DO AUGE AO ESQUECIMENTO: um estudo do bairro rural da Cabeceira das Águas Paradas, município de Américo de Campos-SP.



Introdução

Nos últimos 50 anos, o mundo passou por uma série de transformações, o meio rural que foi a locomotiva do país por séculos, se modernizou com as tecnologias criadas através do tempo.Em contra partida ao modo de vida rural foi perdendo espaço com o crescimento das cidades, a busca por melhores empregos, salários, prestações de serviços, acesso à saúde contribuíram para o êxodo rural, e, principalmente o desemprego no campo. Diante dessa situação, o estudo da Cabeceira das Águas Paradas, no município de Américo de Campos ?S.P, oferece a possibilidade de visualizar o passado e o presente desse espaço que mescla aspectos rurais e urbanos, traz história e cultura e exemplifica de maneira clara e real a decadência desses lugares no Brasil.A contribuição desse estudo reside na análise do perfil dos grupos sociais que habitam esses espaços, com destaque para a perda de sua identidade cultural.
Definir conceitos básicos de bairro rural e distrito rural foi um dos aspectos que dificultaram o procedimento da pesquisa.
Este trabalho tem por objetivo geral compreender aspectos relativos às representações e relações desenvolvidas no bairro da Cabeceira das Águas Paradas, onde o progresso não contribuiu para o crescimento do lugar. Além de resgatar a história da comunidade, o trabalho também analisou e identificou mudanças promovidas na região com o passar dos anos, além dos problemas enfrentados pelos moradores, entre outros.
Com a análise desses fatos e outros que entraram em questão com o desenvolvimento do trabalho, foi exposta parte da história do bairro, analisando essa antiga comunidade da cidade, e trazendo ao conhecimento da população conteúdos históricos e geográficos, que demonstram a importância de conhecer e respeitar parte da história local, sem contar que fatos citados no artigo trouxeram a idéia de que a história e a geografia acontecem em todo lugar, e está no dia a dia de cada um, e que o conhecimento não está presente apenas em grandes feitos mundiais, relatados nos livros escolares, mas que estes mesmos acontecimentos estão em nossa própria comunidade e cidade.
Falar do rural na região é falar da própria vivência: muitas pessoas têm raízes no campo, cresceram ouvindo os pais relatarem a realidade, viveram as manifestações populares, as situações desfavoráveis ao pequeno produtor.
A pesquisa foi realizada primeiramente através de levantamento bibliográfico jornais, a respeito de conceitos básicos sobre as relações entre campo e cidade, cultura, economia e o local de estudo. Em seguida buscaram-se informações mais detalhadas sobre o objeto de estudo através de pesquisa de campo, na qual a história oral de moradores e ex-moradores foi resgatada através de entrevistas não estruturadas, informais. Realizou-se também um levantamento iconográfico (fotos antigas do local) junto aos moradores. Na ocasião foram realizadas fotos recentes do local.
Cabe ressaltar a dificuldade para a obtenção de dados, já que as memórias desses lugares estão se perdendo, não constam registros de momentos importantes, existem poucas fotos, as informações escassas: enfim, o desconhecimento das pessoas traz um passado sem registro.
As principais fontes da pesquisa são os depoimentos orais e as páginas de relacionamentos da internet nas quais pode ?se obter algumas informações pelo relato de ex-moradores saudosos de seu antigo bairro, além da experiência pessoal do autor.

O que é bairro rural?

