Psicografia e Direito



Afirmamos que a Ciência não é inquestionável nem absoluta, mas que dispõe de elevado grau de probabilidade e de credibilidade, o que resulta em maior segurança na aferição de fatos. A Ciência é fenômeno histórico, não ficando estagnado, mas para que haja Ciência, temos de evitar dois extremos: o dogmatismo, que faz dela um mero instrumento de justificação ideológica; e o relativismo, que reduz tudo ao nível das vontades e desejos particulares.
O Direito é uma Ciência e deve progredir sim, mas evitando estes dois extremos. Devendo aceitar novos métodos para se desenvolver, pois não é estático, e, sim, volúvel e mutável. Mas o que não se pode admitir é que sejam adotados meios de prova sem percorrer os pressupostos da Ciência que são: estudo, tese, hipóteses e confirmações fundamentadas em experimentação, com o uso de métodos apropriados.
Há de se ressaltar que, desde a Idade Média, o pensamento cristão foi dominado sucessivamente, pela escola patrística e pela escolástica, onde podemos destacar a pessoa de Santo Agostinho. Em sua doutrina, Deus seria o princípio de todas as coisas e o Direito se fundamentaria, em último grau, na lei eterna, que é a Lei de Deus. Não podemos mais aceitar que tal dominação religiosa impere sobre o nosso direito, temos a laicidade do Estado como fundamento.
Hoje nos deparamos com a seguinte indagação: estaria a Ciência regredindo ao tão combatido dogmatismo do uso da fé e da religião na ciência, que tanto foi criticado? Estaríamos nós, operadores do Direito, ao aceitar o uso da psicografia, nos voltando para o Teocentrismo, nos debruçando sobre o antigo pensamento de que a lei eterna seria a própria lei natural, sendo inacessível, diretamente, ao conhecimento humano? Tais indagações nos permitem citar o Rui Barbosa:
Vejo a Ciência que afirma Deus; vejo a Ciência que prescinde de Deus; vejo a Ciência que proscreve Deus; e entre o Espiritualismo, o Agnosticismo, o Materialismo, muitas vezes se me levanta da razão esta pergunta: Onde está a ciência? A mesma névoa, que a princípio se adensara sobre as inquietações do crente, acaba por envolver o orgulho do sábio. A mesma dúvida, que nos arrastara das tribulações da fé ao exclusivismo científico, pode reconduzir-nos do radicalismo científico à placidez da fé. (TIMPONI, 1999, p. 16).

Não podemos negar o direito a fé, mas temos que possuir uma fé racional, a que tem por base os fatos e a lógica, ou seja, cremos porque estamos convictos, e assim aptos a discernir. Este pensamento que foi amplamente pregado por São Tomás de Aquino, um dos pensadores da união entre a fé e a Ciência.
Enfatizamos, ainda, que o Espiritismo julga estar em um patamar de superioridade em sua relação com as outras ciências, pois todas as outras não teriam capacidade para compreender seus conceitos, conforme aduz:

[...] a ciência, propriamente dita como ciência, é incompetente para se pronunciar sobre a questão do espiritismo: não lhe cabe ocupar-se do assunto e seu pronunciamento a respeito, qualquer que seja, favorável ou não, nenhum peso teria. (KARDEC, 2004, p.36, grifo nosso).

A própria doutrina afirma que qualquer ciência está inapta a julgá-la. Deveras o Espiritismo tende a ser provado por meio da Ciência propriamente dita, apesar de protestos de sua aceitação como Ciência. Há de se enfrentar um processo de maturação de conceitos, para que assim possa haver um apaziguamento entre as relações sociais, religiosas e científicas. Mas enquanto esta pacificação não é atingida, devemos nos conformar que o ordenamento jurídico brasileiro não está apto para aceitação de documentos psicografados.

Nas alegações de provas psicografadas e sua utilidade perante a Ciência do direito, seus defensores afirmam que o Espiritismo é detentor de conceitos filosóficos que só viriam a somar para o fortalecimento do direito, como ciência. Não possuindo apenas o caráter religioso, mas também o filosófico que ajudaria muito no convívio e na relação entre as leis e sua aplicação perante a sociedade.
Concordamos que talvez esteja presente no Espiritismo, um embasamento filosófico que possa vir a somar e acrescentar conceitos positivos na legislação brasileira. Mas evidenciamos que as demais religiões também possuem embasamentos filosóficos. Então, qual seria o motivo de optar pelo Espiritismo em detrimento das demais religiões que existem na sociedade brasileira? Acrescente-se à idéia da inexistência de liame entre a psicografia e a religião, que argumentos juridicamente seriam utilizados?
O aspecto religioso como já alertado está em debate no presente tema, nada mais pertinente que evidenciar tal caráter trazendo ensinamentos contidos na bíblia sagrada, no tocante a rejeição da ciência pela religião: "Por que tu rejeitaste a ciência, eu te rejeitarei do meu sacerdócio" (OS, 4,6). Seguindo a mesma linha de raciocínio, o da religiosidade, a própria Bíblia como já explicitada, condena o afastamento da ciência e da religião. Neste sentido podemos enfatizar um trecho do considerado pai e propugnador do:

