TRANSIÇÃO FAMÍLIA-ESCOLA



No Brasil, vários pesquisadores estudaram a interdependência entre as condições sociais das famílias e as formas de relação que elas estabelecem com a escola e com a escolarização de seus filhos (NOGUEIRA, 2000; ROMANELLI, 2000; VIANNA, 2000; ZAGO, 2000, 2003). Esses estudos nos permitem perceber que o envolvimento da família pode resultar em melhor desempenho escolar dos filhos. Isso dependerá do papel que a criança assume relativamente à escola, que, por sua vez, está relacionado à posição da família com relação à cultura escolar. Para Lahire (1997, p. 17):

Ela não ?reproduz?, necessariamente e de maneira direta, as formas de agir de sua família, mas encontra sua própria modalidade de comportamento em função da configuração das relações de interdependência no seio da qual está inserida.

Portanto, a família é um referencial na vida dos indivíduos, e é por esse motivo que, no processo de transição família e escola, as experiências anteriores ao ingresso na escola formal, vivenciadas no ambiente familiar, podem servir de facilitadoras ou de obstáculos, contribuindo ou não para suas aquisições escolares. Neste caso, poderá promover uma descontinuidade entre o lar e a escola. Isso dependerá do reconhecimento e do grau de identificação e de familiaridade entre os procedimentos e valores, estratégias, linguagem e as exigências vividas no ambiente familiar com relação àquelas vivenciadas no universo escolar.
Incorporamos, a partir da inserção no contexto social e familiar, um conjunto de disposições que orientam nossas ações, nossas preferências, nosso modo de perceber e pensar, chamado por Bourdieu (1998), de habitus. Para esse mesmo autor, as atitudes dos membros da família frente à escola revelam o sistema de valores implícito da categoria social à qual pertencem e isso, por sua vez, orienta as ações das crianças. No entanto, se compararmos algumas famílias com base em aspectos objetivos, tais como a categoria social, deparamo-nos com situações conflitantes, pois crianças pertencentes a uma mesma categoria podem apresentar dificuldades na escola, enquanto outras possuem uma trajetória exitosa. Estudos como os de Lahire (1997), Nogueira (2004) e Zago (2000) superam esse determinismo da relação entre a condição social e o sucesso ou o fracasso escolar.
As disposições são, conforme Lahire (2001, p 28), "o produto incorporado de uma socialização" e consistem numa realidade reconstruída, a qual não pode ser observada diretamente, ou seja, requer a realização de um trabalho interpretativo. Todavia, não é possível deduzir uma disposição de apenas um acontecimento, pois a noção de disposição nos dá a idéia da observação de uma série de comportamentos recorrentes que se repetem. Essas disposições, por sua vez, não são permanentes, nem genéricas. Diferente das disposições físicas ou químicas (solubilidade do açúcar na água) que se reproduzem, as disposições sociais podem ser atualizadas e, nessa perspectiva, só será possível percebê-las e compreendê-las dentro de um contexto com base em situações empíricas.
Neste sentido, observa Lahire (2001, p. 30):
Uma disposição não é uma resposta simples e mecânica a um estímulo, mas uma maneira de ver, sentir ou agir que se ajusta com flexibilidade às diferentes situações encontradas. No entanto, nem sempre a disposição consegue se ajustar ou se adaptar, e o processo de ajuste não é o único possível na vida de uma disposição. Dessa forma, ela pode ser inibida (estado de vigília) ou transformada (devido a sucessivos reajustes congruentes).
Famílias pertencentes a uma mesma categoria social, com configurações objetivas semelhantes, apresentam estratégias específicas na relação com o contexto escolar. Independente da categoria social, algumas famílias adotam elementos semelhantes àqueles da forma escolar de socialização na administração das atividades domésticas, e a escola passa a ser uma extensão do lar. Conforme Lahire (1997), mesmo nas famílias cujos pais são analfabetos, desprovidos de capital escolar, a escola pode ganhar reconhecimento e legitimidade e os pais, através da reorganização de papéis domésticos e da distribuição de tarefas, podem empreender ações para auxiliar os filhos nas suas tarefas escolares.
Os alunos não são seres abstratos, dissociados de suas condições sociais, históricas e culturais e, portanto, não competem entre si, no sistema escolar, sob as mesmas condições, pois dependem das configurações familiares constituídas a partir de uma multiplicidade de fatores, os quais geram situações singulares. Os princípios de igualdade e universalidade favorecem aqueles que correspondem às exigências da escola, pois estes possuem um conjunto maior de habilidades para compreender o código e a organização da instituição escolar. Nessa perspectiva, ao tratar em seu interior todos os alunos como se tivessem as mesmas disposições, a escola desconsidera essas diferenças entre os indivíduos, privilegiando aqueles cuja cultura familiar se identifica com a cultura escolar.
Nesta pesquisa, pretendemos identificar e compreender essas diferenças secundárias entre algumas famílias cujas características objetivas são aparentemente semelhantes. No entanto, apresentam resultados escolares distintos. Para isso, lançamos um olhar mais atento para o modo de socialização primária, para as práticas educativas domésticas e para as estratégias utilizadas pela família visando às aquisições propriamente escolares neste processo de ingresso da criança no ensino formal.
Destaca-se nos próximos capítulos, os aspectos que nos orientaram na análise das configurações familiares, os quais possibilitaram comparar e estabelecer uma relação entre os casos estudados. Isso tudo contribuiu para a compreensão das variáveis interdependentes que produziram situações singulares nesses casos particulares.



Jonas Alfredo da Silva Santos
CREF:066032-G/SP
Educador Físico
Autor: Jonas Alfredo Silva Santos


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