INSTRUÇÃO NORMATIVA: É POSSÍVEL QUE INSTITUA PENALIDADES AOS CONTRIBUINTES NÃO PREVISTAS EM LEI CONSTITUCIONAL OU ORDINÁRIA?



INSTRUÇÃO NORMATIVA: É POSSÍVEL QUE INSTITUA PENALIDADES AOS CONTRIBUINTES NÃO PREVISTAS EM LEI CONSTITUCIONAL OU ORDINÁRIA?

Túlio Licinio Curvelo Garcia

Súmario: Introdução; 1. Dos princípios constitucionais tributários pertinentes ao caso 2. Do conceito de Tributo e Legislação Tributária 3. Vigência da Lei Tributária; 4. Responsabilidade por Infrações Tributárias; 5. Análise da Constitucionalidade e Legalidade da IN RFB n° 1.067/10; Conclusão; Referências bibliográficas

RESUMO
O presente trabalho trata da possibilidade de Instruções Normativas instituírem penalidades aos contribuintes não previstas por lei constitucional ou ordinária. Ou se assim o fizer, estará violando princípios constitucionais tributários. Estuda-se mais especificadamente a Instrução Normativa 1.067/10, que alterou os valores de mula para os contribuintes que tentam enganar o fisco.
PALAVRAS-CHAVE
Teoria dos Jogos. Dilema do Prisioneiro. Juizados Especiais Criminais. Delação premiada. Guilty plea. Plea Bargain. Non contendere. Teoria economicista.


DOS FATOS
A instrução normativa 1.067/2010, publicada no dia 25 de agosto de 2010 no Diário Oficial da União, instituiu novas penalidades para as pessoas jurídicas que tentarem enganar o fisco. Segundo tal publicação, os empresários que pedirem indevidamente ressarcimento de tributos passarão a pagar multa à Receita Federal equivalente a 50% do valor do crédito pleiteado. Além disso, caso seja comprovado que o empresário recebeu ressarcimento por meio de informação falsa, a penalidade chegará a 100%.
Segundo o coordenador-geral de Tributação da Receita Federal do Brasil, Fernando Mombelli, as novas regras de punição se justificam por dois motivos principais: a) o grande número de pedidos rejeitados pela Receita Federal (cerca de 50% dos pedidos de ressarcimento e compensação são negados); b) o pacote de estímulo à exportação, que instituiu a devolução aos exportadores de 50% dos pedidos de ressarcimento em até 30 dias (a Receita precisaria instituir multa para quem pleiteou e recebeu indevidamente o ressarcimento).
Ademais, a instrução normativa publicada pela União reduziu as multas em relação aos pedidos rejeitados de compensação tributária, ou seja, aqueles em que o empresário alega ter pagado impostos a mais e pede o abatimento da diferença nos pagamentos tributários subseqüentes. Nestes casos, a multa passou de 75% para 50% do valor do crédito que seria abatido. Tal benefício, no entanto, só vale para quem foi multado durante o período de vigência da medida provisória que instituiu o pacote de estímulo à exportação. Isso porque o texto original da instrução normativa previa multa de 75%, mas o Congresso Nacional reduziu a penalidade para 50%.
A instrução normativa estabelece ainda que nos casos de falsidade na declaração de pedidos de compensação, o valor da multa permanece em 150%. Caso o contribuinte não atenda intimação do Fisco para prestar esclarecimentos no prazo estipulado, as penalidades de 50%, para pedidos de compensação rejeitados, e 150%, para fraudes na declaração, serão de 75% e 225%, respectivamente.

1. Dos Princípios Constitucionais Tributários Pertinentes ao Caso.
Entre os preceitos constitucionais envolvidos no caso, analisaremos quatro que consideramos de maior relevância para que possamos entender a situação fática em tela: princípio da legalidade; princípio do não confisco; princípio da anterioridade tributária; princípio do devido processo legal.
O princípio da legalidade analisado sob a ótica tributária encontra-se previsto no artigo 150, inciso I da Constituição Federal, com a seguinte redação: "Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça".
Neste sentido, Luciano Amaro (2009, p.112) acrescenta:
O conteúdo do principio da legalidade tributária vai alem da simples autorização do Legislativo para que o Estado cobre tal ou qual tributo. É mister que a lei defina in abstracto todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias.