[...] repetimos ainda que, se os fatos de que nos comunicamos estivessem reduzidos ao movimento mecânico dos corpos, a pesquisa da causa física do fenômeno seria do domínio das leis humanas, mas desde que se trata de uma manifestação fora do domínio das leis humanas, escapa à competência da ciência material porque não pode ser explicada por números, nem por forças mecânicas. (KARDEC, 2004, p. 37, grifo nosso).

Ora, o próprio pai do espiritismo, Allan Kardec, afirma de forma convicta e veemente que não cabe a Ciência do Direito se debruçar sobre o conteúdo da doutrina espírita. Nasce aqui uma incoerência de conceitos, pois a celeuma em questão nasce da necessidade e da vontade dos adeptos da religião espírita, em fazer valer tais métodos. Se o difusor desta religião, Kardec, já taxou a ciência como desqualificada para atos da doutrina espírita, onde estaria a necessidade deste debate? Não podemos deixar que a nossa ciência jurídica entre na onda de religiosidade contemporânea respingando insegurança jurídica.
Chegamos à conclusão que não cabe à ciência do Direito e ao nosso ordenamento jurídico, versar sobre fatos relacionados sobre o espiritismo. Pois como já explicitado, os próprios seguidores do Espiritismo, com ênfase a Allan Kardec, afirmam de maneira veemente que a Ciência é incompetente para fazer qualquer tipo de julgamento sobre sua doutrina ou qualquer que lhe diga respeito.
Então temos desde já que romper o liame entre a ciência do direito e religião, ou seja, de parar com especulações. Temos que ter no direito como ciência, uma base sólida e critérios racionais para explicar determinadas circunstâncias cotidianas. Por que como detentores desta ciência tão importante como o direito, nunca iremos deixar de acreditar em Deus por diversas imaterialidades baseadas em simples ato de fé.
Como diz o inglês John Locke,"O fim do Direito não é abolir nem restringir, mas preservar e ampliar a liberdade". O que queremos afirmar com isto é que a não utilização da psicografia em processos judiciais em nenhum momento visa prejudicar os adeptos desta religião e sim de torná-los iguais com os que não acredita neste tipo de prova. Ao ponto de autorizar o uso de cartas psicografadas no direito estaríamos lesionando o princípio da liberdade de crença, pois estaríamos ferindo o princípio da alteridade, que é uma privação direta dos privilégios de alguns em conseqüências dos demais, então aceitarem o uso da psicografia é desrespeitar a lei e a Constituição Federal não define o conceito de religião nem autoriza o legislador ordinário a defini-lo, mas coíbe práticas atentatórias à dignidade da pessoa humana, mesmo quando revestidas de rituais religiosos.
Hoje termos operadores do direito, credores da doutrina espírita, estes atentam em certo modo contra a liberdade religiosa, quanto ao conceito de suas teorias recaírem sobre o resultado jurídico, pois os mais diversos religiosos ocupam cargos públicos, estando com isto a levar as religiões aos ambientes que freqüentam, visto que estas não se dissociam destes. Temos que assim fazer prevalecer o direito a liberdade religiosa que impera no Brasil.
A liberdade de consciência então trata diretamente de toda consciência que o indivíduo possa produzir. Filosófica, política, de ter crença e de não ter crença. É a liberdade de agir conforme lhe determina sua ideologia pessoal. Nos casos que envolvem estas decisões psicografadas estaríamos tolhendo o direito de crer e o direito dos que não professam nenhum tipo de religião, sendo assim uma total deturpação de seus direitos, expressos em nossa Constituição Federal de 1988.
As leis que venham à regular a matéria possuirão forte influência no funcionamento da sociedade como um todo, visto que, a maioria da população declara-se religiosa de alguma natureza e os que não declaram religião alguma, como já discutem, também gozam da mesma liberdade religiosa, a de não ter religião. Sendo assim, aquilo que o legislador trouxer à discussão e que o Estado promulgar como norma terá um impacto muito mais profundo do que se supõe. Mais uma vez volta à tona a pergunta, porque aceitar determinados tipos de crenças e outras não? Absurdo.
Autor: Ciro Winston Carneiro Alves


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