inicio a um projeto antigo, criar um engenho que pudesse escapar do presente e se locomover ao longo do tempo, tanto para o passado quanto para o futuro. Ao completar as equações e o esquema, mostrei-o a Walter Quírion e pedi a ele, financiamento para realizar o projeto. Quírion concordou, mas pediu para que construísse a máquina em segredo e arranjou um lugar no subsolo da gráfica do instituto, para que eu pudesse trabalhar sem ser incomodado. Ele indicou Pedro Chaves e Boris Krueger, também físicos e homens de sua confiança para me ajudar. Quando a maquina ficou pronta fizemos alguns testes com resultados satisfatórios. No inicio usamos animais e faltava fazer o teste final com um ser humano. Combinamos fazer o teste no dia seguinte. Naquela noite, Chaves me telefonou. Disse-me que havia descoberto que Quírion pretendia usar a máquina para fins ilícitos e que Boris era seu cúmplice. Resolvemos então, destruir a maquina e marquei encontro com ele na gráfica. Quando lá cheguei, encontrei-o morto, ao pé da escada. Não havia ferimentos visíveis, mas achei que ele tinha sido assassinado. Resolvi então, retirar uma peça da máquina e voltei para casa, onde agora estou escrevendo essas linhas. A peça que está junto com essa carta é um condensador eletromagnético, necessário para fazer a máquina retornar ao presente. Pretendo usá-lo em outro projeto, mas se me acontecer alguma coisa, você deve destruí-lo para que não caia nas mãos de Quírion. Pretendo retornar a gráfica e mandar a máquina para algum ano da Era Primitiva. Sem o condensador, Quírion não conseguirá trazê-la de volta. Se acontecer algum imprevisto, talvez eu tenha que acionar os comandos secundários e isso quer dizer que terei que ir junto, nesse caso mudarei para o ano 180 de nossa Era, quando os runidas ainda viviam na região. Amo-te."

- Ele foi obrigado a levar o aparelho pessoalmente. Disse Rubens. - Foi e não conseguiu voltar!

- Por que ele, simplesmente não destruiu a máquina?

- Na realidade, teu pai não conseguiu resistir à tentação de fazer aquela viagem inusitada! Respondeu Rubens.

Janete começou a chorar e ele abraçou-a. Ficaram os dois abraçados por algum tempo, até que Rubens exclamou:

- Ocorreu-me uma idéia louca! Quírion construiu uma maquina idêntica, mas não tem o condensador e nos temos um!

Janete olhou-o.

- Que quer dizer? Perguntou, enxugando as lagrimas.

- Poderíamos colocá-lo na máquina de Quírion e com ela trazer teu pai de volta para nosso tempo.

- Será possível? E Quírion? É claro que não podemos pedir a ele!

- Pois é, temos que achar um jeito de entrar no prédio de madrugada...

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Rubens e Janete se esgueiraram junto ao muro do instituto e esperaram quando o vigia noturno se afastou, fazendo a ronda. Rápidos, eles se aproximaram da entrada de serviço. Com seus instrumentos de chaveiro, Rubens abriu a porta e eles entraram. Era um corredor comprido onde ficava um deposito, o almoxarifado e um escritório. Foram direto para a porta no fim do corredor. Rubens pegou seus instrumentos, mas Janete torceu a maçaneta e abriu a porta.

- Deveria estar trancada! Murmurou Rubens. Ele pegou a mão de Janete e conduziu-a através das máquinas da gráfica, em direção à entrada do subsolo. Na escada eles estacaram. Havia luzes e soavam vozes lá em baixo. Janete puxou Rubens pelo braço.

- Rubens, tem gente lá! Vamos voltar!

- Precisamos ver o que está acontecendo! Não faça barulho.

Com cautela, Rubens desceu, com Janete atrás dele. Esconderam-se atrás de um balcão. Na sala estavam Quírion, Igor e Boris. A máquina estava agora dentro de uma redoma de vidro e Boris ajustava alguma coisa no painel em frente ao assento. Quírion regulava o relógio digital no painel de comando externo e Igor apenas observava. Boris colocou um coelho amarrado ao assento da maquina, saiu e fechou a porta da redoma de vidro.

- Tudo pronto! Disse ele, postando-se diante do painel de comando externo.

- Vejamos o que acontece. Disse Quírion. Boris ligou alguns interruptores de energia e segurou uma alavanca, começando a movê-la para baixo. Algumas lâmpadas acenderam-se no painel da máquina e um zumbido se fez ouvir. O ruído aumentou como se fosse um exame de abelhas invadindo a sala. De repente houve um estouro e uma fumaça cinzenta encheu a cabine. Imediatamente Boris desligou os interruptores e abriu a porta. Igor muniu-se de um extintor de incêndio, mas não foi necessário usá-lo, a fumaça logo se dissipou, deixando um forte odor de queimado no ar. Boris retirou o coelho enquanto Quírion praguejava, lamentando o fracasso. Rubens pegou Janete pelo braço e os dois deixaram o local. Quarenta e cinco minutos depois, ele estacionava o carro em frente à casa de Janete e acompanhou-a até a porta.

