Os Dez Mandamentos



OS DEZ MANDAMENTOS
INTRODUÇÃO
Leis proibitivas de perjúrio, adultério, roubo, assassinato e cobiça. Tudo isso pode causar estrago numa sociedade que depende de estabilidade. Mas, ao longo dos Séculos, essas leis foram interpretadas de modo diferente. Algumas sociedades as seguiram ao pé da letra em determinado tempo, outras não. Aceitamos o mandamento que trata do adultério, mas, não o que trata da cobiça. Essas leis ainda têm lugar numa sociedade moderna? O que essas proibições significavam então? Teriam algum significado hoje?
Moisés foi o mais importante profeta do AT(f), ele liderou os hebreus na saída do Egito e pela jornada no deserto. Ao chegar ao Monte Sinai, o povo iria receber a codificação da aliança, o modo como deveriam viver. Subiu ao monte e, em baixo, esperavam o seu líder que se demorava. Na ausência de Moisés, se impacientaram e liderados por Arão (irmão de Moisés) confeccionaram um ídolo de ouro. Depois de 40 dias, Moisés desceu do monte trazendo duas tábuas, cobertas de inscrições que ninguém no acampamento leria. Quando Moisés viu o bezerro de ouro, coberto de jóias, e Arão e os outros dançando em volta dele, viu que o povo havia sucumbido à idolatria(f). O povo já havia desobedecido dois dos mandamentos e furioso, destruiu ambas as tábuas (Ex 32.19).
Moisés voltou a subir a montanha, no seu retorno, com elas reescritas, foram guardadas em uma arca de madeira recoberta com ouro(f): A Arca da Aliança, feita segundo as especificações de Deus. (Ex. 25.10) Em 930 a.C., a arca foi instalada no templo erguido pelo rei Salomão, em 587 a.C. os babilônios destruíram este templo e a arca desapareceu junto com as tábuas,assim como outras relíquias religiosas, ninguém sabe onde foram parar, foram procuradas por gerações de aventureiros e arqueólogos. Mas, para fins práticos, elas não existem mais.
O que exatamente estava escrito nas tábuas? Nos Séculos seguintes, a história dos Dez Mandamentos foi reeditada por diversas mãos e tirada do seu contexto. Há cerca de 630 mandamentos na Bíblia e o judaísmo não os conceberam necessariamente. Os DM ficaram famosos pois, temos 10 instrumentos mnemônicos no final dos braços. Dez é fácil de lembrar. Blocos, notas, slogans, etc. Todos adoram listas.
PARTE I
Os Dez Mandamentos, a Palavra de Deus talhada na pedra, um símbolo sagrado descrito no livro do êxodo e do Deuteronômio. Moisés os recebeu em duas pedras e a tradição divide em duas partes, a primeira diz como Deus deve ser adorado: 1) Amarás ao Senhor teu Deus sobre todas as coisas.2) Não retratarás este Deus. 3) Não tomar Seu santo nome em vão. 4) Guardar o dia santo. 5) Honrar pai e mãe. 6) Não matar. 7) Não cometer adultério. 8) Não roubar.9) Não levantar falso testemunho. 10) Não cobiçar as coisas do próximo.
Esses poderiam ser os primeiros de muitos mandamentos. Eram os que foram gravados na pedra como símbolo da aliança. Todos ouviram esses dez, e quando ouviram, ficaram tão envergonhados que disseram a Moisés: "É com você agora... não conseguimos ouvir tudo". Então Moisés ouviu de Deus o restante da Lei, ou, os cinco primeiros livros chamados de Toráh (Genesis, Êxodo, Levitico e Deuteronômio).
Os mandamentos são como Jesus disse indiretamente, um sumário das leis de Deus. Exige que sempre os leiamos para entendermos as implicações dos Dez Mandamentos.
Em 1134, um rabino e filósofo chamado Maimonides, estudou o Pentateuco e decodificou todas as suas leis, listou 613 ao todo. Mas, não são conhecidas como mandamentos. A razão e que tratam de rituais antigos que se tornaram obsoletos, como a maneira de coletar os dízimos, sacrifícios e banquetes rituais, etc.
Curioso notar que muitas destas leis, entraram no sistema legal de muitos países ocidentais, como os EUA. Os Dez Mandamentos são importantes não só como direito material, mas também, como processual. Por exemplo. Não se pode incriminar alguém sem provas (Quinta Emenda). Outra é a inflexível proibição do assassinato, ou homicídios dolosos. No caso de homicídio culposo, se tinha o direito de fuga para se evitar a vingança.
Segundo a Lei de Moisés, qualquer pessoa faminta podia entrar na plantação de alguém e comer, mas, sem levar (isto sim seria roubo).
