A Carona Macabra



Certa noite um caminhoneiro maranhense morador do km 5 encostava sua carreta em um posto de gasolina buscando um lugar silencioso para descansar de sua grande jornada de trabalho, de três semanas carregando castanha-do-pará, de norte para o nordeste brasileiro. Estava em Petrolina, Estado de Pernambuco, divisa com o Estado da Bahia. Por mais que tentasse dormir, não conseguia, pois um barulho numa casa próxima, um misto de choro e gritaria, fazia com que Raimundo Nonato não conseguisse pregar o olho, pensou, decidiu e foi lá. Era um velório, uma bonita mulher de feições delicadas, unhas bem feitas, cabelos longos e lisos, aparentemente jovem, mais ou menos uns 25 anos, era o alvo da atenção, sofrimento e lágrimas de todos. Ostentava no seu caixão, mais precisamente no seu dedo da mão direita, um lindo anel de ouro cravejado de diamantes. Mas, ninguém estava ligando para aquela jóia, ou seja, quase ninguém, porque Raimundo Nonato, estava de olho na defunta, encantado com a beleza dela, e mais ainda impressionado com o anel que tão explicitamente valorizava o seu dedo. E ele calculava a riqueza que iria descolar se conseguisse extrair, da bela morta, aquela preciosidade.
Enquanto todos choravam lamentavam e até profetizavam que ela já estaria perto de Deus o caminhoneiro tratou de aproveitar a distração dos presentes, no velório, lançando mão de um canivete, cortou o dedo da defunta e o levou com anel e tudo. Antes tendo cuidado de cobrir o espaço com algumas flores, escondendo o dedo e o anel dentro do bolso.Logo após se afastar da casa do velório, jogando o dedo fora, Raimundo Nonato limpa o anel , beija-o e diz:

- Ôxente menino, lavei a égua!

Ao chegar ao posto, receoso que alguém o tivesse acompanhado, o caminhoneiro entrou na carreta e resolveu dar o fora, já fazendo planos para vender o anel em Salgueiro, comprar um caminhão próprio em Cabrobó e de lá voltar para Santarém, mas com uma nova carga, só que agora de madeira. No momento em que traçava planos para o futuro viu á beira da rodovia um vulto de mulher acenando pedindo carona. Ele disse consigo mesmo:
- Natinho! Agora bem aí! Além de ficar rico, você tem a chance de pegar uma mulher, e quem sabe, até fazer um retiro no garimpo do Crepori.
Não foi surpresa para ele que a mulher aceitasse a carona, mas havia algo sinistro no comportamento dela. Pouco falava e olhava pra ele sem parar. Por sua vez, o caminhoneiro não conseguia virar a cabeça. O máximo que conseguia era, além dos pés no acelerador, na embreagem e das mãos no volante, era olhar de canto, pois o seu corpo todo tremia, seu pêlo estava todo arrepiado, além do medo, um frio intenso, daqueles que dá em quem vê visagem, alma do outro mundo. Embora linda, a mulher era misteriosa e alguma coisa espantosa ele pressentia que estava pra acontecer.
A carreta corria, veloz, ou melhor, voava. Raimundo Nonato estava voltando mais rápido do que tinha vindo. Passou Capim Grosso na Bahia. Cruzou os Estados de Minas Gerais e São Paulo, sem parar em nenhuma lanchonete de beira de estrada. O caminhão também colaborou. Não furou nenhum pneu nem faltou gasolina. Chegando em Mato Grosso, olhou para a caroneira e, com muito esforço, conseguiu perceber que ela cruzava as pernas. Pisou o pé no acelerador e logo, logo, chegou em Guarantã do Norte. Olhou mais uma vez para a mulher e viu que ela mexia na bolsa. Isto fez com que Raimundo Nonato investisse em mais velocidade e chegasse a Novo Progresso.
Ao chegar ao Trairão, a mulher se moveu na cabine e deixou aparecer a mão...e o que é pior, deixou aparecer a mão... sem o dedo.
Ele tinha certeza agora, ele já tinha visto aquela mulher, mas o medo impedia a sua memória de recordar algum detalhe. Porém, gaguejando, arriscou:
- O que aconteceu com o seu dedo?
Ela respondeu rispidamente:
- Cortaram!
Ele insistindo apavorado, perguntou:
- Quem cortou?
- Ela cravou uns olhos esbugalhados nele e gritou:
- Foiiiii vocêêê!
Dias depois, Raimundo Nonato foi encontrado, todo "cagado", no porto de Miritituba, sem o anel, sem a mulher, e sem o caminhão. Até hoje há quem veja a mulher na Vila do INCRA pedindo carona, procurando o dedo. E Raimundo Nonato ainda existe, contando esta historia, que vem sendo contada, no porto da balsa, na rodoviária, nas praças e nos botecos de Itaituba.

Expressões nordestinas :

Ôxente : Oh! gente!
Lavei a égua! Me dei bem.
"cagado: sujo de fezes.









Autor: Djalmira Sá Almeida


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