Liberdade E Estado Em Rousseau



Liberdade e Estado em Rousseau.

O presente ensaio possui como escopo a discussão sobre o Estado e a Liberdade em Jean-Jacques Rousseau. Assim para chegarmos no ponto cerne deste trabalho, necessário se faz que retomemos o mesmo caminho traçado por nosso filósofo, conceituando o estado natural, o homem no estado de natural e outros conceitos elementares para formarmos o panorama figurante de nosso ensaio.

Necessário se faz também essa retomada aos conceitos de Rousseau para fugirmos de dogmas criados pelo senso comum. Afinal de contas, difícil se achar uma figura tão influente nas ciências humanas como o nosso filósofo.

Para iniciarmos nosso estudo devemos voltar a uma época imemoriável a um "estado que não existe mais, que talvez nunca tenha existido, que provavelmente não existirá jamais e do qual, entretanto, é preciso se ter noções precisas afim de avaliar corretamente o nosso estado presente[1]". Assim, nosso trabalho possui o mesmo ponto de partida que nosso filósofo usou, o Estado Natural.

Paul Bénichou afirma que Rousseau: "para reencontrar o homem natural, o despojou de toda técnica, de toda organização social mesmo a mais elementar, de toda relação inter-humana exceto a da relação sexual mais passageira e, enfim, da própria linguagem: em suma. Na regressão conjetural em direção a um modo elementar de existência humana, ele foi tão longe quanto lhe foi possível divisar nessa aurora da humanidade, chegando até o limiar para além do qual desaparecia a qualidade de ser vivo e agente[2]".

Nessa época o homem era um ser solitário, disperso pelo meio. Esses homens não viam a necessidade de agrupamentos, se satisfazendo plenamente em sua solidão. Sua inteiração envolve apenas a natureza, de onde o homem-natural[3] percebia seus alimentos.

Sua anatomia física contribuía para que o homem absorvesse o melhor da natureza. Assim, Rousseau ao descrever fisicamente o homem-natural, afirmava que o mesmo era dotado de uma mescla de força e agilidade, o que lhe proporcionava uma certa vantagem sobre outros animais.

Aqui, meu caro leitor pode-se perguntar, "em qual aspecto o homem-natural distinguia de um mero animal?". Para Jean-Jacques, o homem-natural possuía duas características que o diferenciavam dos demais animais: a liberdade[4] e a perfectibilidade.

A liberdade no estado natural consiste em "o homem poder transgredir as leis [naturais], 'mesmo em seu prejuízo[5]'". Assim, o homem não se vê limitado como os animais, podendo agir livremente, transgredindo as leis naturais. Se por uma lado essa característica proporciona ao homem-natural uma maior "autonomia", ao mesmo tempo lhe abre as portas para o desregramento,ou seja, a corrupção do caráter humano.

O outro caráter que o homem-natural possui, é a perfectibilidade, que consiste no fato de ser o homem o único ser capaz de adquirir conhecimento, assim sendo, o homem e o único ser capaz de se aperfeiçoar no decorrer do tempo. Como quer nosso filósofo: a "faculdade [de aperfeiçoar-se] que com o auxilio das circunstâncias, desenvolve sucessivamente todas as outras e se encontra, entre nós, tanto na espécie quanto no indivíduo; o animal, pelo contrario, ao fim de alguns meses, é o que será por toda a vida, e sua espécie, no fim de milhares de anos, o que era no primeiro ano desses milhares[6]".

Destarte, temos nosso homem-natural assim: fisicamente vigoroso e ágil, com plena liberdade, e com a capacidade de aperfeiçoar-se, que vive isoladamente, com necessidade de interação mínima com a natureza.

Para prosseguirmos, devemos verificar por quais motivos o homem-natural agia, motivado pelo quê?.

Para Rousseau, são três as formas propulsoras das ações humanas. Primeiro o "amor de si" que é o impulso que leva o homem a se auto-conservar, porém, como uma forma de limitar este instinto de auto-conservação, nosso filósofo propõem outro principio propulsor, que é a "compaixão" que é o instinto que leva o homem se identificar com o próximo, evitando-se assim de lhe prejudicar, ou seja, é uma forma de limitar o "amor de si", para que este não seja absoluto. E o terceiro princípio propulsor das ações humana, proposto por nosso filósofo, e sexual, onde os homens, momentaneamente, se junta a outro para satisfazer sua necessidade sexual, e a necessidade natural de reprodução. É através dos instintos sexuais que os homens exercem uma pequena relação entre seus semelhantes.

Como o homem-natural, possui a capacidade de se aperfeiçoar, este "animal limitado às puras sensações que era o primitivo puro, vemos suceder um indivíduo novo, que já é capaz de estabelecer relações entre as coisas e que já se acha dotado de uma espécie de reflexão ou 'uma prudência maquinal que lhe indica precauções s mais necessárias à sua segurança[7]'".

É com base nesse novo homem-natural, que se ocorre aquilo que posteriormente será o início do Estado Civil, a propriedade. Assim, para Rousseau, "o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil".

Com a "primeira cerca", Jean-Jacques, viu surgi um novo instituto, que é a propriedade, que iniciou uma nova fase, onde surgiu a desigualdade entre os homens, ou seja, com a vinda da propriedade privada, veio a quebra igualdade que permeava o estado natural.