Por que essas idéias foram esquecidas? Os Dez Mandamentos evoluíram e se tornaram dez leis especiais da tradição cristã ocidental. Um líder, Rei, monarca, por exemplo, pode considerar algumas e desprezar outras (principalmente as que falam dos direitos dos pobres).
Mesmo os que priorizam os Dez Mandamentos, não vêem o conteúdo no todo, os Dez Mandamentos chegaram a nós de duas maneiras diferentes: A versão mais antiga está no Êxodo. A segunda versão e parte da revisão geral das leis... o livro de Deuteronômio.
Os Dez Mandamentos deveriam ser leis para unir, mas, há versões diferentes. Os judeus e os cristãos editaram-no de maneira diferente por causa da tradução de algumas palavras. Exemplo: A posse de escravos, onde tenta-se reinterpretar alguns textos e onde a palavra correta é escravo, traduz-se por trabalhador. Apesar das variáveis, todas as versões começam com uma ordem básica e imutável: Não ter outros deuses. Havia muitos outros deuses que os povos em torno dos hebreus adoravam como os cananeus que, como muitos outros que floresceram nesta época, tinham uma forma de culto à fertilidade e seu deus mais conhecido era baal (f). Era o deus da fertilidade e da chuva. Fertilidade do solo, dos animais e das mulheres.
Os cultos à fertilidade dos cananitas tinham um semelhante nos babilônicos onde se usavam prostitutas rituais no templo. A prostituição ritual era comum e entendida como um tipo cultural de hospitalidade, onde os forasteiros eram recebidos por prostitutas.
Este costume evidentemente não agradava ao Deus de Moisés e 58 dos 613 mandamentos tratam de proibições sexuais tipo sexo errado entre pessoas erradas e em momentos errados. Quando o Êxodo lista os Dez Mandamentos pela segunda vez, a idéia de transgressão sexual se torna mais explícita com a proibição de casamentos inter-raciais com os cananeus em Êxodo 34.14-16. Com o passar do tempo, baal, osíres, astarote e outros deuses do mundo antigo desapareceram e a idéia de um único deus foi abraçada por diversas culturas diferentes.
Obra de arte? Ou para alguns, a personificação do pecado e uma transgressão clara do segundo mandamento? Depende. Quase todas as religiões tem sua forma de arte sacra mas, em alguns momentos, esta arte entrou em choque com o segundo mandamento a partir do Século IV d.C. As igrejas romanas encheram-se de esculturas, afrescos, mosaicos, etc, que descreviam a vida dos santos e histórias da Bíblia. A tradição chegou ao auge na Idade Média onde a missa era realizada em latim, uma língua que os fiéis não entendiam e a explicação para as imagens era uma frase de Gregório de que as imagens eram a Bíblia dos pobres e podiam inspirar a fé e a moralidade. Crucifixos eram esculpidos, pintados e tratados como relíquia para os incultos. Mas, na realidade, esta arte desobedecia ao segundo mandamento e as conveniências em torno de um único deus. Na tradição hebraica, a proibição consiste em proibir a arte sacra pois, o texto de Êxodo 20.4, é claro - figura alguma. No mundo antigo, as representações de deuses eram corriqueiras e a idéia de que o deus dos hebreus não poderia ser representado de nenhum modo, era um modo eficaz de os hebreus diferenciarem seus rituais e suas crenças, já que todos que os cercavam, eram habituados e incentivados a retratar os seus deuses.
A estátua, pintura, etc, é algo material: Argila, bronze, madeira, ouro, etc é algo tangível e o deus dos hebreus por sua vez, é intangível. Portanto, adorar (ou venerar) uma estátua, um ídolo ou uma pessoa representada ali é divinizar algo que não é divino.
O cristianismo abraçou boa parte do Velho Testamento e tinham o Novo Testamento em que Jesus redefine o VT quando lhe foi perguntado qual era o maior dos mandamentos e ele dá uma resposta dupla dizendo: "Amarás Teu Deus e o segundo, semelhante a Este é amar o próximo como a ti mesmo".
O Alcorão fala explicitamente de Jesus, aceita-o como um profeta importante mas, também fala que os cristãos aceitaram Jesus como deus e isso tornou-se um problema pois, há "ídolos" de Jesus em igrejas do mundo todo e, para os muçulmanos, isso é idolatria.
A antiga Igreja Católica, ao traduzir os Dez Mandamentos, omite a proibição de imagens e preferiu interpretar a proibição de imagens afirmando que ela se refere a "Outros deuses". Para os primeiros líderes católicos, a proibição era para os deuses de outras religiões.