Quando se fala de rural, refere-se a um universo integrado a sociedade brasileira, não se trata de um lugar isolado, mas sim de uma sociedade que participa ativamente da economia do país, produz, consome e nos traz particularidades históricas, sociais e culturais.
O termo rural é definido através da história por diferentes significados, há vários tipos de realidade rural, pois dependem de fatores globais, e de fatores locais.Até o século XVII, o meio rural apresenta importância primária para a sociedade, possuindo maior produtividade e maior população que a cidade. Com a Revolução Industrial no fim desde mesmo século, o mundo começa se organizar numa nova ordem econômica, tendo, produção e concentração urbana, sendo a indústria a principal produtora. O rural passa por um processo de perda tanto de produção como de habitantes, a economia nos setores industriais urbanos passa a ser a nova locomotiva que aquece a produção dos mercados consumidores.
Após a Revolução Industrial o rural se define como um meio sem infra-estrutura necessária, isolado e sem grande produtividade, já o meio urbano começa a apresentar um significado de progresso, desenvolvimento, empregos, moradias com as devidas infra-estruturas, é o começo do mundo moderno.
No Brasil o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em sua série Estatística do século XX, elaborada pelos seus técnicos, traz a seguinte abordagem sobre a definição de rural e urbano:
Em 1938, através do Decreto-Lei 311, ficou estabelecido que as cidades (sedes de municípios) e as vilas (sedes de distritos) são urbanas e que o restante do território é rural. Desde então cabe às prefeituras definir, através de lei, os perímetros urbanos tanto de umas quantas de outras. Nos Censos de 1991 e 2000, foram incorporados novos critérios: os setores censitários receberam, além da classificação legal de urbano e rural, outras classificações que indicassem as características físicas percebidas visualmente pelo agente do IBGE no local. Cada setor foi então classificado, segundo os Manuais de Delimitação de Setores, em 8 situações:
- Situação urbana - é a área interna ao perímetro urbano legal: considerando-se as áreas urbanizadas (1) ou não (2), correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas (3).
- Situação Rural - área externa ao perímetro urbano, abrangendo inclusive os aglomerados rurais de extensão urbana (4), os aglomerados rurais isolados - povoados (5), os aglomerados rurais isolados - os núcleos (6), os aglomerados rurais isolados - outros aglomerados (7) e zona rural exclusive aglomerado rural (8). (IBGE, 2007).
O Manual de 2005, que atendeu à Contagem de 2006, estabeleceu ainda que um conjunto de casas só fosse considerado Aglomerado Rural se possuísse ao menos 51 domicílios com distância mínima de 50 metros entre as construções.
O dicionário Aurélio da língua Portuguesa define rural como referente ao campo, que é próprio do campo, agrícola, campestre e define ruralidade como qualidade do que é rural, campestre, agrícola ou conjunto de características e valores do mundo rural.
Para Fernandes (1978) apud Ribeiro e Cleps Júnior;


O termo "bairro" é largamente difundido entre a população do mundo rural paulista, sendo utilizado para indicar determinada porção de território, de limites nem sempre muito precisos, geralmente definidos em função de um sentimento de localidade, não raro reforçado pela presença de algum elemento social de coesão como escola, igreja e venda.



A autora afirma ainda, que os bairros rurais teriam surgido nas áreas de povoamento mais antigo, à medida que se ia estabelecendo um habitat fixo e suficientemente denso para que se pudessem estabelecer contatos entre os vizinhos. Na época de formação dos primeiros bairros, as relações de vizinhança desempenhavam importante papel na vida do habitante rural, e estas se manifestavam tanto no plano econômico, como no social e espiritual.
Segundo Maria Izaura Pereira de Queiroz, socióloga responsável por várias pesquisas referentes a bairros rurais paulistas, os bairros rurais;


(...) se organizam como grupos de vizinhança, cujas relações interpessoais são cimentadas pela grande necessidade de ajuda mútua, solucionada por práticas formais e informais, tradicionais ou não; pela participação coletiva em atividades lúdico-religiosas que constituem a expressão mais visível da solidariedade grupal (...) "(QUEIROZ, 1973 p.195)".