- Lamento a minha idéia não deu certo.

- E o que faremos agora?

- Teremos que esperar que o aparelho fique pronto. Amanhã vou ao instituto completar a tradução e procurarei saber o que esta acontecendo. Bem, até amanhã, então.

Janete segurou-o por um braço, aproximando seu rosto do dele.

- Rubens, fica comigo!...

Rubens não disse nada, abraçou-a e a beijou.

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Rubens acordou quando Janete beijou-o. Ele sorriu e abraço-a.

- Bom dia! Eu não queria te acordar, mas já é quase meio dia. Não vai ao instituto?

- Não. Amanhã, talvez. Hoje eu quero é ficar contigo.

- Fiz café para nós.

- E quem está pensando em café?

- Sonhei com meu pai. Sonhei que ele estava em cima de uma colina e me chamava. Há muitos anos que não sonhava com ele...

Rubens ergueu o tronco, apoiando-se no cotovelo.

- Colina? Estranho! Tem uma colina próximo de onde os runidas viveram e parece que tem uma gruta lá. Quem sabe não encontraremos alguma coisa lá dentro?

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Rubens estacionou o carro próximo da colina e desceu, enquanto Janete saía pela outra porta. Rubens pegou um rolo de corda e duas lanternas de bolso. Usando roupas grossas e botas de cano curto, os dois rumaram para a colina. Na abertura, Rubens retirou terra e pedras, alargando a entrada. Quando teve certeza de que não haveria desmoronamento, eles entraram. A gruta tinha cerca de cinco metros de circunferência, afunilando-se, fazia uma curva para a direita. Iluminando todos os cantos, Rubens seguiu na frente com Janete colada a ele.

- Isso dá medo! Murmurou ela. - Será que não há algum bicho morando aqui?

- Espero que não.

A gruta terminava logo após a curva. O facho de luz percorreu as paredes e o solo. De repente incidiu em algo metálico, coberto de poeira. Rubens aproximou-se.

- O que é? Indagou Janete.

- Incrível! Exclamou Rubens, sua voz fazendo eco. Janete agarrou-se a ele.

- O que é Rubens?

- É a máquina de teu pai!

- De meu pai?

- Parece que está inteira, mas provavelmente não funciona. Jonas preferiu escondê-la a destruí-la. Vamos tentar tirá-la daqui.

Rubens e Janete construíram um trenó com galhos, que eles foram buscar no bosque. Deitaram a maquina sobre ele e puxaram para fora da gruta. Rubens colocou-a de pé e limpou-a. Em seguida abriu a porta e examinou o interior. Tudo parecia em ordem. O relógio do tempo marcava o dia 18 de outubro do ano 180. As coordenadas davam aquele local como destino. Só por curiosidade, Rubens ligou o disjuntor geral e no mesmo instantes luzes se acenderam no painel.

- Está funcionando? Perguntou Janete, apoiada no ombro dele.

- Acho que sim. Deve funcionar com bateria atômica. Vamos experimentar?

- Você que dizer viajar no tempo? E a peça que está faltando?

- Está no porta luvas do carro. Quer ir lá buscar pra mim?

Rubens regulou o calendário para chegar no dia 21 de outubro, três dias depois da chegada de Jonas. Janete retornou com o condensador. Retirando o adesivo dos chips, Rubens colocou a peça numa ranhura que havia no painel. A peça encaixou-se perfeitamente e novas lâmpadas se acenderam.

- Está pronta?

- Só tem um assento!

- Você vai ao meu colo. Vamos.

Janete aninhou-se no colo dele. Rubens fechou a porta, respirou fundo e apertou o botão de partida. Janete escondeu o rosto com as mãos. Soou um zumbido que foi aumentando de intensidade, até que um relâmpago sacudiu a maquina e tudo desapareceu. Em questão de segundos, o ruído cessou. A redoma estava com o vidro embaciado. Rubens espichou o braço e abriu a porta. Sacudiu Janete pelo ombro.

- Janete, saia, acho que não deu certo...

Mas Rubens estava enganado. Eles saíram e olharam ao redor. A colina continuava lá, mas estava diferente, não havia nenhuma vegetação o solo estava seco. Não havia carro, nem cerca e nem bosque de eucalipto, apenas mata ressequida por uma estiagem prolongada.

- Deu certo! Exclamou Rubens. - Estamos no ano 180. A aldeia dos runidas fica depois daquele mato. Teu pai deve estar lá. Vamos!