É com o surgimento da propriedade que as relações sociais começa a ganhar proporção, deixando de ser apenas para a satisfação de seus instintos, mas surge também como uma relação de dependência entre os dois pólos que sugiram, os proprietários e os não-proprietários.

Com o agravamento dessas relações, surgem conflitos entre esses dois blocos, culminando no estado de guerra.

Assim, "para pôr fim a essa guerra generalizada e impedir a ruína, surge entre os homens a idéia de um acordo, um 'pacto social (grifo nosso)[8]'".

O Estado Civil surge neste momento. Momento este em que o Estado Natural não pode mais subsistir, pois, com a eminente guerra de todos contra todos, o mesmo não pode se sustentar, o que ocasionaria o extermínio do humano. Sendo assim, necessário à criação do Estado Civil para a harmonização desse conflito geral na sociedade. Nesse sentido o próprio Rousseau expõem: esse estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano se não mudasse de modo de vida, pereceria"[9].

Destarte, o Estado Civil surge como uma forma de preservação da espécie humana salvando a espécie da auto destruição, que foi trazida pelo estado de guerra gerado após o advento da propriedade privada.

Para nosso "Mick Jagger da filosofia [10]", no momento do pacto, que da vida ao Estado Civil, os pactuantes se unem no sentido de se auto preservarem, ou seja, assim, ao se pactuar os indivíduos estão contratando segundo os seus próprios interesses em comum. E para Rousseau, contrariamente à maioria dos contratualistas contemporâneos a ele, ao se pactuar, não o faz perante um terceiro soberano encarregado da fiscalização do pacto, e sim perante si mesmo, sendo os pactuantes ao mesmo tempo soberanos e súditos.

Assim, Jean-Jacques esclarece: "enfim, cada um dando-se a todos não se da a ninguém e, não existindo um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se lhe cede sobre si mesmo, ganha-se o equivalente de tudo que se perde, e maior forca para conservar o que se tem"[11]; e para Salinas: "quando concordamos em nos submeter, todos os outros pactuantes concordam também em se colocar sob a direção, suprema, não de uma vontade alheia , mas da vontade coletiva da própria comunidade, daquela vontade que visa acima de tudo ao interesse coletivo"[12].

Assim, os estado civil e norteado pelo princípio da vontade geral. Onde o soberano se confunde com a própria comunidade, e este movimentando o estado para preservar a vontade geral acima de todas as demais coisas, devendo ela se sobressair em toda e quaisquer circunstância. Assim, cumpre ao Estado Civil resguardar as interesses de todos os indivíduos pertencentes à ele.

Desta feita: "o que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui" [13].

Segue-se do que precede que após o pacto, cessa a liberdade plena que o homem possuía antes do Estado Civil, ou seja, aquela liberdade onde o mesmo poderia fazer tudo que tiver ao seu alcance para alterar a natureza. Tal liberdade era fundamentada na forca, uma vez que os homens agiam segundo apenas seus instintos[14], e não sendo de forma alguma limitado.

Porém com o advento do Estado Civil, o homem vê sua liberdade limitada pelo pacto, onde o mesmo não possui liberdade plena. Tendo sua liberdade amortecida pelo princípio propulsor do próprio pacto que é a vontade geral.

Assim, a liberdade do homem dentro do Estado Civil nada mais é do que o respeito à Lei Civil, que por sua vez nada mais é do que o reflexo da vontade geral.

Nos dizeres do próprio Rousseau: "a obediência à lei que se estatuiu a si mesma é a liberdade (grifo nosso)"[15].


[1] ROUSSEAU, Jean-Jacques, Discurso sobre a desigualdade.

[2] Artigo publicado em Pensée de Rousseau, Paris, Seuil, 1984. Tradução de Elisabeth Maria Sawaya Kaphan, exclusiva para uso didático.

[3] Vamos adotar a terminologia, homem-natural, para referir-se ao homem vivendo no estado de natureza.

[4]Porém, vale frisar, que esta liberdade, não é a liberdade foco de nosso trabalho.

[5] SALINAS FORTES, Luiz R., Rousseau, O Bom Selvagem, FDT, 1989.

[6] ROUSSEAU, Jean-Jacques, O Contrato Social.

[7] SALINAS FORTES, Luiz R., Rousseau, O Bom Selvagem, FDT, 1989.

[8] SALINAS FORTES, Luiz R., Rousseau, O Bom Selvagem, FDT, 1989.

[9] ROUSSEAU, Jean-Jacques, O Contrato Social

[10] Expressão essa trazida pelo egrégio professor Ricardo Monteagudo (UNESP/Marília) em uma de suas brilhantes aulas.

[11] ROUSSEAU, Jean-Jacques, O Contrato Social

[12] SALINAS FORTES, Luiz R., Rousseau, O Bom Selvagem, FDT, 1989

[13] ROUSSEAU, Jean-Jacques, O Contrato Social

[14] Instintos este anteriormente analisados.

[15] ROUSSEAU, Jean-Jacques, O Contrato Social


Autor: Thiago Boy de Oliveira


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