PEDAGOGIA, ESPAÇO NÃO-FORMAL E TEATRO DO OPRIMIDO. PONTUAÇÕES E RELAÇÕES PERTINENTES À APRENDIZAGEM.



Surge a partir de uma experiência vivenciada em espaço não-formal de ensino, ao cursarmos a disciplina pesquisa e estágio em espaços não-formal no curso de pedagogia na UNEB, campus XV em Valença-ba. Através do Teatro do Oprimido, metodologia proposta para atuar nesse espaço, pode-se compreender o universo entre oprimidos e opressores na prática educativa. Tendo com espaço a ser pesquisado moradores da Comunidade das Casas Populares situado no bairro Novo Horizonte na cidade de Valença-BA. Diante da problematizarão criada, verificou-se a necessidade dos discentes em formação criarem seu próprio Teatro do oprimido para se auto conhecerem e partir de então entender a complexidade do outro.

INTRODUÇÃO
O estágio em espaços não-formais de ensino é um desafio para os pedagogos em formação. Historicamente quando se fala em educação escolar, logo se pensa nas instituições escolares demarcada pelos muros que delimitam fisicamente essas instituições de ensino, onde acontece o que chamamos de educação formal.
Ao cursar o VIII semestre do curso de pedagogia na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus XV em Valença-ba, na disciplina estágio e pesquisa em espaços não formais de ensino, tivemos como proposta de leitura o livro Pedagogia do Oprimido de FREIRE (1987), servindo de embasamento teórica e instrumento de reflexão para a criação do Teatro do Oprimido.
O teatro do oprimido pode ser caracterizado como uma técnica, desenvolvida pelo tramaturgo Augusto Pinto Boal, com o objetivo de lutar contra a exploração e a opressão. De cunho político, libertário e transformador, o teatro do oprimido pretende transformar espectadores em sujeitos capazes de serem protagonista de sua própria ação dramática.
O espaço escolhido para a realização do estagio foi à comunidade do bairro do Novo Horizonte, em Valença-ba. Essa comunidade foi formada depois de uma desocupação de uma área do manguezal, onde posteriormente foram construídas casas populares, ficando a comunidade conhecida como Portelinha, nome esse que os moradores não gostam. O descaso e abandono social nessa comunidade são de fácil percepção, gerando alto índice de violência, tráfico de drogas, dificuldade de acesso e permanência dos alunos na escola, visto que a mais próxima fica em outro bairro a quase 2 km de distância.
Atuar nesse espaço foi um desafio, por estarmos em formação enquanto educadores e por ser este espaço demarcado por um processo de abandono, principalmente na área da educação. Tratava-se, entretanto, de uma situação sensível por termos que trabalhar com o Teatro do Oprimido, uma vez que muito de nós, Pedagogos em formação ainda não tínhamos o conhecimento ou não nos reconhecíamos na relação oprimido /opressor.
Através de reflexões e leitura preliminares, compreendemos a complexidade da temática que estava sendo proposta, não por ser o Teatro do Oprimido um complexo de problemas, mas, por entender que o desafio maior estava na necessidade não somente de ir trabalhar na comunidade mas, sim de sermos trabalhados por ela.
Dessa ótica, o problema da pesquisa, passou a ser não o outro, mas sim o "eu" enquanto pedagogo em formação, e qual a nossa real posição, oprimido ou opressor? Ou como diz Freire, um ser livre, emancipado?
OPRIMIDO OU OPRESSOR? A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO.

Para responder a tais indagações, partimos do entendimento de que a Pedagogia tem diversificados campos de atuações, sendo a escola apenas um deles, sendo que os outros espaços são poucos conhecidos do corpo docente, concordando com Kulcsar no que diz,

O primeiro papel a ser questionado é o da Universidade. Ao fornecer uma bagagem teórica específica que exige uma visão crítica da sociedade vigente, ela parece não conseguir formar um profissional competente, capaz de reoperacionalizar a teoria em relação à prática. (KULCSAR, 1991 p. 25).