Atravessando aquela mata de arvores e arbustos de folhas secas, Rubens e Janete depararam-se com uma casa de adobe. Em frente a ela estavam dois homens sentados num banco de madeira, um deles era indígena.

- Papai! Exclamou Janete e correu a abraçar Jonas, que ficou surpreso ao vê-los.

- Como chegaram aqui?

- É uma longa historia. Disse Rubens. ? Sou Rubens Franklin.

- O filho de Aldo Franklin! Esse é Entenaki, líder dos runidas. Tornamo-nos amigos. Ele estava me ensinando o seu idioma.

Entenaki olhava-os com curiosidade. Tinha cabelos compridos, lisos, olhos repuxados, pele morena. Usava apenas um saiote.

- Viemos buscar o senhor, papai.

- Viemos na maquina que estava dentro da gruta. Explicou Rubens.

- Então, encontraram o condensador?

- Sim. Respondeu Janete. - A sua mensagem nos deu um pouquinho de trabalho, mas encontramos.

- Deixe-me despedir-me de meu amigo. Pediu Jonas e foi dar um abraço em Entenaki.

Logo depois eles chegaram ao local onde estava à máquina.

- Será que cabem nos três? Indagou Janete.

- Apertado, mas dá. Respondeu Jonas. ? Em que dia vocês partiram?

- Vinte e oito de Fevereiro. Respondeu Rubens. Jonas fez os ajustes no relógio do tempo e os três se instalaram dentro da máquina. Em instantes, chegaram à sua época. Jonas, que havia permanecido agachado, encostado ao painel, foi o primeiro a sair. Em seguida saiu Janete e após ela, Rubens.

- Olhem! Exclamou a moça. Jonas e Rubens olharam para a estrada, onde um carro acabava de estacionar junto à cerca. Dele, desceram Quírion, Igor e Boris. Quírion estava armado com uma pistola e Igor com uma submetralhadora. Como um aviso, Quírion atirou para o ar e aproximou-se de onde eles estavam.

- Corram! Ordenou Jonas. ? Escondam-se.

Rubens segurou Janete pela mão e afastou-se rápido em direção ao abrigo de umas rochas. Jonas inclinou-se para dentro da máquina, tirou o emissor do lugar e fez alguns ajustes no relógio do tempo. Em seguida correu até onde estavam Janete e Rubens. Quírion e os dois homens correram para a maquina. Igor seguiu na direção das pedras, mas Quírion chamou-o.

- Deixe-os. Temos a máquina. Cuidaremos deles depois. Você vai buscar uma camionete para carregá-la. Boris verifique se está tudo em ordem. Boris estacou ao ouvir um zumbido. A máquina estava ligada e ele ficou indeciso.

- O que está acontecendo? Inquiriu Quírion. O aparelho tornou-se numa imagem brilhante, etérea. Abriu uma brecha no tempo e no subespaço e tudo que tinha ao seu redor num raio de cinco metros, começou a ser sugado para o vácuo. Boris tentou se afastar agarrou-se a Quírion. Igor tentou fugir, mas caiu. Quírion gritou e agarrou-se ao pé dele. Em poucos segundos, os três homens, pedras, galhos e terra foram sugados pela abertura temporal, causado pela implosão. Com um estalo, tudo sumiu. Jonas saiu do abrigo de pedras e se aproximou da pequena cratera que se havia formado.

- O que aconteceu? Perguntou Janete, ainda assustada.

- Mudei as coordenadas para algum lugar a cinco milhões de anos no passado. Respondeu Jonas. Ele pegou uma pedra e quebrou o emissor anti-matéria. - Acho que é melhor esquecer esse invento.

Jonas colocou um braço sobre os ombros de Janete e olhou para Rubens. - Vamos embora.

Enquanto Janete servia café, Jonas explicou:

- Quando cheguei, encontrei Entenaki e ele julgou que eu fosse alguma espécie de divindade. Pedi sua ajuda para esconder a maquina na gruta. Cinco indígenas me ajudaram a obstruir a entrada. Kalico, um dos índios, ficou encantado com minhas roupas e eu lhe dei o meu casaco. Ele queria também o cinto porque a fivela, para ele, devia ser um talismã poderoso. Mas, quando fomos para a aldeia, Kalico retornou à gruta com um amigo e eles tentaram retirar as pedras da entrada da gruta, para chegar até a máquina, julgando que ela lhes daria algum poder. Mas aconteceu um desmoronamento e, Infelizmente, Kalico não conseguiu escapar.

Jonas fez uma pausa e indagou: - E vocês, me contem o que aconteceu, como decifraram a mensagem e tudo o mais. Rubens disse:

- Bem, para mim, tudo começou quando eu deixava o prédio da universidade...

Fim
Autor: Antonio Stegues Batista


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