CLÁUSULA DE RENÚNCIA AO DIREITO DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS:



CLÁUSULA DE RENÚNCIA AO DIREITO DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS: O POSICIONAMENTO DO STJ E DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

Túlio Licinio Curvelo Garcia

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceito de locação; 1.1 Benfeitorias; 1.2 Contrato de Adesão; 2 Direito de retenção; 3. A renúncia ao direito de retenção; 3.1 Posicionamento do STJ e dos Tribunais de Justiça; Conclusão; Referencial Bibliográfico.

Resumo.
O presente trabalho analisará a possibilidade de existir em um contrato de locação, celebrado por empresas imobiliárias, cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção. Estudo este baseado em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Tribunais de Justiça de alguns estados e posicionamentos de renomados doutrinadores.

Palavras ? Chave.
Contrato de Locação; Renúncia; Benfeitorias; Direito de retenção.

Introdução.

Devido à grande demanda e rapidez característica do mercado imobiliário atual, os contratos elaborados por estas, com o intuito de melhor garantir o direito dos locadores, está sendo de adesão. E, desta forma, as cláusulas são determinadas previamente e unilateralmente pelas imobiliárias, restando ao locador apenas aderir ou não.
Este fato gera discussões na doutrina, uma parte alega que devido ao fato deste contrtao ser de adesão, essa relação deve ser regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, e, sendo assim, não seria permitido cláusula em que o locatário renunciasse ao seu direito de retenção e indenização por benfeitorias, por se tratar de cláusula abusiva.
A doutrina majoritária, assim como o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais de Justiça, defende que não há relação de consumo entre as empresas imobiliárias e os locatários, portanto, essa relação seria regulada por lei específica, a Lei do Inquilinato, que permite haver cláusula renunciando ao direito de retenção por benfeitorias.
1 Do contrato de locação

A locação é definida pelo Código Civil Brasileiro de 2002, em seu artigo 565, como sendo um contrato em que "uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo indeterminado, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.". Ou seja, um sujeito, denominado locador, concede a posse de um móvel ou imóvel de sua propriedade por tempo determinado ou não a outro sujeito, o locatário, devendo este recompensar o locador de alguma forma.
Maria Helena Diniz determina alguns elementos essências para o contrato de locação, são eles: consentimento válido, ou seja, o acordo entre as partes, a capacidade civil dos contraentes, a cessão de posse do objeto locado que deverá ser infungível, inconsumível, suscetível de gozo, determinado ou determinável, dado por quem possua título bastante para fazê-lo, e a alienável ou inalienável. Outras características do contrato de locação são a remuneração, o lapso de tempo determinado ou não e, por ultimo, a forma livre .
Portanto, o contrato de locação é sempre bilateral, pois cria direitos e deveres para ambas as partes, comutativo, já que as prestações são equivalentes e as partes podem apreciá-las de imediato. Além dessas classificações, é também oneroso, pois impõe sacrifício a ambas as partes, e consensual, não dependendo da tradição para se concretizar.
Esse contrato é regido pelo Código Civil de Brasileiro de 2002 no Título VI (Das várias espécies de Contratos), no Capítulo V (Da Locação das Coisas), do artigo 565 ao 578. Há também Lei especial para esse assunto, a Lei 8.245 de 18 de Outubro de 1991, a Lei do Inquilinato, regendo exclusivamente a locação em áreas urbanas, além destes diplomas legais, é discutido na doutrina o uso do Código de Defesa do Consumidor nessas relações contratuais, considerando-se o locador como fornecedor e o locatário como consumidor e as condições desiguais existentes nessa relação, devendo o CDC ser empregado justamente para tentar equilibrar essa relação, porém essa pretensão é veementemente negada pelo STJ, conforme se verá adiante.

1.1 Benfeitorias

Benfeitorias são construções ou simples modificações realizadas no imóvel, podem ser úteis, necessárias ou voluptuárias. São classificadas como necessárias, quando são realizadas com o objetivo de conservar o bem ou impedir que se deteriore, não acrescentando valor adicional ao mesmo, e sim mantendo o mesmo valor.
Ùteis são as benfeitorias que aumentam o valor do imóvel, aprimorando ou facilitando o uso do imóvel, tornando o imóvel mais confortável, e, consequentemente, acarreta na valorização do mesmo.
Por fim, benfeitorias voluptuárias são aquelas que têm o intuito de embelezar o imóvel, questões de vaidade ou luxo, também acrescentam valor ao mesmo, mas não são indenizáveis, podendo ser retiradas ao fim do contrato.