É reforçado pelo Código Tributário Nacional no artigo 97, inciso I, segundo o qual somente a lei pode estabelecer a instituição de tributos, ou a sua extinção. Pode-se depreender do princípio da legalidade tributária a preocupação do legislador em garantir a segurança jurídica, de modo a privar a administração pública de instituir, estabelecer ou extinguir tributos, sem respaldo legal.
Em relação ao princípio do não confisco, este representa a proibição do Estado em cobrar tributos exorbitantes ao ponto do cidadão não poder pagá-los de maneira digna, pondo em risco seu sustento e desenvolvimento. Este princípio está previsto no inciso IV do artigo 150 da CF, que veda a União, Estados, Municípios e ao Distrito Federal de utilizarem tributos com efeito de confisco.
Uma vez mais, nos é pertinente os ensinamentos de Luciano Amaro (2009, p. 144):
Desde que a tributação se faça nos limites autorizados pela Constituição, a transferência de riqueza do contribuinte para o Estado é legitima e não confiscatória. Portanto, não se quer, com a vedação do confisco, outorgar à propriedade uma proteção absoluta contra a incidência do tributo, o que anularia totalmente o poder de tributar. O que se objetiva é evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada. Vê-se, pois, que o principio atua em conjunto com o da capacidade contributiva, que também visa a preservar a capacidade econômica do individuo.

Vale ressaltar que o confisco estará caracterizado sempre que houver uma usurpação na cobrança dos tributos, ou seja, sempre que os tributos forem demasiadamente onerosos para o contribuinte, de forma a privar-lhe de uma vida digna. A esse respeito, Ives Gandra da Silva Martins (1998. p. 125-126) doutrina:
Não é fácil definir o que seja confisco, entendo eu que sempre que a tributação agregada retire a capacidade de o contribuinte se sustentar e se desenvolver (ganhos para suas necessidades essenciais e ganhos a mais do que estas necessidades para reinvestir ou se desenvolver) estaremos diante do confisco.

Portanto, o aludido princípio visa impedir que ocorra grave prejuízo à propriedade privada do contribuinte, devendo-se respeitar o principio da razoabilidade na cobrança dos tributos. Somente dessa forma não será posto em risco o sustento, o desenvolvimento e a dignidade do cidadão.
Analisando agora o princípio da anterioridade, mais uma vez nos valemos da Constituição, que em seu art. 150, III, b, proíbe que sejam cobrados tributos no mesmo exercício financeiro em que houve a instituição deste tributo. A Emenda Constitucional nº 42/2003 incluiu a alínea "c" neste mesmo inciso III, do art. 150, determinando não ser possível a cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Contudo, em consonância com o artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil - que determina que a lei em vigor terá efeito imediato e geral - respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, o artigo 105 do Código Tributário Nacional determina que a legislação tributária aplica-se de imediato somente para os fatos geradores futuros. Ou seja, aqueles que ainda estão por vir e pendentes, quando o fato gerador se inicia, mas ainda não terminou em virtude de seu prazo, como o Imposto de Renda, por exemplo.
Por último, vamos à análise do princípio do devido processo legal. Este preceito garante que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, ou seja, sem que seja oportunizado o contraditório e a ampla defesa, bem como todos os meios e recursos a ela inerentes. O aludido princípio está expresso no art. 5º, inciso LIV e LV, in verbis:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Assim sendo, pela leitura deste dispositivo legal, podemos concluir que todo processo inquisitório, judicial ou administrativo, que visa à privação da liberdade ou de bens, deve ser acompanhado do devido processo legal, de modo que seja sempre assegurado o contraditório e a ampla defesa. Todo processo que não esteja de acordo com a legalidade e os ditames expostos acima não poderá ser considerado válido ou eficaz.

