Mar da Eternidade





Mar da eternidade

Oh! Como você critica a vida. A vida do fulano, a vida do sicrano, as ruas, as avenidas, as esquinas, o bairro, os bueiros, a cidade, o país, o mundo.
E não tem nada pior da critica da vida que não seja a critica da morte.
Se não notou é só escutar e verá tais comentários. Falam da maneira que tal pessoa morreu. O fulano morreu assim de uma forma tão estranha! Como se houvesse uma forma natural ou não de morrer, se morre e pronto!
Mas os críticos da morte vêem ali na morte exemplos de como não se deve morrer.
Não morra como o beltrano, a morte dele foi horrível, degradante, morreu repentinamente atropelado totalmente bêbado quando saia do botequim do seu Manoel.
O pobre coitado morreu bem relaxado depois de tomar uns copos da birita "amém vai com Deus". E daí?
E a morte da fulana de tal? Ela não era casada nem católica, protestante, macumbeira ou nada, E daí?
Morreu de que? Excesso de confiança saía muito, todas as noites, não se cuidava e a sua saúde foi-se. E vocês? De que adianta viver vinte anos a mais para que? Para ficarem falando dos que já morreram? Para viver enclausurado dentro de casa preocupado paranóico com o jornal das sete, das oito e das dez? Com o sobe e desce das desgraças da vida?
Se o beltrano morreu ateu porque não ia à missa das sete e por isso talvez não vá conquistar o céu?
O céu que as suas mentes acharam que entenderam quando leram as sagradas escrituras?
Por que acham que as suas mortes serão mais dignas, menos pavorosa, uma surpresa triste? Menos assustadora do que as dos outros?
Não está escrito em lugar nenhum sobre qualquer tipo de morte especial para os críticos da morte alheia.
Acham a morte feia e a vida e o nascimento belo? Não faz as duas partes do mesmo cerne?
Talvez pensem que quando morrerem alguma coisa especial aconteça. Vá que aconteça!
Mas primeiro espere acontecer, mas antes cale a matraca e deixe que todos morram em paz ou sem paz, com deus, sem deus. Deixe-os ir!
Talvez pensem que ao morrerem sentirão uma vontade incrível de darem gargalhadas e uma satisfação de outro mundo. Que sintam!
Mas por enquanto não tiveram pôrra nenhuma, portanto parem de sonhar.
Talvez pensem que o beltrano ao morrer deu de cara com coisa pior do já viu por aqui. Que tenha! Ao menos está preparado. E tu? Tem medo da vida? Medo de que? Não entende como alguém pode ser feliz aqui. Mas não é está felicidade planejada na solidão do eu.
Medo da morte! Não entende como alguém pode morrer tão estranhamente e ninguém estranhar.
Talvez pense que a sua claustrofobia seja normal. Alias tenho certeza que é isso que pensa.
Medo da vida! Nunca se permitiu dar um passo de um milímetro sequer sem antes consultar o manual de seus antepassados, embora não tenha percebido que eles também já se foram.
Medo da morte! Agora que a vida já está toda comprometida com a sua visão alienada e esquizóide passa a tecer idéia que na morte alguma coisa incomum vai acontecer... Apreensivo e ansioso imagina só porque foi comportadinho de alguma forma será poupado do vexame dos pobres mortais que morrem pateticamente.
Como? O que é morrer pateticamente? É morrer simplesmente. Morrer simplesmente é patético e só isto basta para que tudo seja assim explicado.