1.2 Contratos de Adesão

Os contratos de locação, atualmente, em sua maioria, são elaborados exclusivamente pelas imobiliárias, sem que o locatário possa discutir as cláusulas contratuais. E mesmo que haja algumas mudanças, retirada ou inserção de cláusulas no contrato, não retira sua característica de adesão, devido a preponderância das cláusulas elaboradas exclusivamente por uma das partes.
Devido à demanda crescente neste ramo e visando garantir da melhor forma os interesses do locatário, as empresas formulam os contratos, muitas vezes com algumas cláusulas consideradas abusivas, restando ao locatário somente a faculdade de aceitar ou não.
Essa situação leva uma parte da doutrina caracterizar essa relação entre imobiliárias, enquanto representantes dos locadores, e locatário como uma relação de consumo. Devendo, portanto, o Código de Defesa do Consumidor ser aplicado para regular essa relação, coibindo abusos por parte das imobiliárias

2. Direito de Retenção no direito brasileiro

Já explicado o conceito de benfeitorias e suas classificações, podemos iniciar o estudo do chamado direito de retenção, que está diretamente relacionado àquelas.
O direito de retenção é o direito que assiste ao locatário de reter o imóvel em seu poder até que seja devidamente indenizado pelas benfeitorias realizadas, nos conformes da lei.
Esse direito é previsto pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 578, in verbis: "Art. 578. Salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de retenção, no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador.".
No artigo 1.219 também do Código Civil é acrescentado o critério da boa fé do possuidor, no caso o locatário, vejamos:

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Então, agindo conforme os ditames da boa fé, o autor possui o direito de reter o imóvel até que o locador o indenize pelas benfeitorias realizadas no imóvel. No entanto, conforme ressalva o artigo, apenas as benfeitorias úteis e necessárias são indenizáveis.
É o que esclarece Silvio de Salvo Venosa:

A regra geral determina que as benfeitorias necessárias feitas pelo inquilino, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis, permitindo o direito de retenção

Ou seja, para que as benfeitorias úteis sejam indenizáveis é imprescindível a prévia autorização do locador, caso contrário, perde a obrigatoriedade. Enquanto que as benfeitorias necessárias permanecem sendo exigíveis mesmo se realizadas sem o consentimento do locador.
Quanto às benfeitorias voluptuárias, o único direito que lhe assite é o de levantá-las (jus tollendi) ,e, ainda assim, somente se a sua retirada não afetar a estrutura e a substância do imóvel, como bem ressalva Silvio de Salvo Venosa .
Como determina o artigo 1.220 do Código Civil, ao possuidor de má fé, somente as benfeitorias necessárias são indenizáveis, devido a estas serem fundamentais para o imóvel. Não possui o direito à indenização pelas benfeitorias úteis e nem o de levantar as voluptuárias, e em conseqüência disso, não há que se falar em direito de retenção.

3. A renúncia ao direito de retenção

Essa questão gera muitas discussões no universo jurídico. Parte da doutrina considera a relação existente entre as empresas imobiliárias, na qualidade de garantidoras dos interesses do locador, e o locatário, como sendo consumidor final, uma relação de consumo, que deveria ser regulada, então, pelo Código de Defesa do Consumidor.
Se assim fosse, a cláusula que renunciasse ao direito de indenização por benfeitorias seria ilegal, pois assim determina o CDC:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

No entanto, apoiada por várias jurisprudências no mesmo sentido do STJ e Tribunais de Justiça, a doutrina majoritária afasta a incidência do CDC nessa relação. Isto porque a mesma deve ser regida pela Lei do Inquilinato, a Lei n° 8.245 de 18 de outubro de 1991, por ser essa mais específica, e, portanto, mais apropriada para regular a relação entre as empresas imobiliárias e os locatários, em detrimento do CDC, que possui caráter geral.
O argumento utilizados pelos defensores dessa tese, além da questão da especificidade da Lei do Inquilinato, é que esta Lei em seu artigo 35 determina:
Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.

Diante desse artigo, percebe-se que o legislador deixa clara a questão, pois determina que possam ser inseridas cláusulas nos contratos que renunciem à indenização pelas benfeitorias e com isso o direito de retenção, porém, na inexistência de cláusula nesse sentido, prevalecerá a regra geral, qual seja, a que cabe ao locatário a indenização pelas benfeitorias necessárias, ainda que não autorizadas pelo locador, as úteis, quando devidamente autorizadas e a voluptuárias, o direito de removê-las se não prejudicar o imóvel.