2. Do conceito de Tributo e Legislação Tributária.
É de fundamental importância para a compreensão do caso, esclarecermos os conceitos de tributo e legislação tributária, de modo que possamos fazer a distinção entre: tributo X multa; legislação tributária X lei tributária.
A definição de tributo está presente em dois diplomas legais: lei 4.320/64; e Código Tributário Nacional:
Lei 4.320/64, Art. 9 ? tributo é a receita derivada instituída pelas entidades de direito publico, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinado-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou especificas exercidas por essas entidades.
CTN, Art. 3º - tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Da leitura destas legislações, podemos observar algumas peculiaridades que são imprescindíveis para que o tributo seja caracterizado. Dentre as mais importantes está a de o tributo ser obrigatoriamente instituído por lei. Em outras palavras, para que a prestação pecuniária seja caracterizada como tributo ela deve ser criada por lei em sentido estrito, não entrando aqui atos normativos ou administrativos.
Para fins elucidativos, Vittorio Cassone (2006, p. 140) nos trás seu conceito de tributo:
Tributo é certa quantia em dinheiro que os contribuintes (pessoa física ou jurídica) são obrigados a pagar ao Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) quando praticam certos fatos geradores previstos pelas leis tributarias. Representa ele o ponto central do direito tributário.

Além do conceito de tributo, é importante elucidarmos o conceito de obrigação tributária. Existe uma relação jurídica obrigacional entre o Estado e as pessoas sujeitas à tributação. A partir do momento em que a lei cria o fato gerador, nasce a relação tributária e, por conseguinte, a obrigação do sujeito passivo a pagar o tributo.
A obrigação tributaria assume as formas de dar, fazer e não fazer e pode ser principal ou acessória. De acordo com o art. 113, §1º "A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente". Por seu turno, o §2º dispõe que "A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos"
Da leitura dos textos legais, podemos entender como obrigação principal aquela que tiver como objeto uma prestação de dar, podendo ser tributo ou qualquer penalidade pecuniária. Já a obrigação acessória deve ser interpretada como aquela prestação positiva ou negativa não pecuniária, sendo, portanto, sempre uma obrigação de fazer ou não fazer.
No caso em voga, temos a imposição de multa, que é uma penalidade pecuniária sendo, portanto, caracterizada como uma obrigação principal. Sendo assim, devemos levar em consideração o fato gerador da obrigação tributária principal que tenha por objeto a prestação pecuniária, que seria a infração. Dessa forma, a omissão no cumprimento da obrigação tributária daria nascimento ao fato gerador de outra obrigação, que teria por objeto a sanção administrativa pela infração causada pelo não pagamento do tributo. (AMARO, 2009, p. 248)
Passado a análise de tributo, vamos nos ater à conceituação de legislação tributária. As fontes materiais exprimem situações ou fatos tributários, que por si só considerados nada representam. Para surtirem efeitos no Direito Tributário devem ser introduzidos nesse campo, o que exige uma forma. Essa forma consiste no procedimento do Poder Legislativo de elaborar uma lei tributária, com base na fonte material. (CASSONE, 2006, p 145).
As fontes formais dividem-se em primárias e secundarias. As fontes primárias estão contidas no art. 59 da CF: a) Constituição Federal; b) emendas à Constituição; c) Leis complementares; d) Leis Ordinárias; e) Leis Delegadas; f) Medidas Provisórias; g) Decretos Legislativos; h) Resoluções. Por seu turno, as fontes secundárias têm por função viabilizar os comandos das fontes primárias, e são divididas em: a) Decretos e Regulamentos; c) Instruções Ministeriais; d) Normas Complementares.
Compreendido as fontes do Direito Tributário, podemos passar à leitura do art. 96 do Código Nacional Tributário, que versa sobre a disposição preliminar de Legislação Tributária:
CNT, Art. 96 - A expressão legislação tributária compreende as leis, os tratados e convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a ele pertinentes.