A relação estabelecida entre campo e cidade nos mostra uma subordinação do rural ao urbano; que aumenta após a Segunda Guerra Mundial com a intensificação da industrialização. As cidades crescem causando o êxodo rural, o que afeta diretamente o campo e seus bairros.
O urbano ganha cada vez mais espaço na economia; constata-se a partir de então uma inversão de papéis: o campo passa a depender da cidade.
Na década de 1950, o campo começa seu processo de modernização no Brasil, a chamada Revolução Verde; e passa a utilizar produtos industrializados alterando o cenário rural, tanto nos seus aspectos produtivos quanto sociais.
Com a reviravolta da economia durante a ditadura militar no Brasil, a situação do campo piora, as altas taxas de inflação e o baixo incentivo às atividades agrícolas, proporciona mais uma vez a fuga do homem do campo para as cidades.
Na década de 1980 o quadro se agrava, as políticas destinadas à agricultura diminuem novamente, com o congelamento do preço do Plano Cruzado e a importação de muitos produtos, os produtores rurais se endividam com financiamentos feitos, junto aos bancos o que causa a perca de milhares de propriedades rurais. O Ministério da Fazenda estima que a dívida, contraída junto aos agentes financeiros públicos e privada, nesse período, equivale a R$ 87 bilhões. Após o Plano Cruzado, os preços dos produtos agrícolas caíram, os custos de produção foram mantidos, causando descompasso entre despesas financeiras e receitas. A capacidade de pagamento dos produtores rurais ficou comprometida. Com a inflação, a maior parte dos agricultores não teve como quitar as dívidas contraídas em safras anteriores. (Gazeta Mercantil ? SP, edição de 11/04/2008).
No dossiê "Os rumos do mundo rural na América Latina no início do século XXI", num cenário de grandes transformações sociais, econômicas e políticas, essa questão é abordada, com uma análise feita pelos autores de "Agricultura familiar e o novo mundo rural":


(...) para grande parte da população economicamente ativa na agricultura, a expansão, nos anos 1980, dos empregos rurais não-agrícolas representa não uma ampliação das oportunidades de trabalho para os membros da família tornados supérfluos pelo progresso técnico, mas sim uma chance de sobrevivência, em geral precária, para produtores sem acesso ao progresso técnico, à terra suficiente e ao crédito". Eles procuram demonstrar que "quando recebe apoio suficiente, o produtor familiar é capaz de produzir uma renda total, incluindo a de autoconsumo, superior ao custo de oportunidade do trabalho".
(BUANAIN, ROMEIRO, GUANZIROLI, 2002).


Pode -se notar, ênfase dada pela falta de oportunidades ao homem do campo, as políticas que desvalorizam o cultivo, que conseqüentemente promove a fuga do homem do campo para as cidades; veja:

Historicamente a agricultura familiar enfrentou um quadro macroeconômico adverso, caracterizado pela instabilidade monetária e inflação elevada (...), discriminação negativa da política agrícola que favorecia os produtores patronais, política comercial e cambial desfavorável e deficiência dos serviços públicos de apoio ao desenvolvimento rural. Na realidade, ao invés de promover o desenvolvimento rural e local, o conjunto de políticas públicas promoveu o esvaziamento do campo e inibiu o desenvolvimento local em favor das grandes metrópoles e cidades médias.
(BUANAIN, ROMEIRO, GUANZIROLI, 2002).


A partir da década de 1990, a produção aumenta e nasce de lado um novo rural o que acompanha as tecnologias mundiais, que constitui o agro-negócio e o rural que permanece no esquecimento, aquele que é deixado para trás, pois sobreviver nele está cada vez mais difícil .
Para o teórico Milton Santos, o conhecimento e o saber se renovam do choque de culturas, sendo a produção de novos conhecimentos e técnicas, produto direto da interposição de culturas diferenciadas - com o somatório daquilo que anteriormente existia. Para ele, a globalização que se verificava já em fins do século XX tenderia a uniformizar os grupos culturais, e logicamente uma das conseqüências seria o fim da produção cultural, enquanto gerador de novas técnicas e sua geração original. Isto refletiria, ainda, na perda de identidade, primeiro das coletividades, podendo ir até ao plano individual.
Nesse contexto, temos do bairro rural Cabeceira das Águas Paradas, localizado no município de Américo de Campos, estado de São Paulo, na qual fará parte de nosso estudo.(figura 1)

Figura 1-Localização do bairro rural Cabeceira das Águas Paradas.
Fonte: Google Earth, 2009. Europe Technologies

