A Carona Macabra
Enquanto todos choravam lamentavam e até profetizavam que ela já estaria perto de Deus o caminhoneiro tratou de aproveitar a distração dos presentes, no velório, lançando mão de um canivete, cortou o dedo da defunta e o levou com anel e tudo. Antes tendo cuidado de cobrir o espaço com algumas flores, escondendo o dedo e o anel dentro do bolso.Logo após se afastar da casa do velório, jogando o dedo fora, Raimundo Nonato limpa o anel , beija-o e diz:
- Ôxente menino, lavei a égua!
Ao chegar ao posto, receoso que alguém o tivesse acompanhado, o caminhoneiro entrou na carreta e resolveu dar o fora, já fazendo planos para vender o anel em Salgueiro, comprar um caminhão próprio em Cabrobó e de lá voltar para Santarém, mas com uma nova carga, só que agora de madeira. No momento em que traçava planos para o futuro viu á beira da rodovia um vulto de mulher acenando pedindo carona. Ele disse consigo mesmo:
- Natinho! Agora bem aí! Além de ficar rico, você tem a chance de pegar uma mulher, e quem sabe, até fazer um retiro no garimpo do Crepori.
Não foi surpresa para ele que a mulher aceitasse a carona, mas havia algo sinistro no comportamento dela. Pouco falava e olhava pra ele sem parar. Por sua vez, o caminhoneiro não conseguia virar a cabeça. O máximo que conseguia era, além dos pés no acelerador, na embreagem e das mãos no volante, era olhar de canto, pois o seu corpo todo tremia, seu pêlo estava todo arrepiado, além do medo, um frio intenso, daqueles que dá em quem vê visagem, alma do outro mundo. Embora linda, a mulher era misteriosa e alguma coisa espantosa ele pressentia que estava pra acontecer.
A carreta corria, veloz, ou melhor, voava. Raimundo Nonato estava voltando mais rápido do que tinha vindo. Passou Capim Grosso na Bahia. Cruzou os Estados de Minas Gerais e São Paulo, sem parar em nenhuma lanchonete de beira de estrada. O caminhão também colaborou. Não furou nenhum pneu nem faltou gasolina. Chegando em Mato Grosso, olhou para a caroneira e, com muito esforço, conseguiu perceber que ela cruzava as pernas. Pisou o pé no acelerador e logo, logo, chegou em Guarantã do Norte. Olhou mais uma vez para a mulher e viu que ela mexia na bolsa. Isto fez com que Raimundo Nonato investisse em mais velocidade e chegasse a Novo Progresso.
Ao chegar ao Trairão, a mulher se moveu na cabine e deixou aparecer a mão...e o que é pior, deixou aparecer a mão... sem o dedo.
Ele tinha certeza agora, ele já tinha visto aquela mulher, mas o medo impedia a sua memória de recordar algum detalhe. Porém, gaguejando, arriscou:
- O que aconteceu com o seu dedo?
Ela respondeu rispidamente:
- Cortaram!
Ele insistindo apavorado, perguntou:
- Quem cortou?
- Ela cravou uns olhos esbugalhados nele e gritou:
- Foiiiii vocêêê!
Dias depois, Raimundo Nonato foi encontrado, todo "cagado", no porto de Miritituba, sem o anel, sem a mulher, e sem o caminhão. Até hoje há quem veja a mulher na Vila do INCRA pedindo carona, procurando o dedo. E Raimundo Nonato ainda existe, contando esta historia, que vem sendo contada, no porto da balsa, na rodoviária, nas praças e nos botecos de Itaituba.
Expressões nordestinas :
Ôxente : Oh! gente!
Lavei a égua! Me dei bem.
"cagado: sujo de fezes.
Autor: Djalmira Sá Almeida
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