Violência doméstica Contra Idosos: um estudo bibliográfico



Autores: Cristiane Leite de Almeida; Dirlei Martins Franco Gabriel Brassi Silvestre de Oliveira; Luciana Geraldi Introdução O envelhecimento populacional (aumento da proporção de idosos numa população) representa uma das maiores conquistas da humanidade. Pois, nos dias atuais não é mais um privilégio para poucas pessoas atingir uma idade avançada (PASCHOAL, 2000). Entretanto essa conquista é um paradoxo, pois o processo de envelhecimento gerou aspectos negativos, como o aumento da violência e maus-tratos (SOUSA, et al., 2010). No Brasil, pouco tem se discutido sobre a violência. Também faltam dados estatísticos quanto as prováveis causas. É um tema complexo e de difícil constatação, especialmente em idosos, pois eles na maioria das vezes não denunciam por medo de serem punidos e perderem o acolhimento de seus cuidadores, geralmente seus próprios agressores. Outros sentem vergonha de fazer as denúncias (SOUZA, et al., 2004). Por ser este ser o tipo de violência que mais acomete aos idosos, por ser oculta e de difícil constatação, o presente estudo tem objetivo abordar os principais tópicos do tema no contexto da literatura nacional, como: identificar os principais tipos de violência , descrever os fatores de risco, sinais e sintomas, descrever o perfil do agressor e das vítimas, locais de denúncia e instrumentos de detecção. Perfil da Violência O tema da violência contra os idosos tem raízes históricas no Brasil. No entanto, apenas nas ultimas décadas essa questão passou a ser objeto de relevância nacional, pois começou a despertar o interesse na comunidade científica (MINAYO, 2003). A violência é sinônimo de abusos e maus-tratos e pode ser definida como um ato único e repetido, ou ausência de uma ação apropriada, que pode causar dano e sofrimento dentro de um relacionamento, uma vez que neste se espera confiança, ao invés de dano ou angústia (MACHADO; QUEIROZ, 2006). Para Minayo (2003), a violência contra as pessoas mais velhas atinge todos os níveis da sociedade, etnias e religiões. Segundo a mesma autora ela deve ser analisada pelos seguintes parâmetros: demográfico, sócio-antropológico e epidemiológico. Enquanto demográfico, está vinculado ao crescimento acelerado na proporção de idosos no mundo. Já no sócio-antropológico, a pessoa idosa é "desligada" política e socialmente, devido as diferentes formas de discriminação que a sociedade repudia os idosos. Como por exemplo, o estado considerar o idoso responsável pelos elevados gastos com a previdência social. O conceito epidemiológico de violência refere-se aos processos e relações sociais, interpessoais, de grupos, de classes, de gênero ou objetivadas em instituições, quando empregam diferentes formas, métodos e meios de aniquilamento de outras pessoas, ou de sua coação direta ou indireta, causando-lhes danos físicos, mentais e morais. De acordo com Queiroz (2000), a violência pode ser estudada por níveis de dimensão: O nível macro refere-se à violência no contexto social e seria toda a forma de discriminação contra a idade, desrespeito em geral aos direitos constitucionais e legais do idoso. O nível médio está ligado a violência na comunidade. Contempla o modo como o idoso é tratado em geral pela comunidade. O nível micro analisa a violência no âmbito doméstico contra o idoso, seus familiares e cuidadores. Deve-se dar maior enfoque a violência que ocorre no seio familiar, pois segundo as literaturas consultadas é a forma de violência que mais acomete aos idosos. Ritt (2007) e Day et. al (2003), convergem quanto a diferenciação entre violência doméstica e violência familiar. A violência doméstica pode ser definida como sendo aquela que ocorre no ambiente doméstico em que o idoso está inserido, não sendo necessariamente familiares, mas, sim vizinhos, cuidadores, ou, inclusive, pessoas que trabalham em casas geriátricas ou asilos. A violência familiar é entendida como aquela praticada por familiares do idoso, seus filhos, netos, bisnetos, cônjuges ou companheiros, dentre outras pessoas que possuem ligação familiar, o que incluiria pessoas sem laços sanguíneos, mas que exercem função de pais. Sendo assim, a violência doméstica é caracterizada como violência oculta e de difícil constatação, em que os idosos estão vulneráveis aos tipos mais comuns de violência. Tipos de violência De acordo com a literatura pesquisada, pode-se exemplificar como formas de maus tratos: · Maus-tratos físicos: São ações em que se constata o uso de força física que pode produzir lesões, feridas, dor ou incapacidade ao idoso. E resultam em fraturas, hematomas, queimaduras ou outros danos físicos. · Maus-tratos psicológicos: São ações em forma de ameaças, de infligir pena, dor, angústia, preconceitos, humilhações, ridicularização, infantilização através de expressões verbais ou não verbais. · Abuso financeiro