A Cabeceira das Águas Paradas: um passado ativo

Segundo a escritora Maria Garcia Flores, por volta de 1919 e 1925, a região Noroeste Paulista, era coberta por mato, os córregos possuíam águas cristalinas, a vegetação nativa predominava. Foi justamente nessa época que a família Lagoin (de raízes européia) comprou parte das terras da Fazenda Águas Paradas; em seguida Reginaldo Lagoin, proprietário das terras, providenciou a vinda de toda sua família que até então se estabelecia na cidade de Monte Alto S.P, formando o Bairro Cabeceira das Águas Paradas, nome dado para ressaltar os sentimentos ligados a relação homem / natureza, em que o trabalho se concentrava na produção de "roça" e na criação de gado, num ritmo que acompanhava o tempo da natureza.
Os mantimentos (farinha, sal, e outros produtos) eram buscados em São José do Rio Preto, a viagem durava, entre ida e volta, nove dias de carro de boi. Devido a essas viagens, a família criou a primeira estrada, aberta com facão e foice. Diversas famílias continuaram chegando na região e em 1936 são construídas as primeiras casas com tijolos.
Todos os impostos eram pagos na cidade de Tanabi, município ao qual Américo de Campos e o bairro pertenciam na época; atualmente, a comarca continua sendo na cidade de Tanabi.
O trabalho na roça era pesado, o cultivo passou se concentrar em milho, arroz, feijão e café, as idas a cidade eram poucas devido ao difícil acesso as estradas. O cultivo do café se destacou na região, e famílias inteiras "tocavam" a lavoura.
O cultivo do café se destacou na região, e famílias inteiras "tocavam" a lavoura.
Com o passar do tempo os primeiros estabelecimentos comerciais começaram a surgir, uma igreja Católica Apostólica Romana foi construída no local, a Paróquia de Nossa Senhora Aparecida.
Alguns anos depois o bairro recebe a primeira igreja protestante do local (figura 2), a Assembléia de Deus, que na época contava com uma média de aproximadamente 50 membros.


Figura 2- Cabeceira das Águas Paradas - Igreja Assembléia de Deus.
Foto da autora, nov. /2009.

Em 20 de março de 1956, fundou-se a escola estadual E.E.P.G João Candido Borges, com quatro classes de primeiro grau, uma de cada série inicial, que contava com exatos 139 alunos matriculados, todos do próprio bairro e das propriedades rurais vizinhas, (figura3).


Figura 3: Cabeceira das Águas Paradas -Turma da 4º série de
1969 da escola E.E.P.G João Candido Borges.
Fonte: Arquivo particular de Vera Waitman.


Em meados de 1960, o bairro já contava com: uma barbearia, um açougue, duas máquinas de beneficiamento de arroz, dois bares e duas mercearias (figura 4).Com o surgimento de estabelecimentos comerciais a população passa a comprar os produtos de primeira necessidade na própria comunidade; o açougue só abria as sextas-feiras e sábados, devido a maior concentração de pessoas que tinha esses dias como "o dia de fazer a compra" da semana, e fazer negócios de compra e venda de produtos agrícolas.
Estima-se que a população da "Cabeceira" (como é popularmente conhecida) mais a das propriedades rurais ao redor era por volta de 1.000 pessoas; nessa época o bairro já contava com 30 casas, mantidas até os dias atuais.As duas únicas ruas do bairro ficavam congestionadas pelos principais meios de locomoção da época (cavalos, carrinho, charrete, bicicleta e alguns automóveis).Os ônibus circulavam diariamente, sempre lotados, pelas poeirentas ou lamacentas estradas (não havia asfalto), com destino à "Vila" (Américo de Campos) ou Votuporanga.

Figura 4 -Cabeceira das Águas Paradas - moradores em frente à
Mercearia na década de 1970.
Fonte: Arquivo pessoal de Vera Waitman.

Aos domingos havia missa ou um culto realizado pelo grupo de jovens do lugar, já que o padre responsável pela igreja era do município de Américo de Campos e se dividia entre atender o próprio município e o bairro rural pelos quais a paróquia era responsável. A tarde era realizado o tradicional jogo de bola. No começo era só o time da Cabeceira, depois surgiram o Barbieri e o Braquiaria (figura 5).