No Séc. XVI, liderados por Hernan Cortez, (f)os espanhois chegam ao México destruindo os ídolos dos astecas e substituindo-os por estátuas de Maria, Jesus e dos santos. Mas, logo a igreja provaria de seu próprio remédio: Nos Séculos XVI e XVII, cresceu na Europa uma revolta contra alguns rituais, em especial a veneração de relíquias e santos com visitas, romarias, e, ofertas. Faziam contato físico, beijavam, seguravam, etc. Para alguns, isso era idolatria. Os suntuosos altares e templos eram sinais de materialismo. Sinais evidentes da corrupção que manchava a Igreja Católica. Com o surgimento do protestantismo no Séc. XVI, esses objetos foram os primeiros alvos sendo quebrados e queimados, algumas vezes em praça pública.
Na França quando alguns templos católicos foram esvaziados, ao redor da fogueira se recitava repetidamente o segundo mandamento e nos lugares onde estavam os ídolos, foram pintados os Dez Mandamentos. Católicos devotos revidaram e a Europa foi sacudida por quase um Século de lutas religiosas e guerras civis, principalmente na França, Alemanha e Irlanda, onde ainda hoje ainda existe tensão religiosa.
Depois da Reforma, os Dez Mandamentos tomaram o lugar das imagens nas igrejas e ninguém menos que Henrique VIII(f) ajudou isso a acontecer nas nações de língua inglesa. Em 1528, irritado com a negativa da anulação de seu casamento. Autorizou que a Bíblia fosse impressa e distribuída em inglês, tornando-a disponível aos leigos. Esse foi o ato mais revolucionário do reinado de Henrique VIII.
Durante séculos, a Igreja Católica detinha o monopólio do conhecimento religioso, as missas eram realizadas em latim (uma língua que ninguém entendia) e as interpretações das escrituras eram reservadas apenas à alta cúpula da Igreja Católica. Com a Bíblia, o leitor tornou-se um intérprete em potencial e a igreja temia isso, já que grande parte de seus ensinos, eram (e são) não bíblicos, digamos assim.
A Igreja Católica acreditava que as palavras da Bíblia eram uma fonte de poder e que poderiam ser usadas para o bem e para o mal. Essa crença remonta a época de Moisés quando as palavras eram mais que palavras, juramentos eram finais, maldições eram fatais e nomes eram sagrados. Vários textos eram considerados mágicos e as pessoas evocavam nomes de vários deuses, pois, acreditavam que isso lhes dava poderes sobrenaturais. A idéia de controlar alguém usando nomes ou invocar deuses era proibido para a mentalidade hebraica. Um aspecto de não usar o nome de Deus em vão é entender o básico: "Eu Sou O Criador e vocês são as criaturas. Vocês não Me dizem o que fazer, Eu ordeno o que fazer".
Os egípcios acreditavam que usar o nome dos deuses conferia poderes mágicos e se alguém escrevesse o nome de algum inimigo e destruísse onde este nome estava escrito, ele poderia morrer.
"Tomar o nome de Deus em vão" é simplesmente entender que não temos poder sobre Deus, nunca. Não podemos querer que Ele faça a nossa vontade. Na tradição hebraica, não se pronunciava o nome de Deus, expresso pelo tetragrama JHVH, assim, precisaram usar outra palavra no lugar. Quem jurava, tinha que fazer com cuidado pois, chamava Deus para testemunhar e evidentemente, não podia prometer o que não podia cumprir. Diferente do que se faz hoje quando jura-se por deus por qualquer coisa.
O ato de Jurar por deus foi retomado pelos puritanos no Século XVII e esse costume se consolidou na tradição norte-americana nos juramentos dos presidentes (f), onde fica explícito que um juramento é feito a um homem, mas, testemunhado por Deus. Este homem que jura, concorda em dizer ou praticar algo e no caso de mentira, o Deus que testemunhou trará punição para o que jurou falsamente.
A partir daí, a ênfase mudou das imagens para as palavras, para serem ouvidas com cuidado. Jurar por deus no mundo antigo, significava que a pessoa chamava deus para testemunhar. Blasfemar, jurar, praguejar, tomar o nome de Deus em vão; isso é feito o tempo todo por nós, mas, na antiguidade, as palavras tinham supostamente poder como mostra o Terceiro Mandamento (Não tomar o nome de Deus em vão, Ex 20.7), na tradição hebraica não são apenas leis escritas mas, dez alocuções, daí o nome grego: Decálogo.