Concordamos com o autor quando afirma que a universidade parece não conseguir formar pedagogos capazes de compreender que existe uma formação educacional que está além dos muros escolares.
Ao passo que conhecíamos a obra de Freire (Pedagogia do Oprimido) compreendíamos melhor a relação entre oprimidos e opressores, a dialogicidade proposto por Freire, motivou-nos a conhecer melhor o meio que iríamos trabalhar, ou ainda sermos trabalhadas.
O perfil dos estudantes do curso de pedagogia é constituído em sua maioria por estudantes oriundos das classes populares, vítimas da opressão e da exclusão social. Sendo assim, entendemos que estes sujeitos estão mais preparados para atuar no desafio de educar para além da reprodução de
Cabe-nos então, entender, refletir e pesquisar as condições que poderão facilitar a produção de uma sociedade capitalista e desigual, mas sim para uma educação que possa transformar e superar à condição de oprimidos, uma pedagogia dos oprimidos operada, dinamizadas por eles, certo como diz Freire,

Quem, melhor que os oprimidos se encontrarão preparado para entender o significado terrível de uma sociedade terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá melhor que eles os efeitos da opressão? Quem mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? (FREIRE, 1987, p. 32.)


A libertação que Freire menciona vem associada a uma práxis. Conseqüentemente a educação é o meio pelo qual o individuo obtém o conhecimento para tal liberdade.
Nos sentimos à vontade para dialogar com Freire para agregar algo a mais a sua fala, enfatizamos que a liberdade é um processo doloroso, através da educação e acesso ao conhecimento fica possível a compreensão de mundo e situação de oprimido e opressor,o que demanda uma luta contra posturas e pedagogias elitizadas e capitalistas.
Sendo a educação veículo libertador analisamos que trabalhar em espaços não formais também é uma questão educacional que tem a capacidade de transformar e formar novos pensares e cidadãos.
Para isso recorremos a BRANDÂO, quando ele afirma que,

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, ama igreja ou na escola, de um modo ou de muito, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, par ser ou pra conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. (BRANDÂO, 1981, apud LIBÂNEO, 2000, p.18).


O conceito de Brandão vem confirmar que a educação ocorre em diferentes espaços com diversos atores, proporcionando uma gama diversa de atividades educativas, sejam elas formais, informais ou não-formais. À educação formal cabe entre outras funções, socializar os saberes historicamente acumulado, contribuindo com a formação crítica e autônoma dos seus sujeitos.À educação não formal e informal complementa a educação formal, que ocorre em outros espaços, como cita BRANDÃO(2000), em casa, na igreja, de um modo ou de muitos.
Daí vem à questão, somos então oprimidos ou opressores, enquanto pedagogos em formação? Dizemos que fazemos parte das duas esferas, somos oprimidos por pensar que numa universidade temos todo apetrecho teórico, e isso nos dará meios de resolver todos os problemas da educação brasileira, nos enganando completamente desta realidade, pois negamos que a construção do saber se da através da vivencia. Ao passo que por estes motivos somos opressores, pois, julgamos aqueles menos favorecidos socialmente, simples tabula rasa (na pior das inferências) e iremos modelar conforme nosso etnocentrismo pedagógico social.
Freire cita que deve haver uma Pedagogia voltada aos oprimidos, sendo esta humanista e libertadora, afirma ainda que esta Pedagogia não devendo ser elabora nem praticada pelos opressores. Entende-se aí que nós nos caracterizamos mais ainda como opressor-oprimidos, pois ainda não temos o total conhecimento da práxis libertadora.



A CONTRIBUIÇÃO DO TEATRO DO OPRIMIDO PARA FORMAÇÃO PEDAGÓGICA.
A priori o objetivo da pesquisa era identificar na comunidade aspectos até então não trabalhados nela para que pudéssemos refletir sobre os problemas por eles encontrados, e através do Teatro do Oprimido trabalharmos a situação opressora que eles viviam.
Obtivemos como ponto de partida a pesquisa empírica que nos deu moldes fundamentais para trabalhar questões sociais tão abrangentes, uma vez que, enquanto Pedagogos em formação nos julgávamos sujeitos livres, emancipados, conhecedores de uma vasta fonte teórica. Fomos, entretanto, surpreendidas com o retorno que obtivemos com a pesquisa. Tivemos que despir de toda nossa auto-suficiência pedagógica para então entender a condição oprimido e opressor.
Recorremos mais uma vez a Freire, refletindo sobre suas postulações, por fim concordando com ele quando diz que "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si medializado pelo mundo" (FREIRE, 1987.). Essa visão de mundo e compreensão, primeiro de nossa realidade, foi que nos trouxe recurso para continuar com o estágio e compreendermos a realidade do outro.
Freire vem mais uma vez ser preciso em sua afirmação e a usamos para nosso diálogo, o quanto nós educadores em formação precisamos está abertos a outras realidades, aquelas fora dos muros escolares.

Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em dialogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os "argumentos de autoridade" já, não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente autoridade, se necessita de esta sendo as liberdades e não contra ela. (FREIRE, 1987, p. 40)


Nesse sentido, o processo de pesquisa que iniciou tendo como objetivo conhecer e trabalhar a realidade do outro, veio-nos como fonte pedagógica (nesse momento vivenciado) contribuindo com nossa formação.
Descobrirmos até que ponto somos oprimidos e opressores serviu-nos não somente como material de pesquisa do estágio em espaço não-formal como também para descobrir que papel tem enfim o Pedagogo. Compreendemos que nossa pesquisa tratava-se, portanto, de uma pesquisa vivenciada como "uma atividade situada que localiza o observador ("eu") no mundo("outros"), consistindo em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade a esse mundo.(DENZI e LINCOLN, 2006 apud PASTICHI e CAVALCANTI, 2008.p.10).
Desafiadora foi então a pesquisa. A problematização das situações encontradas nos fez rever totalmente o objetivo da pesquisa, se por hora iríamos trabalhar as questões opressoras da comunidade do Novo Horizonte, por que não problematizarmos a nossa condição enquanto Pedagogos em formação? O desafio maior estava aí. È muito simples trabalhar, inferir na questão do outro. De cima de nosso "patamar", as coisas se tornam mais fáceis, nesse aspecto. Mas quando se trata mudar o foco e termos a consciência de trabalhar nossas próprias questões opressoras, aí sim o desafio é muito maior. Mas uma vez Freire é assertivo ao dizer que:

Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiador quanto mais obrigado a responder ao desafio com um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a torna-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada. (FREIRE, 1987, p.55)


Veja que nesse momento nos colocamos como educandos ? uma vez que, estávamos sendo objeto de pesquisa. Ao passo que compreendíamos nossa situação, entendíamos melhor a condição do outro, começamos assim a fazer parte da condição desalienada das nossas concepções pedagógicas, tornando-nos mais críticas.
No primeiro momento, já que iríamos trabalhar com o Teatro do Oprimido, coletamos os dados usando um roteiro de entrevista pré-estruturado, uma vez que, pensamos ser este o modo que possibilita a expressão livre do entrevistado sobre diferentes temas. A entrevista foi simples, mas trouxe-nos um material rico em informações, contendo nelas declarações de sonhos de muitos jovens. Havia a necessidade do respeito social da comunidade, não somente isso eram declarações de pessoas que enfrentavam a violência doméstica, a pobreza, a fome e miséria, mas também encontramos pessoas com história de superação e essas queriam e muito nos contar como superaram tantos problemas.
Através dos dados coletados, percebemos que precisávamos fazer o Teatro do Oprimido voltado para nossa realidade, pois precisávamos nos encontrar diante daquela imensidão de problematizações e fazer o nosso Teatro levantando questões que problematizam a formação do curso de pedagogia e a relação da Universidade e dos professores os espaços não-formal. É preciso enfatizar que a "Pedagogia é uma ciência e como tal deve estudar criticamente a educação como práxis social" (PASTICHI e CAVALCANTI, 2008). "A implicação desse ultimo entendimento é que a Pedagogia não pode se restringir tão somente à sala de aula.( LIBÂNEO, 2006 apud PASTICHI e CAVALCANTI, 2008, p.3)
PEDAGOGO EM FORMAÇÃO E A EDUCAÇÃO NOS ESPAÇOS NÃO-FORMAIS.