Figura 5: Cabeceira das Águas Paradas - time de futebol de Cabeceira
das Águas Paradas em 1991.
Fonte: Arquivo pessoal de Ladair Aparecido Fonseca


A vida social do lugar era ativa, havia terços, novenas, quermesses, casamentos, galinhadas, bailes e festas escolares.No ano de 1974, uma turma de 5º série foi autorizada na escola estadual.
Em 1991, a média de alunos matriculados diminuiu, mesmo assim a escola passou por uma reforma e uma ampliação de seu prédio (figura 6).


Figura 6- Placa da reforma feita na escola
E.E.P.G João Candido Borges em 1991
Foto da autora, nov. /2009.

Em 1988, as duas principais ruas, Carvalho Pinto e a avenida da Saudade, foram asfaltadas.
Em 1991, um posto médico também foi construído para atender as primeiras necessidades de saúde dos moradores, tais como de primeiros socorros, vacinas, verificação de pressão, curativos e atendimento médico duas vezes por semana.
Apesar de sua autonomia em alguns serviços, como bancários, lojas de roupas e correios o bairro dependia diretamente do município de Américo de Campos.
Contudo, o lugar estabelecia seus vínculos e cultura, criando um ambiente saudável e familiar para seus moradores.
Na década de 1980, devido o efeito das políticas públicas para o campo, citadas anteriormente, ou a falta destas, os primeiros problemas começam a surgir: a agricultura começa a perder força, mas o bairro ainda se mantém ativo e povoado.

O "esvaziamento" da Cabeceira: um presente de dificuldades e lembranças

No final da década de 1980 e início da década de 1990, assim como na maior parte do país, as condições para continuar o trabalho agrícola dos produtores locais tornam - se cada vez mais complicada, as dívidas contraídas na esperança de continuar a produzir aumentam; em conseqüência, um "efeito dominó" é verificado na política agrária do país, muitos desistem, outros procuram novas oportunidades de emprego nas grandes cidades, onde é oferecida uma melhor condição de vida e é possível garantir um melhor futuro através dos estudos.
Nesse mesmo período, na "Cabeceira", os primeiros êxodos rurais começam a ocorrer e em conseqüência, o pequeno comércio local sofre bruscas alterações e algumas portas começam a ser fechadas.
Exatamente no ano de 1990, treze famílias inteiras deixam o lugar, todas com destinos certos: São José do Rio Preto, Americana e São Paulo, em busca de novas oportunidades.
Em 1994, a falta de alunos matriculados mais os gastos com funcionários, professores e manutenção do prédio determinam o fechamento da escola e os poucos alunos começaram a ser levados até o município de Américo de Campos, pois o transporte ficava mais barato do que manter a escola funcionando.
Pelo mesmo motivo de gastos, em 2001, o posto de saúde também é fechado. As poucas pessoas que restaram passaram a procurar atendimento diretamente no município de Américo de Campos e em Votuporanga.
Surge um novo cenário na localidade: o bairro extremamente ativo, símbolo dos bons tempos da agricultura no país, perde habitantes para grandes cidades e cidades vizinhas.
Pouco restou do que formava uma simples economia local, atualmente é possível encontrar apenas um único bar funcionando no bairro (figura 7), e os poucos freqüentadores são os moradores que resolveram permanecer no local. A popular quermesse ainda resiste, é a única festividade que consegue reunir a comunidade e relembrar os velhos tempos.


Figura 7: Bar dos amigos, único comércio ativo no bairro
Cabeceira das Águas Paradas
Foto da autora, nov. /2009.

As missas que eram semanais agora são realizadas uma vez ao mês (figura 8).

Figura 8: Cabeceira das Águas Paradas - Igreja Nossa Senhora
Aparecida.
Foto da autora, nov. /2009.