O Sabath, ou dia de descanso, era a idéia mais original dos mandamentos, nenhuma das outras culturas reservava um dia inteiro para descanso e meditação. Foram os israelitas que fizeram do sábado um dia separado (o quarto mand. Ex. 20.8) onde Deus instruiu o povo a lembrar-se do sábado. O povo deveria obedecer alguns preceitos e não só se lembrar do dia. O mandamento ordena que ninguém deveria trabalhar no sábado, nem os animais. Nas sociedades antigas, o descanso de homens e animais fazia sentido, mas, a definição de trabalho em uma época em que tudo dependia de esforço, a obediência a isso logo se tornou um impasse. Na época de Jesus, a lista do que não se podia fazer no sábado era imensa, as ações proibitivas eram 39, como escrever mais que duas letras do alfabeto ou tomar remédio, colher mais que uma espiga, debulhá-la então, nem pensar. Nenhum objeto maior que um figo podia ser carregado. Até Jesus foi censurado por ter curado um cego no sábado (f) (Jo 9.16).
Os antigos cristãos, sob o Imperador Constantino em 321 d.C. mudaram o dia de descanso de sábado para o domingo pois, este, tinha um novo sentido: O dia em que Jesus ressuscitou. A idéia do dia de descanso era para honrar o dia em que Jesus se ergueu dos mortos. Os antigos cristãos reuniam-se de manhã e usavam o resto do dia para descanso e recreação. No Século XVI, os puritanos na Inglaterra e, posteriormente nas colônias começaram a guardar o sabath (domingo) com o fervor dos fariseus. Eram comunidades teocráticas que pensavam em cumprir a lei de Deus na terra. Em Massashussets, era proibido rir e brincar, só se podia ir à igreja. A transgressão reincidente era punida com açoites.
As colônias tornaram-se independentes em 1789, em Conecticut, um viajante foi preso por andar a cavalo no domingo, era George Washington, nem o presidente estava acima das leis. Pela lei americana, um presidente tem que assinar um projeto de lei em 10 dias, menos no domingo, essa clausula vigora ainda hoje. A maioria das atividades econômicas cessa no domingo e no Texas, algumas cidades ainda no Século XIX, só se podia vender o necessário para aquele dia, não se podia comprar um martelo nem pregos, nem cadarços. No Século XX, durante o esforço de Guerra é que essas leis foram abolidas.
Os mandamentos foram os precursores do direito ocidental mas, hoje, não temos leis específicas que proíbem algumas coisas que estão nos mandamentos. Os primeiros cinco mandamentos tratam da relação do homem com Deus e da aliança estabelecida entre ambos. Os outros cinco não eram punidos só por Deus mas, também pelo homem, já que tratam das relações entre os homens.
Parte II
Os 1º Mandamentos, a palavra de Deus talhada na pedra, um símbolo sagrado descrito no êxodo e Deuteronômio. São divididos em duas partes: A primeira como Deus deve ser adorado- 1- Amarás a Deus sobre todas as coisas; 2- Não retratarás este Deus de nenhuma forma; 3- Não tomar seu santo nome em vão; 4- Guardar o dia sagrado; 5- Honrar pai e mãe; 6- Não cometerás assassinato; 7- Não cometerás adultério; 8- Não roubarás; 9- Não levantarás falso testemunho; 10- Não cobiçar as coisas do próximo.
Todas são leis religiosas e morais, leis que deram à nova sociedade os meios de se relacionar com Deus e com o próximo. Mas, um mandamento é especial pois, faz a ponte entre as leis religiosas e morais: o quinto - Honrarás pai e mãe, os elos entre a próxima geração do povo... Para que teus dias se prolonguem sobre a terra (Ex 20.12).
Na era bíblica, era questão de sobrevivência, quem vivia em aldeias, ou seja, algumas famílias estendidas, todas as propriedades eram comunitárias e as tarefas eram também compartilhadas como arar, irrigar, colher, etc. Cada membro tinha um papel importante e crucial a desempenhar. A estabilidade deste grupo tinha implicações econômicas não só para a sobrevivência dela, mas, para todas as famílias que dependiam da terra para seu sustento e sobrevivência.
Nestas comunidades, a propriedade passava do pai para o filho mais velho, que também tinha a obrigação de sustentar os pais que já não tivessem mais condições de trabalhar e os outros irmãos mais novos. Assim, não fazer isto era arriscar o futuro de toda a família.
A estrutura familiar na antiga Israel era a chave para a sobrevivência física e financeira. Se fosse desestabilizada pelo adultério, pela irresponsabilidade e por não viver segundo as expectativas econômicas, as implicações seriam catastróficas. Era um princípio partilhado pelas comunidades que estavam em constante luta pela sobrevivência.
Séculos depois na América, os puritanos tinham outra interpretação dos mandamentos com punições extraídas do livro de Levítico: "Quem amaldiçoar pai e mãe será punido com a morte" (Lev 20.9). Em massashusetts no Século XVII, um filho rebelde e teimoso podia ser condenado à morte e existem registros de processos neste sentido, mas, não evidências que a pena tivesse sido aplicada. Para os puritanos e para os israelitas, é natural que a lei sobre os pais encerrasse a primeira metade dos 10 mandamentos, ou as leis que regiam o relacionamento dos homens com Deus.
