A Vida de uma Mulher da Vida



São 00h15min. Estou só, mas isso já é rotina. Os carros passam e os olhos dos motoristas me percorrem, como se eu fosse um pedaço de carne à venda. E para o mundo não sou nada mais que isso. Já faz um tempo que deixe de ser humana. Faz um bom tempo...
Fecho os botões do casaco. O frio da cidade assombra quem mora na rua... Abraço meu corpo sujo e repugnante para me sentir um pouco menos desolada. Mas eu esqueci como é o calor amoroso de um corpo. Eu esqueci qual é a sensação de um abraço carinhoso. Eu me esqueci de várias coisas de quando era viva.
Acendo um cigarro para relaxar um pouco. Entre uma baforada e outra, penso sobre o mundo. Ainda bem que minha mãe não sabe aonde vim parar. Onde mesmo que eu vim parar? Sei lá. Encalhei por aqui e aprendi a me virar sozinha. Saí de casa com 15 anos. Era uma aluna razoável na escola e acho que tinha condições de me dar bem na vida. Mas joguei tudo para o alto quando fugi de casa com um namoradinho. Não suportava mais aquela vida pobre que eu levava em casa com minha mãe, meu pai e meus nove irmãos. E ele era filho de pais ricos, podia me dar condições melhores. Até que eu fiquei grávida dele e ele desapareceu quando soube. Tentei procurá-lo, mas não o encontrei. Ele levou tudo meu ao partir. Minha dignidade, meu futuro... Minha vida. Abortei a criança. Ainda assim não sabia como voltar para casa. E mesmo que soubesse não voltaria. Com que cara eu ia voltar? É engraçado, mas eu ainda tenho um pouco de dignidade.
Outros carros passam de vidro fechados. As pessoas lá dentro de suas fortalezas metálicas não sabem, não fazem idéia de como é a vida aqui fora, na sarjeta.
Entre um programa e outro consigo grana para ter o que comer e de vez em quando encontro um lugar para morar. Na casa de alguns homens até tomo banho e recebo roupas. Mas eu nem sei por que ainda faço isso... Eu poderia morrer de vez, de verdade, mas para mim não é assim tão simples. É engraçado como grande parte das pessoas se apega à vida, apesar de todas as dificuldades.
Jogo o cigarro num bueiro próximo ao meio-fio. A rua está vazia. Só existem mais uns corpos de três ou quatro mendigos dormindo, enrolados em cobertas, mas não são pessoas. Não são humanos. São somente trapos sujos jogados no chão. Seres que lutam pela sobrevivência dia após dia, sendo que já não estão mais vivos. São "coisas", que assim como eu não se enquadraram na sociedade. São restos e nada mais.
Eu nem sei que dia da semana é hoje. É 00h25min segundo um relógio que ganhei em um dos meus programas. Estou cansada de ficar em pé. Recuo alguns passos e me sento no chão, encostada na parede. Meu corpo fede a sexo e a cigarro. Passo um batom nos lábios e um pouco de perfume pelo corpo. É essa a minha função nesse mundo: Servir aos homens. Saciar sua maldita fúria selvagem. Quantos homens de aliança no dedo já não vieram a mim? Mas se bem que não foram muitos. Eu não tenho muitos fregueses. Não sou muito bonita. Ao menos sou a única prostituta nessa rua.
Já não sinto mais nada ao deitar com eles. Não sinto prazer algum. Sinto somente um vazio enorme em mim. Realmente sinto que não estou mais viva. Que não tenho mais alma.
Um carro se aproxima lentamente. Levanto-Me, o carro na minha frente. Me apoio na janela do carro semi-aberta. O motorista é velho, tem os cabelos grisalhos e pergunta meio nervoso qual o meu preço. "Quarenta", eu falo entediada. O motorista me olha nos olhos, olha meus seios e murmura irritado que haviam dito para ele que as prostitutas daquela região eram mais baratas. "Não, não quero", ele disse voltando a pôr as mãos no volante. "Tudo bem. Trinta então?" pergunto desgostosa. "Vinte e cinco" ele sentencia. O desgraçado ainda queria pechinchar. "Ta, pode ser", balbucio revirando os olhos. "Entra ai" ordenou ele.
Minha alma valia vinte e cinco reais... Ah não, que tolice a minha. Quase me esqueci de que não tinha mais alma. O silêncio do carro me deixava nervosa. "Você pode ligar o rádio?", perguntei. "Liga ai..." foi a sua resposta. Liguei o rádio, fiquei mudando de estação por um bom tempo até cansar e deixar em uma qualquer. Uma voz feminina anunciava: "São exatamente 00h43min do dia 19 de novembro de 2010; Uma agradável sexta-feira...". Hoje era 19 de novembro... Era meu aniversário. Puxa... Eu havia esquecido. Hoje faço 19 anos. E qual o meu presente? Dormir com um cara que eu nem conheço.
O carro pára em frente a uma casa de classe média. O cara devia ser cheio de grana e ainda quis que eu abaixasse meu preço... Saímos do carro; Caminhamos para a porta, não havia ninguém na rua, exceto nós dois. Entramos na casa.
O cara jogou seu terno por cima de um sofá, e ao subir as escadas falou autoritário: "suba.". Ao falar isso estalou os dedos e fez um aceno com a mão indicando que eu subisse. Subi, como se eu fosse um cachorro obedecendo às ordens de seu dono. Mas com certeza, para ele, eu devia valer menos que isso.
Autor: Guilherme Da Silva Viana


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