A igreja Assembléia de Deus permaneceu fechada por vários anos, atualmente são realizados cultos semanais com a intenção de evangelizar, mas os poucos freqüentadores são os membros e pastor da igreja sede em Américo de Campos.
Podemos perceber que a localidade que se manteve por décadas gerando sua própria economia, que oferecia, educação escolar primária, atendimento médico, vida religiosa, comércio (mantimentos básicos), entra em decadência como muitas outras comunidades e bairros rurais pelo Brasil.
Notamos que um dos fatores dessa decadência é a falta de oportunidades geradas para o trabalho rural, visto os habitantes da denominada "cabeceira" e dos sítios ao seu redor tiravam sua renda da produção agropecuária, que sofreu e ainda sofre uma desvalorização, dificultando uma produção que lhe promova uma renda satisfatória. As grandes produções ficaram nas mãos de fazendeiros e grandes produtores, donos das tecnologias e da produção. Portanto, migrar para outras cidades em busca de serviços urbanos tornou-se necessário para a sobrevivência.
Um outro aspecto importante a destacar é que novas oportunidades de estudo foram criadas, principalmente a partir da década de 1990; bolsas de estudos e financiamentos facilitaram o acesso à universidade. A população jovem desmotivada pela frustração de seus pais com a agricultura, passou a procurar uma nova profissão, saindo assim de sua localidade a fim de estudar e se especializar em determinada área escolhida. Esse tempo que o jovem deixa sua casa para estudar, ao invés de ser temporário, geralmente torna-se permanente, pois ele começa a estabelecer novos vínculos em outros lugares. Além disso, as opções de lazer, as novas amizades, namoro, a busca por um melhor emprego fazem com que este não volte à sua cidade, ainda mais quando se constata que seu lugar de origem não apresenta expectativas de crescimento e desenvolvimento.
Dessa forma, a localidade passa a servir apenas para visitas familiares e férias do trabalho, tornando o cenário mais vazio com essa "ida sem volta" do estudante.Quem permanece são algumas famílias que ainda tem renda certa e aposentados.
Notamos nesse aspecto a influencia que a globalização exerce em todos os lugares por menores que sejam, a busca por uma melhor condição de vida e a oportunidade de acesso à tecnologia e todos seus benefícios passam a ser essencial, por mais que ela esteja em todo lugar, sua maior difusão está nas cidades em que a população tem maior concentração, é mais um aspecto que torna o rural desfavorecido, apesar da internet e celular estar conectadas as casas da comunidade, ela não pode oferecer mais do que isso, já que não possuem população nem produção suficiente, para atrair seus antigos moradores de volta.
O fechamento do posto de saúde (figura9) e da escola e (símbolos de desenvolvimento), atestam o retrocesso do bairro, uma vez que as conquistas foram perdidas.
Figura 9: Posto de saúde, desativado do bairro rural Cabeceira
das Águas Paradas.
Foto da autora, nov. /2009.

Vemos nesse caso um retrato comum nos municípios brasileiros: os cortes de gastos são medidas econômicas adotadas pelas autoridades que passam tornarem comuns nas prefeituras. O que antes era consumido de maneira desenfreada começa a passar por um certo controle e tudo o que não parece ser tão necessário é cortado: foi o que aconteceu com a escola estadual E.E.P.G João Candido Borgescom e o posto de saúde da Cabeceira das Águas Paradas. Com a saída em grande número da população, automaticamente os alunos diminuíram e o mesmo aconteceu com os pacientes do posto médico. A população diminuiu, mas os custos não, já que o pagamento dos funcionários e a manutenção dos estabelecimentos continuaram.O prédio da escola foi transformado em um laticínio formado pela associação de moradores, que utiliza o lugar para o resfriamento do leite (figura 10).


Figura 10-Cabeceira das Águas Paradas - Cooperativa de leite e
sala de aula instalada na antiga escola (destaque para o estado de
abandono do local)
Foto da autora, nov. /2009.

Todas essas alterações atingiram diretamente o pequeno comércio local, que fechou suas portas (figura 11); atualmente restou somente um bar, saudoso dos antigos tempos em que o lugar se tornava pequeno para o grande número de pessoas que ali freqüentava.


Figura 11- Cabeceira das Águas Paradas
Antigas mercearia e bar, atualmente fachadas
Foto da autora, nov. /2009.