A segunda metade é a que mais se parece com os códigos penais da atualidade e chegam a fazer parte da tradição legal norte-americana. Existe uma série de leis e princípios que precisam existir para vivermos em sociedade e os mandamentos nos dizem como fazer isto. Muitos mandamentos tratam de leis de propriedade: Um conceito novo para um povo que vagava pelo deserto e que tinha sido escravo no Egito, um povo errante no deserto e agora, em território fixo em poucos anos.
Os 10 mandamentos certamente regulam a relação entre as pessoas quanto aquilo que possuem: Não cobiçarás os bens do seu próximo, não dormirás com a mulher do seu próximo, não levantarás falso testemunho e não matarás. Nada se diz sobre o aborto, a pena de morte nem atividades militares. Inclui todo tipo de morte? Um mosquito, uma galinha, um boi, etc? É preciso contextualizar. Com apenas duas palavras, uma proibição relativamente simples se tornou um dos mais controvertidos mandamentos.
A Bíblia como o mundo moderno está cheia de histórias de crimes e assassinatos, acidentais e premeditados. O que significa então "Não matarás"? Há duas palavras em hebraico, uma significa "matar" e a outra, "assassinar". Nos mandamentos, a palavra corresponde a "assassinar" e não matar. O problema de interpretação é que o termo para "matar", nos mandamentos e em outros lugares não se refere a "assassinar" e sim a "matar". Neste sentido, a lei é ambígua, ou seja, tornou-se o ponto de discórdia entre a relação ? vida e morte. Nada é dito sobre aborto, pena de morte ou atividades militares. Então, questões de interpretação e de tradução predominam.
Crimes, guerras e assassinatos abundam no VT, de Caim e Abel, Moisés, Davi, etc. Moisés, por exemplo, assassinou, depois, organizou um exército para combater os amalequitas. Mortes por execução eram comuns para quem violava os mandamentos. A pena por violar o sabath, o adultério e o perjúrio era a morte por apedrejamento, mas, no caso de assassinato, há outras leis entre as 630 em que Moisés leva em conta os motivos e circunstâncias onde matar era permitido: Em legítima defesa, durante as guerras e nas execuções. O que era mais temido nas comunidades antigas era matar alguém sem motivo, quem fazia isto, era visto como uma ameaça para a sociedade.
Em Deuteronômio, aparece o princípio "hamurábico" do "olho por olho, dente por dente", não como um apelo à vingança mas, como uma forma de contenção, ou seja, o princípio da proporcionalidade entre falta e castigo.
Com a ascensão do império romano pouco antes de Cristo, o direito romano aboliu todos os princípios legais dos povos dominados. Na ocupação romana, todos os crimes tinham que passar pela jurisdição romana, os judeus e os primeiros cristãos, não podiam aplicar a lei de Moisés sem a autorização da autoridade romana.
Após a queda do Império Romano e sua invasão pelos bárbaros, a pena para os assassinatos deixou de ser a morte e essa era uma rotina em uma sociedade guerreira. Para evitar disputas, às vezes era aplicada a verguelt como forma de compensação à família do morto e dependia de quem ele era na sociedade, da elite ou pobre e os valores eram evidentemente diferenciados.
As antigas leis e punições voltaram aos poucos a partir de 1060 d.C. quando o sistema feudal se sedimentou, outra vez, os pais comandavam as famílias, nobres comandavam vassalos e o rei, com a ajuda da igreja, respondia somente a Deus.
Nos três séculos seguintes, os mandamentos foram impostos violentamente, as vidas não valiam nada, as execuções valiam para praticamente qualquer crime, é incalculável o número de execuções na Inglaterra durante a Idade Média. A maioria das pessoas não tinha muitos bens e se matavam por qualquer coisa. Segundo as leis medievais, não havia grau de assassinato e às vezes o veredicto era decidido em combate. Existia ainda o ordálio, presente em quase todas as culturas desde a Pré-História, uma espécie de "teste" onde o deus ou os deuses determinavam a culpa ou a inocência do acusado. O teste variava de cultura para cultura dependendo do grau de sistematização das leis. Havia o ordálio com fogo, água fervente, lamber uma panela quente e de acordo com a queimadura, determinava-se a inocência ou a culpa do acusado. Em 1215, a igreja decretou o fim da prática e o substituiu por um sistema que se aproxima do sistema de júri.