ou material: Consiste na exploração imprópria ou ilegal ou uso não consentido de recursos financeiros, como apropriação de aposentadorias e pensão. · Abuso Sexual: É o contato sexual não-consentido. Pode ser de caráter homo ou heterossexual, por meio do convencimento, força física ou ameaças (pode também ser classificado como maus-tratos físicos). · Negligência: Pode ser passiva quando é conseqüência de um desconhecimento ou incapacidade por parte do cuidador, ou ativa quando é realizada intencionalmente. Ocorre quando há falhas no atendimento das necessidades básicas do idoso, no que diz respeito à alimentação, vestimenta, higiene e terapia medicamentosa. · Auto-negligência: Refere-se à condutas pessoais que ameacem a saúde ou a segurança do indivíduo. O idoso se recusa a adotar medidas necessárias a si mesmo como não tomara medicamentos prescritos, não seguir as orientações do cuidador ou da equipe da saúde. · Abandono: É a ausência ou deserção da pessoa responsável pelo idoso à prestação de cuidados básicos. Fatores de risco Os principais fatores de risco que desencadeiam a violência no seio familiar são: histórico de doença mental do agressor e da vítima; dependência financeira entre vítima e agressor; histórico familiar de violência por parte do agressor e da vítima, isolamento social do idoso, estresse do cuidador causado pela sobrecarga e frustração constantes que exigem o trabalho e cuidar (FERNANDES; FRAGROSO, 2003). Sinais e sintomas De acordo com BRASIL (2002) no Caderno de Atenção Básica, e, Figueiredo e Tonini (2006), são evidenciados alguns sinais e sintomas segundo cada tipo de maus-tratos, as quais: agressões físicas, psicológicas, abuso sexual, negligência e auto-negligência, abuso financeiro. Nos abusos físicos, verificam-se arranhões, contusões, equimoses, hematomas, edema do couro cabeludo, marcas de queimaduras, corda ou contenção nos punhos e cotovelos. São marcas dos abusos psicológicos, os comportamentos bizarros diretamente atribuídos à demência como chupar dedo, morder, balancear para frente e para trás, transtornos neuróticos como depressão, recusar-se a dialogar, introspecção e transtornos de conduta. As conseqüências de abuso sexual são as lesões, prurido,doenças sexualmente transmissíveis, problemas gastrointestinais, distúrbios alimentares, dor abdominal, dismenorréia, distúrbios nos padrões do sono, ansiedade, medo, auto-estima diminuída, dificuldades com os relacionamentos íntimos. Os sintomas específicos da negligência e auto-negligência, por sua vez, são sinais como: a desidratação, desnutrição, higiene precária, úlceras de pressão, escoriações e inaptidão ao tratamento, relativo ao acompanhamento médico, terapia farmacológica. E, por fim nos casos de abusos financeiros, o idoso tem seus bens usurpados pela família. Perfil da vítima e dos agressores O perfil característico do agressor e da vítima é de suma importância para investigar se os sinais e sintomas, conseqüentes das agressões cometidas contra os idosos. Uma vez que, facilitará na avaliação exame físico, na assistência e prestação dos cuidados pela equipe de saúde. Segundo Machado e Queiroz (2006), estabelecem como o perfil básico da vítima como: mulheres com setenta e cinco anos de idade ou mais, viúvas, física ou emocionalmente dependentes e na maioria das vezes residindo com os familires. Enquanto ao perfil dos agressores, a violência é causada pelos próprios filhos dos idosos, geralmente homens adultos e de meia idade, seguido pelo cônjuge ou companheiro, noras, genros e depois pelos vizinhos. Instrumentos de detecção da violência De acordo com Souza et. al (2010), existem atualmente dois instrumentos adaptados e selecionados na literatura nacional utilizados para o rastreio da violência contra os idosos. O Caregiver Abuse Screen (CASE) e Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test (H-S/ EAST). O primeiro, de origem canadense, aborda aspectos físicos, psicossociais, financeiros e a negligência sem censurar os atos e comportamentos violentos. Os seus itens estão voltados para as relações interpessoais do que o contexto social. É de fácil aplicação e com respostas organizadas em "sim" e não. Porém não avalia dimensões importantes, como autonegligência, abandono e violência. O Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test (HS/ EAST) surgiu nosEstados Unidos, identifica os sinais diretos ou suspeita de abuso em idosos, não focaliza apenas os sintomas específicos da violência. Os itens aplicados são risco de abuso psicológico e físico, violação dos direitos pessoais ou abuso financeiro. Ele também pode ser utilizado para identificar as necessidades dos entrevistados, como transporte, cuidados pessoais e aconselhamento referente ao mau uso de substâncias . Este instrumento não avalia a autonegligência, abandono e violência sexual. Locais para Denunciar De acordo com Oliveira (2002), os idosos não denunciam, pois temem a represália dos agressores, que consiste em não receber mais cuidados dos quais necessitam, uma vez que, os mesmos sentem medo de serem abandonados em asilos ou agravar a situação. E considerando que quanto mais dependente for o idoso, maior o risco de ser vítima de violência, assim os familiares e profissionais de saúde devem estar atentos à detecção de evidências de agressões. À equipe de saúde, é importante a percepção na identificação das formas de violência; e, em todo caso, suspeito ou confirmado, notificar segundo a rotina estabelecida em cada município e encaminha-los aos órgãos e instituições, conforme BRASIL (2008), Guia Prático do Cuidador: a) Delegacia Especializada da Mulher; b) Centros de Referência da Mulher; c) Delegacias Policiais; d) Conselho Municipal dos Direitos das pessoas idosas; e) Centro de Referência da Assistência Social (CRAS); f) Ministério Público; g) Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS); h) IML. Sabe-se que infelizmente, poucos são os casos notificados nos serviços de saúde de agressão contra os idosos. O ministério público é um dos principais órgãos de proteção, que para tanto, poderá utilizar medidas administrativas e judiciais com a finalidade de garantir o exercício pleno dos direitos das pessoas vítimas de violência. Portanto, deve a sociedade civil, conselhos estaduais e municipais e demais órgãos de defesa dos direitos, procurar o Ministério Público, pois somente este utilizará medidas administrativas. Ressalta-se ainda que, em caso do profissional da saúde não conceder esse respaldo ao idoso, ou seja, não realizar a denúncia, o mesmo, deve responder por tal crime, onde passa a ser o autor da infração penal, como explicita o Artigo 19 do Estatuto do Idoso. (BRASIL, 2003) Considerações finais A literatura consultada revela que a prática de atenção à saúde do idoso deve proporcionar sua inclusão e manutenção na família, de forma digna, confortável, respeitosa e ética. A violência doméstica contra os idosos é um tema complexo de difícil constatação, de poucos casos notificados e de pouca orientação para as equipes de saúde e para população, o que contribui para a perpetuação do problema. Diante deste panorama, cabe aos geriatras, gerontólogos e outros profissionais de saúde elaborarem estratégias e instrumentos na identificação de maus-tratos visando combatê-los no âmbito familiar. Aos órgãos governamentais, cabem facilitar a divulgação dos dados para a população, por meio de propagandas, programas sociais e redes de apoio para proteção e auxílio aos idosos vitimados. Constatou-se também neste estudo que são recentes e escassas as pesquisas sobre a temática no Brasil, o que traduz um limitado número de profissionais engajados nessa área de pesquisa científica, como mestres e doutores. E somente por meio do maior entendimento, aprofundamento e desenvolvimento de pesquisas, serão criadas condições para a prevenção da violência doméstica. Referências Bibliográficas: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas. Violência intrafamiliar: orientações para prática de serviço. Brasilia, 2002. Cadernos de Anotação Básica, n.8. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/violencia_intrafamiliar8.pdf. Acesso em: 26 jul 2011. BRASIL. Ministério da Justiça. Lei 10.741, de 1 de Outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso. Disponível em: http://www.mds.gov.br/suas/arquivos/estatuto_idoso.pdf. Acesso em: 17jul. 2010. BRASIL Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde Guia Prático do cuidador. Brasilia, 2008. Disponível em: . Acesso em 12ago. 2010. DAY, V. P. Violência doméstica e suas diferentes manifestações. Revista Psiquiatria. Rio Grande o Sul, v.25, suppl.1, Porto Alegre, abr, 2003. FERNANDES, M. G. M.; FRAGROSO, K.S.M. Violência doméstica contra idosos: caminhos para identificar evidências sutis. A terceira idade. SESC São Paulo, v.13, n.25, ago, p.26-35, 2002. FIGUEIREDO, N. M. 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São Paulo, v.13, Número Especial, Parte I, p.176-180, 2000. RITT, C. F. Violência doméstica e familiar contra o idoso: o município e a implementação das políticas públicas previstas no estatuto do idoso. 175p. Tese (Mestrado em Direitos Socais e Políticas Públicas) - Programa de Pós- Graduação em Direito. Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC, 2007. SOUSA, D. J., et al. Maus-tratos contra os idosos: atualização dos estudos brasileiros. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol, Rio de Janeiro, v.13, n. 2 p. 321-328, fev. 2010. SOUZA, et al. Fatores de risco de maus-tratos ao idoso na relação idoso/cuidador em convivência intrafamiliar. Textos Envellhecimento, Rio de Janeiro, V.7, n.2, p.63-85, mar. 2004.
Autor: Gabriel Brassi Silvestre De Oliveira


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