As empresas de ônibus ainda disponibilizam um ônibus no período da manhã e um no período da tarde, que faz em uma única linha quatro cidades, Pontes Gestal, Américo de Campos, Álvares Florence e Votuporanga e nem sempre é apanhado algum passageiro na Cabeceira. Isso é o reflexo não só de um bairro rural que mantém uma população pequena, mas de toda uma região em que os municípios são de pequeno porte. Mesmo tendo sedes administrativas, estes municípios não conseguem promover o seu crescimento, às vezes convivem com o declínio populacional, ou em outras épocas, conseguem apenas a manter a população sem muitas alterações.Por outro lado parte da população restante possuem automóveis, o que facilita a locomoção, dispensando o transporte coletivo, só utilizando-o em último caso.
Todo esse movimento populacional impediu o crescimento que era antes idealizado pelos moradores: sem produção, sem moradores, a localidade torna - se incapaz de atrair um desenvolvimento, que possa fazer retornar ao bairro os elementos que faziam deste um lugar ativo no passado.
Outro reflexo que podemos analisar de toda essa mudança é a questão religiosa e social: as missas e cultos diminuíram, sendo realizados com menor freqüência, o jogo de bola perdeu seus "jogadores" para as cidades, os bailes foram extintos.
No cenário social, o que restou foi a tradicional quermesse da "Cabeceira", realizada por alguns moradores e colaboradores de Américo de Campos, no Centro Comunitário João Waidman (figura 12). Sua realização anual traz de volta para prestigiar a festividade alguns antigos moradores que aproveitam a data para relembrar os velhos tempos.


Figura 12-Cabeceira das Águas Paradas
Centro comunitário João Waideman
Foto da autora, nov. /2009.



A comunidade passa a viver apenas de memórias, onde os moradores que permaneceram são os mais idosos ou netos e filhos de pessoas que sempre residiram no local. As casas ainda são as mesmas, nada de novo é construído, apenas reformado, atualmente podemos encontrar uma média de 80 moradores, a impressão que se tem ao passar pela rua principal em determinados horários é de uma cidade fantasma, assim como nos filmes de velho oeste americanos (figura 13). Em alguns outros momentos mais propícios, pode-se encontrar algumas pessoas conversando no único bar, alguma criança brincando na rua.

Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda, quem descansa (...);
Vê o horizonte deitar no chão
Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar
(Vilarejo-Marisa Monte;
Composição: Marisa Monte, Pedro Baby,
Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes).




Figura 13- Cabeceira das Águas Paradas
Rua principal: Avenida da Saudade
Foto da autora, nov. /2009.


Pessoas que viveram e vivem nesse cenário, muitas vezes considerado nostálgico, relataram seu sentimento em relação a sua Cabeceira, descrevendo o passado e o presente.

"Antigamente a gente tinha liberdade, tinha opções de lazer, tinha as missas, o jogo de bola,o grupo de jovens,hoje dá tristeza de ver, por que não tem mais nada disso." (Ladair Aparecido Fonseca, 48 anos, ex-morador, viveu em uma propriedade próxima a Cabeceira por 30 anos)

"Vixi, lá tinha lavoura de café, muito grande, e a gente ia na barbearia e muitas vezes ia embora, por que tinha fila, agora dá tristeza, acabou o café; a Cabeceira tá morta, ainda é bom lugar para se morar, mais não tem mais nada lá".(Sebastião Waitman, 91 anos, ex-morador, residente no bairro por mais de 50 anos)

"Eu sinto satisfação por fazer parte de um sistema rural povoado, que mesmo com dificuldade oferecia segurança, educação e sobrevivência, enfim, um meio que era promissor, e também sinto tristeza e preocupação por saber que esse meio não existe mais, o fim do café somado a outros fatores empurraram o povo para o meio urbano, e a" Cabeceira "faz parte de um processo regional ou até nacional e as conseqüências você já sabe né" (Vanderlei Barbieri, 44 anos, ex-morador, residente no bairro por 30 anos),