Oficialmente, havia ainda duas escolhas: Culpado ou inocente, mas os jurados, normalmente pessoas próximas do acusado, seguiam leis tácitas e o acusado era julgado pelo que se sabia sobre as circunstâncias do crime. Quando o sistema chegou a América, tentou-se adaptá-lo ao sistema de leis oficiais. A primeira colônia a usar graus de homicídios foi a Pensilvânia onde as execuções foram banidas, menos as por traição e latrocínio. Foi um marco no sistema legal e um retorno ao sistema hebraico da proporcionalidade da pena à falta.
Foram implantadas dezenas de atenuantes para o assassinato, dentre muitas, uma está ironicamente relacionada a outro mandamento quando o ultrajado pelo adultério, podia matar para "lavar a honra".
Hoje é tema do novelas, filmes e alimenta tablóides, peças de teatro, comédias, mas, nos tempos bíblicos, não tinha graça nenhuma e o assunto era sério.
O adultério não é ruim só porque é sexualmente imoral, o adultério tinha conseqüências econômicas catastróficas. A terra estava associada a famílias bem delimitadas, era preciso saber claramente quem herdaria a terra. Antigamente em Israel, só os homens podiam herdar a terra e era preciso que estivesse claro quem era filho de quem e como a terra seria distribuída. Para as mulheres, ter um filho era questão de sobrevivência e se uma mulher casada não o tivesse, sua situação ficava difícil, não podia herdar a terra e esta podia passar para um parente mais próximo. No caso de viúvas sem filhos, um irmão ou parente do marido a desposava e lhe possibilitava um filho e este, era considerado filho do marido morto para que a linhagem continuasse e a herança ocorresse.
No mundo antigo era a mulher que pagava pelo adultério, mesmo que o homem com que ela adulterasse também fosse casado. No ano 18 a.C. o imperador Otávio alarmado com o alto grau de promiscuidade (mesmo para os padrões romanos) decretou leis que puniam o adultério com a morte ou o exílio. Maridos tinham o direito de matar adulteras pegas em flagrante mas, as transgressões continuaram, tanto que Otávio teve que banir a própria filha devido ao crime.
Depois da queda Roma no Século V, o adultério deixou de ser um crime grave. Para os bárbaros e depois para os senhores feudais, não havia posse de terra nem herança sagrada. Linhagem, herança e adultério eram preocupações dos nobres.
No Século XV, Henrique VIII tornou o adultério crime de alta traição, ele próprio, um adúltero pertinaz, teve muitas esposas e filhos ilegítimos. Tudo isso mudou no século seguinte: Para os puritanos no Século XVI, mesmo onde a terra era abundante (na América), o adultério voltou a ser um crime grave em todas as classes. A pena em Massashussets, por exemplo, era a morte, mas, essa lei não foi aplicada mais a partir do século seguinte. Todavia, continuou sendo uma falta grave onde a mulher sofria uma série de maus tratos como ter a cabeça raspada em público, as vestes rasgadas. Outro exemplo era a "Letra escarlate", celebrizada na obra do escritor Daniel Hawthorne e celebrizada no filme com o mesmo nome que conta uma estória ocorrida em 1666 onde as adúlteras tinham que andar com a letra "A" bordada na frente da roupa. Um castigo vexatório que marcava irreversivelmente a pessoa.
Havia outros castigos como ficar presa no tronco, ter a cabeça raspada e afogamento. A mulher era punida pela sociedade e depois era discriminada. Era uma forma de punição que procurava fazer com que ela se redimisse de seu erro além de servir de exemplo para outras. A punição para as reincidentes poderia chegar a morte por enforcamento ou o exílio.
O adultério era punido pela razão pela qual outros crimes sexuais também eram. Os puritanos acreditavam que não havia crime sem vítimas. Um conceito moderno que não entendiam. Se pessoas cometessem sodomia, adultério, fornicação... Deus poderia castigar toda a comunidade, o "castigo de Deus". O castigo buscava sobretudo, evitar que pessoas adulterassem; nunca conseguiram, é claro.
Com o crescimento do país, ficou mais difícil policiar o adultério, assim como outros crimes sexuais. No começo da república, a sociedade era muito mais diversificada e complexa. Havia cidades cheias de estranhos, recém chegados, cafetões, marinheiros, prostitutas, aventureiros, etc. Então, o sistema de justiça criminal baseado em vizinhos vigiando outros, começou a enfraquecer até desaparecer.
No período do Século XiX o adultério continuou sendo ilegal mas, só era levado a juízo se fosse notório. As novas regras sobre adultério são um bom exemplo da chamada "Concessão vitoriana", ou seja, a compreensão de que vícios, pecados e crimes contra a moralidade não podem ser eliminados pois, fazem parte da "Natureza humana". Tudo que a sociedade pode fazer, é tentar contê-los a nível pessoal e nada mais.