Note-se aqui, que a expressão "legislação tributária" não se confunde com "lei tributária". Esta distinção possui grande relevância, ao passo que, somente a Lei pode instituir ou majorar tributos, enquanto que as outras espécies de legislações tributárias não têm esse condão.
Pelo exposto, podemos tecer algumas considerações preliminares acerca do caso. A primeira delas é que a multa não é espécie de tributo, todavia, é uma obrigação principal. Também podemos concluir que as instruções normativas são espécies de normas complementares, não possuindo, por isso, força de lei, decretos, tratados ou convenções internacionais.

IV) Vigência da Lei Tributária.
O primeiro ponto a ser analisado é o da vigência das normas tributárias, que dizem respeito à validade formal da lei. (HARADA, 2010, p.468). Segundo o art. 101 do CTN, está ela regida pelas disposições aplicáveis às normas legais em geral. É dizer: a vigência das normas tributárias, no tempo e no espaço, se submete às disposições dos arts. 1º, 2º e 6º da Lei de Introdução ao Código Civil. Assim, salvo disposição em contrário, as leis tributárias editadas no Brasil passam a ter vigência 45 dias após a sua publicação. Trata-se do período de vacatio legis, tempo para que os cidadãos tomem conhecimento e se adéqüem à nova norma.
Segundo o art. 6º da LICC, a nova lei, ao entrar em vigência, terá efeito imediato, mas não poderá prejudicar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Esse preceito está de acordo com o princípio constitucional presente no art. 5º, XXXVI, CF, cuja redação é a seguinte: "A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Assim é que as leis, normalmente, são produzidas para regular situações futuras.
Para respeitar tal princípio constitucional é que o legislador determinou, no art. 105, CTN, que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes. Esses últimos correspondem àqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa. Tratando-se de situação de fato, quando ainda não se verificaram todas as circunstâncias materiais necessárias para que se produzam os efeitos que normalmente lhe são próprios (art. 116, I, CTN). Sendo situação jurídica, quando esta ainda não se encontra definitivamente constituída (art. 116, II, CTN).
Para Hugo Machado (MACHADO, 2006, p.116) "a legislação tributária, uma vez vigente, tem aplicação imediata. Não se aplica aos fatos geradores já consumados, mas alcança os fatos geradores pendentes". É o princípio da irretroatividade da lei tributária. Destarte, uma lei, ao entrar em vigor, só poderá impor obrigações principais ? tributar ou pagar penalidade pecuniária ? referente a hipóteses de incidência futuras e pendentes.
No caso em estudo, a nova regulamentação, referente aos pedidos de ressarcimento e de compensação, sejam eles devidos ou não, incide sobre fatos geradores ? ou, para melhor acerto terminológico, hipóteses de incidência ? pretéritos. Seus efeitos já foram plenamente verificados, nos termos do art. 116, CTN.
Com efeito, nos pedidos de ressarcimento há a alegação do pagamento indevido de tributação. Nos de compensação, a alegação é de pagamento a maior. Em ambos os casos, já se verificou a ocorrência da hipótese de incidência: concretização da situação descrita abstratamente na lei, tendo como conseqüência o nascimento das obrigações tributárias e a subseqüente satisfação delas. (HARADA, 2010, p. 478)
Todavia, a alínea c, inciso II, art. 106, CTN, excetua uma das situações onde a retroatividade da lei é possível: quando se tratar de ato não definitivamente julgado, lhe sendo cominada penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática. Assim, no regulamento em comento, poderiam ser retroativos apenas os dispositivos que determinam a redução das multas, nos casos de pedidos rejeitados de compensação tributária.
Trata-se, portanto, de retroatividade benigna, de acordo com o previsto no art. 5º, XL, CF. É importante frisar que "a expressão ato não definitivamente julgado compreende o julgamento em ambas as esferas, a administrativa e a judicial" (HARADA, p. 470). Nos demais casos, onde há o aumento da multa incidente, os dispositivos deveriam ter efeito apenas sobre as relações jurídicas constituídas com base em hipóteses de incidência verificadas após o início da vigência da lei.
V) Responsabilidade por Infrações Tributárias.
A doutrina enxerga no disposto no art. 136, CTN, a previsão da responsabilidade objetiva sobre as infrações tributárias. Dessa maneira, a responsabilização do agente, nesse tipo de infração, não se relaciona com a sua intenção, assim como com a efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato (CARVALHO, 2007, p.548).
A responsabilização independeria de culpa subjetiva do agente. Contudo, boa parte dos doutrinadores atuais deslumbra o enunciado desse artigo de outra forma. O art. 136, CTN, não prevê a responsabilidade objetiva em matéria tributária. Dizer que "independe da intenção do agente" é afirmar que não é necessária a presença do dolo, sendo necessária apenas a culpa stricto sensu. Não se pode falar em infração sem que haja a voluntariedade. É preciso que o agente tenha tido a oportunidade de escolher entre dois possíveis comportamentos: o lícito e o ilícito. Ou seja, "é necessário que o agente tenha a possibilidade de, livremente, não trilhar o caminho apenado pelo Direito" (HARADA, 2010, p.492).
O art. 137, II, CTN, prevê uma importante exceção quanto à inexigibilidade do dolo nas infrações tributárias: "A responsabilidade é pessoal ao agente quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar". De acordo com o regulamento em estudo, a imposição das multas visa coibir as tentativas de enganar ao Fisco. Portanto, é preciso que haja o dolo genérico, caracterizado pela vontade livre e consciente de solicitar a compensação ou o ressarcimento indevidos e o dolo específico de querer enganar a Receita. A simples solicitação de ressarcimento ou de compensação não é suficiente para caracterizar o dolo específico do agente.