"Eu gosto muito de morar na" Cabeceira "; quando eu era criança, minha mãe falou algo sobre mudar do bairro, eu chorei muito por medo de ir embora e deixar tudo para trás, me recordo que todas minhas amigas foram se mudando de lá, e só ficou eu e uma outra amiga, mas em relação a morar na" cabeceira "pra mim é morar em uma cidade grande, quando eu preciso de algo, busco em Américo de Campos ou Votuporanga. E mesmo quando eu terminar a faculdade não pretendo abandonar a" Cabeceira ", minha intenção é trabalhar nas cidades próximas e continuar morando no bairro, caso a falta de emprego me faça ir para um lugar mais distante, eu pretendo passar todos os fins de semanas possíveis e férias em minha casa, eu quero estabilizar economicamente e profissionalmente e poder reformar a casa de meus pais, fazer uma chácara lá, eu quero criar meus filhos na" cabeceira ". (Jéssica Juliano Alves, 18 anos, moradora desde seu nascimento)".
Em todos depoimentos, quando indagados sobre o passado e presente, analisamos a condição de alegria e entusiasmo ao falar do bairro de como era e o que ele oferecia, e tristeza ao ver como o bairro se encontra atualmente.

Considerações finais:


Observando essa realidade do rural brasileiro, podemos chegar a conclusão que esse acontecimento se dá no cotidiano de muitos brasileiros, que sem incentivos, sem expectativas de melhora, abandonam suas raízes em busca de novos horizontes, deixando para trás culturas genuinamente brasileiras, os que resistem são guerreiros e verdadeiros idealizadores de uma sociedade que necessita da produção agropecuária para movimentar sua economia e conseguir constituir um espaço mais igualitário aos que nele vivem.
Uma frase anônima resume a questão agrária: "A agricultura é a arte de saber esperar"; assim como o agricultor espera o cultivo de sua plantação ele também espera novas políticas de incentivo que possa lhe dar condições para seu trabalho, e a partir daí ele possa tirar seu sustento da terra de maneira digna.
Assim, como a jovem Jéssica, moradora do bairro Cabeceira das Águas Paradas, que tem amor ao seu lugar de origem, e não pretende abandoná-lo, assim é o homem do campo, que pelo amor a terra a sua raiz resiste e espera dias melhores.
Por fim, Cabeceira das Águas Paradas, Conhecida também como Lugar onde o Tempo não passa!



Referências:
JABUR, Maria Garcia Flores, São João das Águas Paradas: história da fundação de Américo de
Campos.São José do Rio Preto, SP: THS Arantes Editora, 2008.(História da nossa gente).


Candido, A. Os parceiros do Rio Bonito. 8ª ed. São Paulo: Editora 34, 1997.

Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda, Mini Dicionário da Língua Portuguesa, 3º ed. Editora Nova Fronteira, 1993.

Fernandes, L.L. Introdução a um estudo geográfico de bairros rurais em São Paulo. In: Boletim Paulista de Geografia, São Paulo, 1978.

RIBEIRO, Darcy.O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.Editora Companhia das Letras. São Paulo, 1995,

Queiroz. Maria Izaura P. O campesinato brasileiro. Petrópolis, Vozes, 1973.

BRUMER, Anita.Os rumos do mundo rural na América Latina no inicio do século XXI, num cenário de grandes transformações sociais, econômicas e políticas.Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-45222003000200002&script=sci_arttext
(acessado em 30/10/2009)

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http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=6551430
(acessado em 15/10/2009).

Gazeta Mercantil ? SP, edição de 11/04/2008. Disponível em:
http://www.achanoticias.com.br/indice.kmf?anoindice=2008&buscar=1&diaindice=11&mesindice=4&veiculo=48
(acessado 05/11/2009)

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(acessado em 01/11/2009)

RIBEIRO, Raphael r. JÙNIOR, João C. Considerações teóricas acerca do conceito de bairro rural e de comunidade rural.Disponível em:
http://www.simposioreformaagraria.propp.ufu.br/trabalhos/grupo2/6.doc
(acessado em 20/10/2009)


Autor: Ana Paula Buzetti


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