No Brasil, a então chamada educação não-formal sempre foi considerada um objeto menor na educação. Todas as atenções estiveram concentradas na educação desenvolvida nos aparelhos escolares (GONH, 1994, p.91).
A educação não-formal é então vista por uma ausência, ou uma comparação pequena com o que existe nos aparelhos educativos. Sendo muito pior, ela é vista como uma contraposição da escola, um modelo educacional onde não se consegue exercer o papel educacional equivalente à sala de aula. Porém, ao contrário desse pensamento, têm-se hoje pesquisas que apontam como é fundamental a imersão dos Pedagogos nesses espaços, sendo um viés social que dará ao Pedagogo base na sua formação.
Temos então que repensar o papel do Pedagogo em relação à escola e repensar também a escola, será mesmo que só existe educação em ambientes escolares? Já sabemos que não, e a educação como veículo de formação social se dá muito além dos ambientes escolares, concordamos com Pastiche e Cavalcanti (2008) quando dizem que,

Nessa direção, a atividade formativa do pedagogo seria orientada para a reconstrução de uma consciência de solidariedade articulada com atividades educativas( escolares e não escolares sustentadas pelo ideal de universalização democrática do saber. Pois fazer das comunidades locais , com suas redes e movimentos, protagonistas reconhecidos na regulação dos serviços escolares, obriga-nos a dividir com os atores coletivos o poder de decidir sobre o próprio modelo formativo em curso em nosso país. ( PASTICHE e CAVALCANTE, 2008, p.11)

Ainda de acordo a essa afirmativa, Brandão (1998) diz que:

Não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece (...); o ensino escolar não é sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante (p.9).

Entendemos que a educação é uma pluralidade de possibilidades. Uma dessas possibilidades é a educação não formal, um campo que não é muito conhecido, mas que tem um vasto contexto social muito importante para a Pedagogia. Desde a década de 70, a educação não-formal passa por mudanças e apesar de não ser muito conhecida, vem se afirmando no campo educacional, Gohn diz que:
A educação não-formal era vista como conjunto de processos delineados para alcançar a participação de indivíduos e de grupos em áreas denominadas extensão rural, animação comunitária, treinamento vocacional ou técnico, educação básica, planejamento familiar etc.(GONH, 2005, p.91).


No entanto, após duas décadas essa modalidade educacional começa a ter valor e destaque no campo pedagógico, sendo motivado pela praticas inovadoras do conhecimento,

Passou a valorizar os processos de aprendizagem em grupos e dar-se importância aos valores culturais que articulam as ações dos indivíduos. (GOHN, 2005, p.92)

Diante de tamanhas inferências à educação não-formal, sabemos que esta é uma forma de atuar diretamente na formação do sujeito, assim a educação não-formal desenvolve-se através das necessidades sociais. Para Gohn (2005):

(...) não se trata de um processo apenas de aprendizagem individual que resulta num processo de politização dos seus participantes. Esta é uma das faces mais visíveis. Trata-se do desenvolvimento da consciência individual. Entretanto, o resultado mais importante é dado no plano coletivo. (GOHN, 2005, p.52)

Essa modalidade educacional trabalha com contextos que já fazem parte da realidade do educando, trabalhando questões sociais pertinentes a seu viver, em outras palavras, saberes cotidianos, fazemos uso das palavras de Gohn (2005, p.30) quando diz que a educação não formal ajuda na construção da identidade coletiva de um grupo.


Referências Bibliográficas.


BRANDÃO, C. R. O que é educação. 22ª edição ? São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. (Coleção Primeiros Passos).

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17ª. Ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987.

GOHN, M. G. Educação não-formal cultura política: impactos sobre o associativismo do terceiro setor. 3ª edição ? São Paulo, Cortez, 2005.( Coleção Questões da Nossa Época).

PASTICHI, D e CAVALCANTI, T. O curso de Pedagogia e a Educação Não-Formal. 2008.

Autor: Thais Cristina De Souza


Artigos Relacionados


A Formação Do Pedagogo Para Atuar Em Instituições Sociais Não Escolares:o Que Pensam Esses Profissionais?

Hegemonia X Autonomia

Arte X Opressão

Anotações Sobre Ensino E Os “tipos” De Educação Em Paulo Freire

A Escola Da Vida – Educacao Nao Formal - Tema De Monografia De Pedagogia

Resumo Do Livro Pedagogia E Pedagos Para QuÊ

Educação Para A Liberdade Em Paulo Freire