VI) Análise da Constitucionalidade e Legalidade da IN RFB n° 1.067/10.
Depois de compreendermos os conceitos explanados acima, bem elucidarmos as questões da vigência e responsabilidade, passaremos agora a macro análise da constitucionalidade e legalidade da Instrução Normativa em tela (IN RFB n° 1.067/10).
Esta prevê: 1) penalidade de 50% sobre o valor do crédito objeto de declaração de compensação não-homologada; 2) multa isolada de 50% sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido; 3) multa de 100% quando os pedidos de ressarcimento forem obtidos com falsidade; 4) majoração de 50% das multas nos casos de não atendimento pelo contribuinte para que ele preste esclarecimentos, apresente arquivos ou documentos, ou seja, as multas de 50% para os pedidos de compensação rejeitados, e 150%, para fraudes na declaração, serão de 75% e 225%, respectivamente.
Podemos observar aqui a estipulação de penalidades para pedidos distintos: ressarcimento e compensação. Na primeira hipótese, o empresário pleiteia a devolução de tributos que ele teria pagado a mais. No segundo caso, o empresário pleiteia não a devolução, mas sim a compensação do tributo, que ele deixaria de pagar nos períodos subseqüentes. Então, em um caso o Estado paga ao contribuinte, e no outro ele deixa de receber do contribuinte.
Feita esta distinção, façamos primeiramente a análise das multas aplicadas aos pedidos de compensação. O art. 18 da Lei 10.833/03 previa a aplicação de multa sobre o valor total do débito compensado da seguinte forma: a) 75% nos casos das compensações consideradas não declaradas; b) 150% nos casos de falsidade na declaração dos pedidos de compensação. No entanto, a Medida Provisória nº 472/09, deu nova redação ao art.18 da supracitada Lei, incluindo uma nova hipótese de multa: c) 75% para os casos de ilegitimidade ou insuficiência do crédito a ser compensado. Essa medida provisória, contudo, foi convertida na Lei 12.249 de 11 de junho de 2010, na qual houve o cancelamento da multa nos casos de ilegitimidade e insuficiência, e criado a multa de 50% para os pedidos de compensação não homologados.
Portanto, por previsão da Lei 12.249/10, as multas para os pedidos de compensação são as seguintes: a) 75% nos casos das compensações consideradas não declaradas; b) 150% nos casos de falsidade na declaração dos pedidos de compensação; c) 50% para os pedidos de compensação não homologados.
No que toca aos pedidos de ressarcimento, a Lei 12.249/10, alterando o art. 74 da Lei 9.430/96, instituiu previsão de multa nas seguintes situações: a) multa isolada de 50% sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido; b) multa de 100% no caso de pedido de ressarcimento indevido ou indeferido, se comprovada falsidade no pedido.
Disto isso, podemos fazer algumas considerações acerca das três primeiras inovações trazidas pela lei e pela instrução normativa, quais sejam: 1) penalidade de 50% sobre o valor do crédito objeto de declaração de compensação não-homologada; 2) multa isolada de 50% sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido; 3) multa de 100% quando os pedidos de ressarcimento forem obtidos com falsidade.
Nos casos dos itens 1 e 3, ou seja, nos casos de compensação e "ressarcimento obtido", percebe-se que os pedidos realizados e indeferidos trazem prejuízos ao fisco. De modo que, tais prejuízos fundamentam o aumento das multas aplicadas, até mesmo como forma de evitar abusos por parte dos contribuintes. (OLIVEIRA, 2010, p. 01).
Em contra partida, no caso do item 2) que versa sobre a multa aplicada ao simples pedido de ressarcimento, não fica caracterizado nenhum tipo de prejuízo ao Fisco. A justificativa plausível para a instituição da multa nestes casos seria a tentativa do legislador e também da autoridade fazendária, em impedir que empresas utilizassem indevidamente a devolução de 50% dos créditos tributários acumulados em até 30 dias (uma das principais medidas do pacote de incentivo às exportações). (OLIVEIRA, 2010, p. 01).