Alguns atos esporádicos, clandestinos e ilegais ainda subsistem ainda subsistem. O adultério era julgado nos tribunais e quando em conseqüência dele (o adultério) acontecia um assassinato, mas, ironicamente, havia uma lei tácita: "Se você matar o amante de sua mulher será absolvido" mesmo que a lei não indicasse isso.
No Século XX, o adultério, tornou-se irrelevante, foi descriminalizado, nos EUA e levou a lei de divórcio sem culpados. As pessoas tinham que buscar outros motivos para divórcio. Hoje, o adultério só é notícia quando envolve famosos: Bill Clinton, O.J. Simpson, príncipe Charles... Existe uma questão paradoxal, Bill Clinton sofreu um processo que quase levou ao seu impeahiment, não foi pelo seu ato em si, mas, por ter mentido dizendo que não tinha feito. A sociedade Americana tem uma visão conflituosa do sexo. Às vezes acham que é particular, não pode ser discutida em publico. Mas se a pessoa for famosa; não.
Hoje é mais passatempo que crime em uma sociedade ambivalente, mesmo hoje, nem todo país tem essa visão. Para o público moderno, é mais um motivo de piadas que um crime, a sociedade ambivalente é retratada em filmes, novelas, etc. Pensa-se não ser mais um pecado mortal. Mas, nem todo país moderno tem essa visão. A Nigéria, mulheres que tiveram filhos fora do casamento foram condenados á morte por apedrejamento. Em muitos países muçulmanos, assassinatos por honra e justiça com as próprias mãos são constantes.
Assim como o adultério o mandamento seguinte; não roubaras passa por várias fases. Em épocas e culturas. Foi considerado um crime mortal; O Ambiente Cultural fazia com que levasse um tapa nas mãos ou se seria cortada.
Desde que o homem existe, sempre ouve o bastante para impulsionar o roubo. O mandamento é claro! Não roubarás, mas o que constante roubo, assim como as punições mudou com o tempo.
No mundo antigo o roubo era definido como a intenção. Roubar comida para matar a fome não era considerado crime. Algumas das 613 leis existentes no V.T falam claramente dos restos que deveriam ser deixados aos pobres.
Tinham o direito de entrar nas propriedades e comer, mas não podiam levar. ``Não Roubarás ´´, não significava que ``os pobres devem morrer de fome´´.
O tipo mais comum de roubos no V.T eram o de animais, quando o ladrão era pego, e para cada animal roubado teria que pagar dois. A lei mosaica não previa a morte para os ladrões mas, este assumia o risco. ``Êxodo 22.1´´.
Com certa tolerância em outras culturas, os ladrões eram mutilados. Era uma forma de marcar irreversivelmente o infrator. Na Inglaterra no Século XIII, a morte era comum para os ladrões,qualquer tipo de roubo era punido com a forca, qualquer coisa que valesse mais que 12 pense que fosse roubado, era passível de punição capital, inclusive caçar nas terras do rei e as pessoas viviam sempre entre a vida e a morte.
Na América no Século XVI, as punições não eram mais aplicadas com tanto rigor, havia escassez de colonizadores mas, as penas de mutilação ainda aconteciam. No mundo antigo não havia peritos, fotografias, filmagens, etc. Então como saber quem era um risco para a sociedade? Marcando-os de maneira irreversível como a mutilação de dedos e mãos, comuns entre os muçulmanos. O objetivo era o de afastar os ladrões com uma punição severa, assim, todos saberiam quem era um ladrão e que não valia à pena roubar.
Na Idade Média, quando as terras e as riquezas pertenciam a uma minoria, o castigo por roubo era rigoroso. Na Inglaterra, tudo tipo de roubo era punível com a morte na forca. Era proibido caçar e pescar nas terras reais e o que comer quando não se pode caçar nem pescar? Como comer legalmente? As pessoas viviam entre a vida e a morte. Quando os colonos chegaram a América, as punições capitais não eram mais viáveis, pois, havia escassez de mão-de-obra. As execuções só aconteciam em caso de reincidência e a idéia de se prender alguém por anos era impensável.
Os puritanos retomaram o costume de marcar o ladrão de uma maneira que não o incapacitasse para o trabalho. O ferro em brasa na parte superior da mão era comum no Séc. XVII em Massashussets ou ainda ter a orelha amputada.
No século XVIII o roubo passou a se caracterizar de modo diferente, os que envolvessem agressão eram considerados mais graves, daí, entre roubo e furto, a pena também variava dependendo de quem era o criminoso Enron Koslowski, criminosos de colarinho branco consideram o roubo como ``contabilidade inovadora ´´.