Talvez pense que ao morrer vai dar de cara com uma banda de fanfarra lá no céu tocando parabéns para você. Que toquem! Mas por enquanto tudo isso só está passando em seu cérebro e, portanto ainda não aconteceu.
O certo mesmo é que dessa não se escapa não é?
Por isso é que nascem todos os temores? Preparados ou não talvez pensem que ao morrerem descansarão em paz. Que descansem! E quantos aos que já morreram estranhamente não terão paz?
A verdade é que sois egoístas até em imaginar que os outros terão a tão decantada paz que merecerem.
Mas na sua cabeça isso não pode acontecer. Por que deveriam eles terem a bendita paz?
Seria melhor, imagina você, que eles tivessem mais problemas lá do que já tiveram aqui.
Para você isso seria apenas uma forma natural de as coisas serem.
Afinal não pagaram o suficiente pela ousadia de nascerem neste planeta justamente na mesma época que vossa honorável vida começou.
Tudo se passa exatamente como nos filmes que costuma assistir, só que consegue ir ainda mais longe, consegue imaginar o inferno mais quente e abrasador.
Não! Não! Eles definitivamente não merecem paz, hão de pagar por te-lo cumprimentado naquela bela manha de domingo. Ora! Que ousadia!
Hão de pagar por não o reconheces superior como àquele que no fim irá sobrepujar a todos com uma morte digna de um rei.
Hão de pagar por não verem que não sabem e ainda não perceberam quão verme são e não puderam assim como ele vislumbrar o futuro, o quanto é importante morrer com doçura e polidez, com graça e harmonia, com chuva e arco íris dando no segundo final um largo sorriso encantador de adeus emocionado a todos. Como... Estou indo para o além... Do não sei o que lá... mas não interessa sei que é melhor do que o seu... Garanto-te isso você pode acreditar!
Hão de pagar por fazê-lo saber que há pessoas que morrem assim simplesmente como baratas, pulgas, cachorros e vermes e gente também.
É mas eu tenho má noticias para lhe dar e é com certeza que 99,9% que é assim que acontece. E o 1%? Este é o mistério se acha só quando ele quer.
Não é bom! Mas creio que também que não é tão ruim assim.
Portanto relaxe e aproveite a viagem. Mas antes só mais uma coisinha; saúdo aqueles que encararam a morte de cara limpa, com os seus corpos chagados de moléstias naturais da própria humanidade.
Que encararam a morte com as suas mentes vazias sem nenhum artifício, sem nenhuma malicia, sem nenhuma muleta contemplativa, simplesmente por aceitarem que não há nenhuma opção e que este são os desígnios finais da jornada, pelo menos é o que sabemos de concreto até agora.
Saúdo aqueles que viram a morte como ela verdadeiramente é e partiram simplesmente como chegaram puros e inocentes prontos para mais uma jornada.
E aqui incluo todos os reinos, mineral, vegetal, animal e o humano.
Quem já foi em um funeral de uma pedra, de uma planta, de um peixe, um pássaro, uma, lagartixa, uma borboleta? Só estamos preocupados e temerosos com o nosso.
Bem creio que temos muito ainda que aprendermos sobre morrer sem pompa, sem alarde, sem desespero, sem cálculos pré-concebidos?
Aprendermos perceber o egoísmo, o medo, a raiva, e outros diversos motivos que não nos deixam ver e pensar este fato tão significativo e real em nossa existência.

Antes mesmo sabendo da morte inssisto na minha eternidade, como se eu pudesse transformar segundos em anos, anos em centenas de anos, e assim imortalizar-me.
Bem creio que não é assim, mas é dessa forma que deveria ser, creio também que poderei viver a minha eternidade, mas só que não é bem por aqui com essa forma com esse invólucro, com essa mente e com esse ego. O que parece certo na vida dos seres e tudo em geral é que nada está pronto, nada é para sempre neste estado que vivemos e a beleza reside nisto nos insondáveis mistérios que espreita e abraça tudo.
Afinal quem se interessa por respostas prontas? Não é mais interessante na verdade sempre procura-las e recebe-las por merecimento próprio? Parece insano, mas é e temos muitos exemplos disto aqui.
A resposta que o sol nos dá a todo amanhecer é fantástica, nem por isso levantamos todas as manhas antes do por do sol para ver como ele consegue acariciarmos sem pulverizarmos.
Tudo simplesmente tudo, de uma folha movendo-se levemente tocada pelo vento até a erupção violenta de um vulcão é pura meditação e escrutínios, é puro motivos de assombros.
Não é o próprio infinito dando mostras de suas peculiares habilidades? Se não for o que pode ser? Efêmeras casualidades?
Toda a manifestação fragmentada dando forma e corpo ao imanifestado.
Tudo contando a sua versão do que vê, sente e vive no aqui e agora.
Como se estivessem dizendo: Se Deus quisesse falar eis o que ele diria: Escute, observe, olhe para dentro de si, pois é aí que tudo existe, a materialização externa do infinito.
Está é a resposta que procuras, mas não está pronta. Tem que ser montada como um quebra cabeça para depois conecta-la a uma só coisa.
Assim como a resposta de o que vem depois também não está pronta para ninguém, para mim, para você nem para o próprio universo.
Então o nosso medo não é o medo da morte é o medo do que vem então... Depois? Ou talvez do que não vem?
É este medo o mais duro de todos, acharem que não vem nada, achar que vai perder tudo, tudo mesmo, até o próprio medo da morte.
Nada é comparado a isso o saber que nunca mais voltaremos, entender o nunca mais para nós é difícil porque estamos aqui e agora e nos é inconcebível imaginar isso.
E isto é bem compreensível em certo nível lógico, porque não há formas de morrermos e voltarmos conscientes para expilcar isto pelo menos por enquanto não nos é permitido isso.
Talvez o nosso paliativo nessa imensa esquina da existência é sabermos que não estamos sozinhos que de alguma forma alguém está empurrando o barco, o cosmo, a vida, o supra-sumo da existência, lá na frente.
Que tem alguém ou alguma coisa que apesar de não podermos dar nome e não termos a capacidade de percebê-lo ainda, mas existe.
E essa força, essa luz que não se omitiu continua indo e indo e não pára mais.
Não pára porque talvez tenha certeza que assim como ela nós ainda vamos dar uma mãozinha, um sopro, um alento para que continue, para que não precise navegar sozinha no grande mar da eternidade.
Mas para chegarmos a isto temos que perder o medo do que vem e do que não vem também. Temos que perder o medo de nos perdermos uns nos outros. O único medo que talvez devermos ter é de perder uns aos outros, pois senão o que nos restaria para existir? Porque é assim que se navega no imprevisível e surpreendente mar da eternidade, unidos uns aos outros.

01-07-2000

Autor: Cesar Valerio Machado


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