4. Posicionamento do STJ e dos Tribunais de Justiça

A maioria dos Tribunais de Justiça do Brasil acompanham o posicionamento da doutrina majoritária, no sentido de afastar a hipótese de incidência do CDC das relações entre as imobiliárias e os locatários, por não se tratar de relação de consumo:
PROCESSUAL CIVIL. Locação. Direito de retenção e Indenização de benfeitorias. Cláusula de renúncia. Validade. Produção de prova pericial. Cerceamento de defesa. Inexistência.
- Ainda que a nova Lei do Inquilinato assegure ao locatário, em seu artigo 35, o direito de indenização e retenção pelas benfeitorias, é valida a cláusula inserida nos contratos de locação urbana de renúncia aos benefícios assegurados.
- A existência de cláusula contratual em que o locatário renuncia ao direito de retenção ou indenização torna desnecessária a realização de prova pericial das benfeitorias realizadas no imóvel locado. - Recurso especial não conhecido. (Processo: REsp 265136 MG 2000/0064106-5; Relator: Ministro VICENTE LEAL; Julgamento: 13/12/2000; Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA)

LOCAÇÃO - LEI 8.245/91 - RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - LEI 8.078/90 - INAPLICABILIDADE.

1. Não é nula, nos contratos de locação urbana, a cláusula que estabelece a renúncia ao direito retenção ou indenização por benfeitorias.
2. Não se aplica às relações regidas pela Lei 8.245/91, porquanto lei específica, o Código do Consumidor.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 261.422/SP, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, Quinta Turma, DJ 22/5/2000, p. 138)

BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR. INAPLICABILIDADE DO CDC

Neste sentido: "Despejo. Direito de retenção. Indenização. Exclusão contratual. Validade (art. 35 da Lei nº 8.245/91). Inaplicabilidade do art. 51, XVI, da Lei nº 8.078/90 (Código do Consumidor) às relações locatícias. O artigo 35 da Lei nº 8.245/91, que legitima a cláusula de exclusão de indenização por benfeitorias, afasta a aplicação do artigo 51, XVI, do Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078/90 - aos contratos de locação". (Ap. s/ver. 450.566, 8º Câm. do 2º TACSP, j. 2.5.96, rel. Narciso Orlandi).

LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. DESPEJO. REPRESENTAÇÃO LEGAL. BENFEITORIA. DIREITO DE RETENÇÃO. INDENIZAÇÃO. RENÚNCIA. CLÁUSULA CONTRATUAL

Não padece de nulidade a cláusula contratual de renúncia a indenização e a retenção de benfeitorias necessárias, sobretudo quando, tratando-se de locação não residencial, não exerce o locador atividade econômica profissional de oferecimento de imóveis ao mercado. (Ap. 0234897-2/00, 1.º Câm. do TAMG, j. 03.06.1997, rel. Paris Pena, v. u., JUIS - Saraiva nº 12).

DESPEJO. DIREITO DE RETENÇÃO OU INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. INADMISSIBILIDADE ANTE EXPRESSA DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. EXEGESE DO ART. 35 DA LEI N° 8.245/91.
A renúncia ao direito indenizatório ou de retenção do imóvel locado, em razão de benfeitorias, é válida e eficaz, não encontrando restrições no Código de Defesa do Consumidor, inaplicável às locações. (Ap. s/rev. 471.449, 5.º Câm. do 2.º TACSP, j. 11.12.1996, rel. Adail Moreira).

Percebe-se então, diante da análise dos casos, que a aplicação da Lei do inquilinato nesses casos está prevalecendo. A grande maioria dos julgados pregam pela não consideração da relação de consumo, afastando o CDC e com isso permitindo que seja válida cláusula que renuncie o direito de retenção pelas benfeitorias realizadas.
O Superior Tribunal de Justiça elaborou a súmula 335, com o intuito de uniformizar as decisões nesse sentido, que são a maioria absoluta em todos os Tribunais de Justiça brasileiros, que determina:
STJ Súmula nº 335 - 25/04/2007 - DJ 07.05.2007
Contratos de Locação - Cláusula de Renúncia à Indenização - Benfeitorias e Direito de Retenção
Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.


De acordo com os critérios da Especificidade e do artigo 35 da Lei no Inquilinato, acompanhando o entendimentos dos Tribunais de Justiça e do STJ, conclui-se ser válida a cláusula que renuncie a indenização por benfeitorias realizadas.

Conclusão

Após estudo aprofundado sobre o tema, chega-se a conclusão de que a cláusula contratual que renuncia o direito de retenção por benfeitorias não se trata de cláusula abusiva. Primeiro porque a relação existente entre as imobiliárias e locatários não se trata de relação de consumo, não incidindo, portanto o CDC, devendo ser aplicada a lei mais específica, a lei do Inquilinato, que em seu artigo 35 deixa explicita a legalidade daquelas cláusulas.
Além disso, a lei não pode ferir a liberdade contratual, já que essa clausula não afetaria a justiça e teria o consentimento do locatário ao aderir o contrato. Ao Judiciário resta apenas combater as injustiças, que confrontem a ordem jurídica, o que





Referencial Bibliográfico.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e. Extracontratuais. 24. ed. São Paulo: Saraiva. 2008.

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 1999;

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil ? Contratos em espécie. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003

VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada: Doutrina e Prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Autor: Túlio Licinio Curvelo Garcia


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