Assim como o roubo, o próximo mandamento não mudou de nome: perjúrio, não é crime, mas, um "detalhe", no mundo antigo era crime grave, digno de um mandamento próprio: "Não levantarás falso testemunho". Um dos maiores problemas de todos os sistemas legais é falso testemunho ou acusar alguém falsamente de um crime. O Gênesis tem muitos exemplos, quando um crime era cometido, as provas de acusação eram verbais, não havia teste, perícias, provas, etc. A investigação era a entrevista de testemunhas e o questionamento ao acusado, muito dependia da confiabilidade do que era dito. Na lei mosaica quem levantava falso testemunho era submetido aos mesmos castigos do criminoso (Deut. 19.18).
Hoje, o julgamento e as testemunhas são pilares dos sistemas legais, se a testemunha não disser a verdade depois de jurar dizê-la haverá conseqüências, poderia ser preso ou pior. Hoje raramente se é processado, salvo no caso como já foi dito de famosos. Nos anos 50 nos EUA, muitos foram acusados de serem comunistas (o que não era crime) e o juramento foi amplamente usado, assim como a punição no caso de mentira aconteceu e muitos foram presos por negar sob juramento ser quando o eram.
O público se importa realmente com os dez mandamentos igualmente? Certamente que não. Escolhemos os que gostamos e que nos são convenientes e rejeitamos os que não gostamos por não nos serem convenientes. Aceita-se os mandamentos sobre o roubo, assassinato e adultério (principalmente) e não o que trata da cobiça.
O último mandamento pode ser o mais difícil de obedecer. O capitalismo, modo de produção que vivemos hoje, seria impossível se este mandamento fosse seguido pela maioria. Cobiçar, desejar, ansiar, invejar, tudo impulsiona o capitalismo. Os outros mandamentos se referem a ações, coisas que devemos fazer ou deixar de fazer mas, o último se refere às intenções:"Não cobiçarás nada que pertença ao próximo", como controlar nossos pensamentos e desejos?
As palavras como estão colocadas significam que não devemos cobiçar (Ex. 20.17), o livro de Deuteronômio acrescenta os campos do próximo e coloca a mulher no topo da lista. Segundo a lei mosaica, todos recebem uma porção de terra da tribo, a riqueza vinha da terra. Era distribuída de modo homogêneo e não podia ser cobiçada e nem tirada de seu dono. O mandamento não menciona ouro, prata ou objetos de luxo, mas, só artigos essenciais na época: Boi, jumento, mulher. Bens essenciais numa sociedade agrária.
Segundo alguns, a cobiça está por último nos mandamentos porque é a causa para a desobediência dos outros nove, em várias outras passagens da Bíblia, o verbo cobiçar vem acompanhado de outros como matar(assassinar), roubar, adulterar e tomar (Jos 7.21).
A distância entre a intenção e a ação é pequena, teremos problemas se dormirmos com a mulher de alguém, isso perturba a sociedade, desestrutura ou destrói famílias mas, a intenção, fazemos o tempo todo. Cobiçar o bem do próximo, também traz problemas: Vou fazer o possível e o impossível para ter o que o outro tem, ou seja, e execução da idéia.
Algumas sociedades tomaram medidas para se evitar essas tentações: As mulheres são mantidas dentro de casa para que outros homens não as vissem e as desejassem. Segundo o Alcorão, o desejo dos homens é incontrolável. Por isso as mulheres precisam ser discretas e quando precisam sair, usam trajes com véus e roupas como o "hijab" do islã, isto é restringido, separado. Procura assim evitar que a cobiça aconteça.
Se o mandamento ordena que não se deve cobiçar a mulher do próximo então, é melhor não olhar a janela do próximo enquanto uma mulher se despe.
Hoje, com as propagandas, novelas, filmes, marketing, e a comunicação de massa, como não violar este mandamento? Nossa economia de mercado é a da cobiça, estimulando o tempo todo a concupiscência da carne e dos olhos. Os mandamentos não são muito adequados para hoje. Essa percepção tem provocado muitos debates, a maioria dos países ocidentais são Estados laicos (separados da religião) mas, a religião é parte fundamental de nossa sociedade.
Os Dez Mandamentos tem sua unidade, pois, afirmam o bem comum, que somos seres religiosos cujos pensamentos e instituições supõem um ser superior e que há uma lei superior às nossas leis.
Os Dez Mandamentos tiveram grande influência nas leis e na moralidade ocidental, para alguns, os mandamentos pertencem ao passado, para outros não, pois fazem parte fundamental do sistema legal. A opinião geral é que hoje, eles não nos governam. Os legisladores afirmam que a vida, a família, o repouso, dizer a verdade, etc. são fundamentos de uma sociedade civilizada mas, temos que ter em mente que os mandamentos não são leis mortas, são princípios de um Deus vivo.




Autor: Francisco Gonçalves Lopes


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