CONCLUSÃO
No que toca à legalidade, devemos considerar que a IN 1.067/10 é um ato normativo, espécie, portanto, de legislação tributaria, e como tal pode versar sobre penalidades tributárias, desde que haja previsão legal. No caso em tela, como as penalidades foram instituídas pela Lei 12.249/10 e "seguidas" pela instrução normativa da Receita Federal, não há que se falar em contrariedade ao princípio da legalidade. Conclui-se, portanto, que todas as quatro previsões de multas presentes na instrução administrativa estão amparadas na lei, inclusive a majoração de 50%, prevista no §2º do art. 44 da lei 9.430/96.
No que tange à vigência das multas, conforme o princípio da anterioridade, positivado no art. 150, III, b, CTN, é vedado aos Entes federativos cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Tal princípio, exigindo que a lei tributária, para incidir, seja conhecida pelo menos noventa dias antes do término do exercício financeiro da ocorrência do fato imponível, permite que os contribuintes saibam o que os aguarda, no campo da tributação, e, bem por isso, confiem no Estado Fiscal. (CARRAZA, 2007, p.197)
Assim, diante do caso aqui estudado, como a compensação se configura como um fato gerador já consumado, pois o pagamento a mais já fora feito, a aplicação imediata desta lei só pode ocorrer no tocante ao dispositivo que reduz a multa de 75% para 50%, nos casos de quem foi multado durante o período de vigência da medida provisória que instituiu o pacote de estímulo à exportação. E os demais dispositivos, seguindo o princípio da anterioridade somente podem ser exigidos no ano financeiro seguinte.
Em relação à infringência ao princípio do não confisco, embora seja difícil a delimitação quanto aos valores a serem cobrados na tributação para evitar o efeito confiscatório, a tributação não deve ser excessiva ao ponto de caracterizar o confisco do patrimônio do contribuinte. Neste sentido, quando a soma dos diversos tributos incidentes representa carga que impeça o sujeito passivo da relação tributária de viver e se desenvolver, se estará diante de tributação com efeito confiscatório. (BASTOS, 1990, p.162)
Muito embora as multas tenham função sancionatória, não podendo ser classificadas como tributo, sua fixação em 50% do valor do crédito pleiteado, ou em 75% ou 225% para os casos em que o contribuinte não atenda a intimação do Fisco, é inegavelmente desmesurada. Dessa forma, podem-se considerar as multas impostas exorbitantes e desproporcionais ao ponto de serem capazes de violar a propriedade dos sujeitos passivos de tais relações tributárias, ao ponto de impedi-los de viver e se desenvolver. Aqui nos parece razoável proceder à análise de cada caso isoladamente, para que se possa verificar a tributação confiscatória ou não.
No que toca à responsabilização do contribuinte, o problema se impõe nos casos em que o agente faz o pedido à Receita por realmente acreditar que tem direito ao ressarcimento ou à compensação. O empresário acredita que sua escolha recaiu sobre a conduta lícita, baseada no seu suposto direito. Afora isso, não há o fim especial de agir de enganar ao Fisco.
Por isso, não resta caracterizada a infração tributária. Há grave infringência aos princípios do contraditório, da ampla defesa e, em suma, ao devido processo legal, que devem ser observados não apenas em âmbito judicial, mas também nos processos administrativos. Nesses termos, o procedimento, cujo resultado é a condenação do contribuinte ao pagamento das multas, é nulo.
Ainda podemos mencionar aqui o direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, alínea a, que é bem claro ao garantir a todos, independente do pagamento de taxas, o direito de se defender contra ilegalidade ou abuso de poder. "A aplicação de penalidade pelo indeferimento de simples pedido de ressarcimento, na prática, terá o condão de inibir a iniciativa dos contribuintes no sentido da recuperação dos tributos recolhidos indevidamente". (OLIVEIRA, 2010, p. 01). Compartilham de igual entendimento os advogados Sérgio Farina Filho, Vinicius Jucá Alves e Mariana Monte Alegre de Paiva (ALVES; FARINA; PAIVA; 2010) que nos trazem a seguinte redação:
A nosso ver, a exigência de multa isolada nos termos das alterações previstas pela Lei nº 12.249/10, especialmente no caso do indeferimento do pedido de ressarcimento, implica clara violação ao direito de petição garantido no artigo 5º, XXXIV, da Constituição Federal de 1988. Isso porque o contribuinte será certamente inibido a buscar o ressarcimento, bem como a compensação dos tributos indevidamente recolhidos, ante a ameaça de sofrer imposição de abusiva penalidade.

Por fim, diante de todo o exposto, podemos concluir em breves linhas que a Instrução Normativa 1.067/10 deve ser considerada: 1) legal, pois não afronta ao principio da legalidade; 2) ineficaz e inaplicável no ano financeiro corrente, por conta do princípio da anterioridade da lei tributária; 3) anulável, pois a responsabilização do contribuinte não é absoluta; 4) inconstitucional, pois afronta ao principio do não- confisco e ao direito de petição.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Vinicius Jucá. FARINA, Sérgio Filho. PAIVA, Mariana Monte Alegre. Instrução Normativa RFB nº 1.067 ? as multas isoladas aplicadas nas hipóteses de indeferimento do pedido de ressarcimento e não homologação do pedido de compensação de tributos e contribuições federais. Anexo Biblioteca Informa. nº 2124. São Paulo, 2010. Disponível em: http://www.pinheironeto.com.br/upload/tb_pinheironeto_artigo/pdf/220910150310anexo_bi2124a.pdf. Acesso em: 14/10/2010.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
BASTOS. Celso Ribeiro. MARTINS. Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. v.6. São Paulo. Saraiva. 1990.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
CASSONE, Vittorio. Direito Tributário: fundamentos constitucionais da tributação, definição de tributos e suas espécies, conceito e classificação dos impostos, doutrina, prática e jurisprudência. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2006.
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Sistema Tributário na Constituição de 1988. 15ª ed. rev. atual. - São Paulo : Saraiva, 1998.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
OLIVEIRA, Guilherme Lopes de. A Lei 12.249/10 e o direito constitucional de petição. São Paulo, 2010. Disponível em: http://www.apet.org.br/artigos/ver.asp?art_id=1149. Acesso em: 14/10/2010.
Autor: Túlio Licinio Curvelo Garcia


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